Disputa comercial entre Estados Unidos e China pressiona o Brasil, que domina as exportações de soja para Pequim, mas pode perder espaço no maior mercado agrícola do mundo com a prorrogação da trégua tarifária.
A disputa pela soja no maior mercado do mundo entrou em nova fase.
Com a trégua tarifária de 90 dias entre Estados Unidos e China — posteriormente prorrogada por mais três meses — e a pressão do presidente americano Donald Trump para ampliar as compras chinesas do grão produzido por agricultores dos EUA, especialistas apontam risco de redução da fatia brasileira nas importações chinesas.
O movimento ocorre dias após Washington impor tarifas elevadas a produtos brasileiros e em meio à tentativa de Pequim e Washington de costurar um acordo comercial mais amplo.
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A China responde por 61,1% de todas as importações globais de soja e depende majoritariamente do exterior para alimentar seu rebanho de suínos e aves.
Apenas 15% do consumo interno é coberto pela produção nacional; os 85% restantes vêm de fora.
Em 2024, o país importou 105,03 milhões de toneladas, gastando US$ 52,8 bilhões.
Desse total, 74,6 milhões saíram do Brasil, equivalendo a 71,1% das compras chinesas, enquanto os EUA forneceram 22,1 milhões de toneladas (22%). Argentina e Uruguai ficaram com volumes bem menores.
Trégua entre EUA e China pressiona soja brasileira
Poucos dias após o tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros entrar em vigor nos EUA, Trump usou as redes sociais para pedir que a China “quadruplique rapidamente” as compras de soja americana.
A fala ocorreu quando ainda restavam dois dias para encerrar o prazo inicial de suspensão da escalada tarifária entre os dois países.
Em 12 de maio, os governos haviam reduzido provisoriamente suas alíquotas: de 145% para 30% nas tarifas americanas aplicadas a mercadorias chinesas e de 125% para 10% nas tarifas chinesas sobre produtos dos EUA.
Um dia depois da declaração, Washington e Pequim prorrogaram a trégua até 12 de novembro, enquanto seguem em negociação.
“O serviço rápido será prestado”, escreveu Trump, ao agradecer a Xi Jinping e reforçar o pedido de aumento das compras.
Embora não tenha citado diretamente o Brasil, uma mudança na demanda chinesa para soja americana afetaria imediatamente o espaço ocupado pelo grão brasileiro no mercado.
Brasil e China em relação de interdependência
Para analistas, o Brasil está exposto porque a soja pode ser utilizada como moeda de troca em tratativas políticas entre China e Estados Unidos.
Alberto Pfeifer, pesquisador do Insper Agro Global e professor da USP, afirma que os EUA “não têm hoje capacidade de quadruplicar” suas exportações, mas a declaração de Trump sugere que o produto pode ser incorporado às concessões em discussão.
Uma possibilidade seria a criação de cotas isentas de tarifas para a soja americana, medida que também beneficiaria Pequim ao diversificar fornecedores.
O problema, lembra Pfeifer, é que a dependência é recíproca.
O Brasil envia 73,4% de sua soja exportada à China, de acordo com o MDIC.
Esse comércio representa 9% de toda a receita de exportações brasileiras.
Em outras palavras, qualquer ajuste nas preferências de compra de Pequim repercute de imediato no agronegócio nacional e na balança comercial.
Reação do governo brasileiro e telefonema entre Lula e Xi
A reação em Brasília veio em tom crítico.
Para Celso Amorim, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, o pedido de Trump mostra “quase um estado de guerra” contra o Brasil, pois o pleito não se baseia em lógica de mercado, mas em força política.
Amorim disse acreditar, no entanto, que a China não deve abandonar a parceria estratégica construída com o Brasil.
No mesmo período, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Xi Jinping conversaram por telefone. Segundo comunicados oficiais, ambos reafirmaram o alinhamento político e econômico.
Xi declarou que os laços entre os países vivem “seu melhor momento histórico” e que Brasil e China estão prontos para ampliar cooperação em áreas como saúde, petróleo e gás, economia digital e satélites.
Lula, por sua vez, ressaltou a busca por novas oportunidades de negócios e a intenção de aprofundar a integração.
Histórico da guerra comercial favoreceu Brasil
Até 2012, os Estados Unidos eram o principal fornecedor de soja à China.
A partir de 2013, o Brasil passou à frente e, em 2016, ambos tinham participação próxima: 45,7% para o Brasil e 40,4% para os EUA.
O cenário mudou com a chegada de Trump ao poder e a adoção de tarifas contra produtos estrangeiros.
Em 2017, a fatia brasileira subiu para 53,3%, enquanto a americana caiu para 34,4%.
Em 2018, a guerra comercial levou Pequim a retaliar Washington com tarifas sobre commodities agropecuárias, incluindo a soja.
A medida fez a participação do Brasil saltar para 75,1%, contra apenas 18,9% dos EUA.
Dois anos depois, em janeiro de 2020, o acordo de “Fase Um” comprometeu a China a comprar US$ 40 bilhões por ano de produtos agrícolas americanos durante dois anos.
A meta, porém, não foi integralmente cumprida: entre 2020 e 2022, apenas 73% do valor prometido foi efetivado, enquanto o Brasil manteve a dianteira, ainda que com diferença menor para os EUA.
Perspectivas para o mercado de soja em 2025
Em 2025, já sob novo mandato de Trump, o discurso protecionista foi retomado.
Apesar da trégua, até o momento não há registros de compras chinesas de soja americana para o quarto trimestre.
Segundo fontes de mercado, as reservas para setembro somam cerca de 8 milhões de toneladas, todas da América do Sul.
Para outubro, as compras já firmadas giram em torno de 4 milhões de toneladas, também sul-americanas.
No mesmo período do ano passado, a China havia reservado 7 milhões de toneladas de soja dos EUA.
A variável do preço, contudo, segue determinante.
Sem a cobrança de tarifas, a soja americana para embarque em outubro estaria cerca de US$ 40 por tonelada mais barata do que a brasileira.
Esse diferencial pode pesar nas decisões de compra de curto prazo, mesmo que a capacidade logística e o calendário de safra limitem a substituição imediata.