A União Africana lança coalizão inédita para controlar minerais estratégicos como cobalto e lítio, buscando industrialização local, maior poder de negociação global e reduzindo dependência do domínio de China e Estados Unidos.
Uma mudança silenciosa, porém decisiva, está em andamento na forma como a África encara sua imensa riqueza mineral. A União Africana (UA) anunciou, durante uma cúpula regional sobre clima em Adis Abeba, planos para formar uma coalizão de países produtores de minerais estratégicos, com o objetivo de fortalecer o poder de barganha do continente no mercado global.
A iniciativa foi batizada de Estratégia de Minerais Verdes da África e busca garantir que recursos essenciais à transição energética — como cobalto, lítio, coltan e elementos de terras raras — não continuem sendo exportados em estado bruto, mas passem a ser processados e industrializados localmente.
Contexto global: a corrida por minerais verdes
A pressão por minerais estratégicos cresce à medida que o mundo acelera a descarbonização. Relatório da Agência Internacional de Energia (AIE) projetou que a demanda global por minerais essenciais pode quadruplicar até 2040, impulsionada por baterias, turbinas eólicas e veículos elétricos.
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Hoje, a República Democrática do Congo (RDC) fornece mais de 70% do cobalto mundial, enquanto outros países africanos concentram reservas de lítio e terras raras. Apesar disso, a maior parte da riqueza é exportada sem agregar valor, mantendo a África à margem do boom tecnológico global.
“A ordem global atual recompensa o controle sobre o processamento e o comércio, não apenas a posse do recurso”, explica a economista de energia Linda Mbutu, da Universidade de Nairóbi. “A África tem os minerais, mas não tem influência. Uma coalizão unificada pode mudar esse equilíbrio.”
EUA e China no centro da disputa
A iniciativa da UA ocorre em meio à disputa entre China e Estados Unidos pelo domínio das cadeias de suprimentos. Pequim controla grande parte do refino de minerais estratégicos, o que preocupa Washington e Bruxelas.
O governo americano já firmou parcerias na RDC para explorar reservas de cobre e cobalto, numa tentativa de reduzir a dependência da China. Mas, com a possível formação de uma frente africana unificada, tanto EUA quanto União Europeia terão de renegociar suas estratégias.
Obstáculos internos: financiamento e divergências
Apesar das ambições, a coalizão enfrenta desafios internos significativos. O principal é a falta de infraestrutura e financiamento para processar minerais localmente. A UA cobra que países industrializados cumpram promessas de financiamento climático, como o compromisso assumido na COP29 de 2023, no Azerbaijão, de destinar US$ 300 bilhões por ano às nações em desenvolvimento.
Na prática, porém, um estudo da Oxfam mostrou que países da África Oriental receberam apenas 4% do valor necessário entre 2013 e 2022, revelando uma discrepância entre discurso e realidade. Outro obstáculo é a diversidade de interesses nacionais:
- RDC e Zimbábue já aplicam restrições de exportação para proteger cadeias locais;
- Nigéria e Moçambique ainda priorizam petróleo e gás;
- Conflitos internos, especialmente no leste da RDC, ameaçam a estabilidade da cadeia de suprimentos.
Rumo a uma “OPEP dos minerais”?
Para analistas, a nova coalizão pode funcionar como uma versão africana da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), estabelecendo preços regionais, cotas de exportação e estruturas conjuntas de refino.
“Mesmo que a coalizão não atinja o nível de coordenação da OPEP de imediato, ela já sinaliza que a África não aceita mais ser apenas a pedreira do mundo”, avalia o pesquisador Jean-Benoît Mallet, da OCDE.
Justiça climática e soberania
A declaração da UA também reforçou o princípio da “justiça climática”, cobrando não só compensações, mas também soberania sobre os recursos verdes. Para o presidente da Comissão da UA, Mahamoud Ali Youssouf:
“As pessoas esquecem que minerais como cobalto e lítio não são apenas insumos industriais — são a alavanca da África no século XXI.”
Se bem-sucedida, a coalizão pode reposicionar a África no mapa geopolítico global, elevando sua voz nas negociações internacionais e promovendo industrialização sustentável.
Ainda que enfrente barreiras financeiras, políticas e estruturais, a iniciativa representa um marco histórico: a tentativa de transformar a abundância mineral em influência estratégica, rompendo com décadas de exploração externa.