Sonda Europa Clipper pode cruzar a cauda do cometa interestelar 3I/ATLAS nesta semana e coletar partículas de outro sistema estelar, em evento inédito na história da exploração espacial.
Nunca antes a humanidade esteve tão perto de tocar — de forma literal — matéria que nasceu em outra estrela. A partir desta semana, cientistas do mundo todo acompanham um evento que pode marcar uma revolução na astronomia e na astrobiologia: a possibilidade de a sonda Europa Clipper, da NASA, cruzar a cauda iônica do cometa interestelar 3I/ATLAS e captar partículas que viajaram pelo espaço interestelar até chegar ao Sistema Solar.
Se a previsão se confirmar, será a primeira vez que um objeto criado pelo ser humano interage diretamente com material intacto vindo de outro sistema estelar, sem manobras, sem desvio de rota e sem qualquer missão dedicada para isso. Um encontro improvável que pode mudar para sempre o entendimento sobre como mundos são formados, incluindo o nosso.
Cálculos indicam que a sonda Europa Clipper pode cruzar uma corrente de partículas carregadas expulsas da cauda do 3I/ATLAS pelo vento solar.
A previsão desse alinhamento cósmico raro foi realizada pelos cientistas Samuel Grant, do Instituto Meteorológico Finlandês, e Geraint Jones, da Agência Espacial Europeia (ESA), que publicaram o estudo no repositório arXiv. Entre esta quinta-feira (30) e 6 de novembro, cálculos indicam que a sonda Europa Clipper pode cruzar uma corrente de partículas carregadas expulsas da cauda do 3I/ATLAS pelo vento solar.
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Não é um encontro planejado; é uma coincidência astronômica do tipo que levou civilizações inteiras a erguer observatórios nas pedras e, agora, leva telescópios, softwares e naves robóticas a apontarem para um mesmo fenômeno em busca de respostas que nunca tivemos acesso antes.
Primeira coleta de partículas de um cometa interestelar
Até hoje, apenas dois visitantes interestelares foram confirmados passando pelo Sistema Solar: o 1I/‘Oumuamua em 2017 e o 2I/Borisov em 2019. Nenhuma sonda conseguiu interceptá-los, observar sua composição de perto ou cruzar seu rastro.

Agora, essa fronteira científica pode ser cruzada de forma acidental e justamente por uma nave que nem sequer tinha essa missão. A Europa Clipper foi projetada para estudar a lua Europa, de Júpiter, analisar sua superfície congelada, investigar seu oceano subterrâneo e mapear as condições para vida ali.
Entre seus sofisticados instrumentos está um conjunto de sensores de partículas e campos eletromagnéticos, essenciais para lidar com o ambiente extremo de radiação de Júpiter e, ironicamente, perfeitos para detectar íons interestelares.
Samuel Grant resume a grandiosidade: ao atravessar a cauda do 3I/ATLAS, a sonda pode capturar moléculas que nasceram em outro disco protoplanetário, partículas que carregam a assinatura química de uma estrela distante, talvez formada antes do Sol ou em uma região completamente diferente da Via Láctea.
Segundo ele disse ao site Space.com, “é o mais próximo que podemos chegar hoje de estudar material de outro sistema estelar”. Em outras palavras, estamos prestes a tentar, pela primeira vez, tocar a matéria-prima de outro mundo.
Como funciona a captura acidental das partículas
O estudo utilizou o software Tailcatcher, capaz de simular o comportamento do vento solar e identificar quando o fluxo de partículas emitidas pelo Sol arrasta íons da cauda de um cometa.
Nesse cenário, o vento solar atua como uma ponte cósmica: empurra átomos e moléculas do cometa por milhões de quilômetros até o caminho da nave. Se tudo se alinhar, sensores da Europa Clipper podem registrar o choque dessas partículas com seus detectores, permitindo identificar sua composição química.
A distinção é clara. Enquanto o vento solar é dominado por hidrogênio e hélio, partículas cometárias trazem elementos pesados, moléculas complexas, água congelada, dióxido de carbono e compostos orgânicos.
Em uma análise detalhada, essa assinatura química pode revelar a “receita” de formação de sistemas planetários além do nosso. Para os cientistas, os cometas funcionam como cápsulas do tempo, preservando matéria primordial formada há bilhões de anos. O 3I/ATLAS carrega a história de outra estrela e a Europa Clipper pode ser o mensageiro desse segredo até nós.
Momento crítico: vento solar, periélio e alinhamento no espaço
Nada disso está garantido. O sucesso depende de uma cadeia de fatores cósmicos precisos. O 3I/ATLAS atingiu seu periélio — o ponto mais próximo do Sol — a cerca de 200 milhões de quilômetros, o que intensifica sua atividade e aumenta o tamanho de sua cauda iônica.
A Europa Clipper, por sua vez, está a mais de 300 milhões de quilômetros do Sol após sobrevoar Marte no início do ano. Essa posição oferece uma oportunidade rara: o alinhamento geométrico entre Sol, cometa e nave pode permitir o encontro com partículas interestelares carregadas pelo vento solar.
Mas o vento precisa soprar exatamente na direção certa e com intensidade suficiente. Um sopro solar diferente, um pequeno desvio magnético ou uma alteração de densidade no plasma solar pode mudar completamente o destino dessa descoberta revolucionária.
Missões e futuro da exploração interestelar
Enquanto a ESA também monitora a possibilidade de a sonda Hera cruzar essas partículas, ela não possui sensores adequados para medi-las. A Europa Clipper, quase por acaso, é a protagonista natural desse experimento histórico. E caso o encontro não ocorra agora, o futuro já está se redesenhando.
A missão Comet Interceptor, planejada para 2029, aguardará silenciosamente no espaço o surgimento de um cometa não catalogado, capaz de vir das profundezas interestelares.
Seu objetivo é claro: interceptar, estudar e, quem sabe, coletar amostras de um viajante como o 3I/ATLAS desde o primeiro momento em que ele entrar no Sistema Solar.
O que está em jogo para a ciência e para a humanidade
Se a Europa Clipper conseguir detectar partículas interestelares, estaremos diante de um marco tão simbólico quanto científico: pela primeira vez, material vindo de outro sistema estelar será captado por uma máquina construída pela humanidade.
Um passo silencioso no espaço profundo, mas um salto gigantesco para compreender como planetas nascem, como moléculas se organizam e, possivelmente, como a vida pode surgir em outros cantos da galáxia. Não haverá imagens dramáticas, explosões cinematográficas ou transmissões ao vivo com contagem regressiva.
Mas haverá, talvez, o registro mais importante desde que vimos um ponto pálido azul flutuar no vazio: a evidência de que o que nos formou não nasceu aqui, e que a história da vida pode ser um fenômeno galáctico, não um privilégio isolado.
Em um universo onde cada cometa é um mensageiro e cada estrela carrega sementes químicas, a sonda Europa Clipper pode hoje se tornar a ponte entre mundos e o primeiro instrumento humano a tocar, ainda que em poeira microscópica, os destroços de outra aurora estelar.
Uma coincidência cósmica que pode redefinir o que entendemos sobre origem, destino e o lugar da humanidade no cosmos. E, como tantas revoluções científicas, ela pode começar com uma partícula, um choque eletromagnético e uma pergunta que ecoa desde o início da civilização: de onde viemos — e quantos outros mundos podem estar nascendo, agora mesmo, do outro lado da Via Láctea?



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