Mercado automotivo brasileiro vive uma transformação com a chegada de marcas chinesas, levantando dúvidas sobre sua permanência, estratégias e a sustentabilidade das operações estrangeiras no país.
O mercado automotivo brasileiro vive uma fase de grande transformação com a chegada de montadoras chinesas, principalmente no segmento de carros elétricos e híbridos.
Nos últimos meses, o debate sobre a chamada “invasão chinesa” ganhou força, despertando dúvidas sobre a sustentabilidade financeira dessas operações no Brasil e a real possibilidade de falência dessas empresas em curto prazo.
Segundo Sergio Habib, ex-presidente da Citroën Brasil e atual CEO da JAC Motors no país, em vídeo publicado no canal Market Makers no YouTube na última quinta-feira (30), há muito mais nuances e fatores em jogo do que indicam as manchetes.
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Invasão chinesa no Brasil: decisões e efeito manada
Logo no início, Habib chama atenção para o comportamento do setor e como a tomada de decisão em grandes montadoras nem sempre segue apenas a lógica racional.
“Por incrível que pareça, uma montadora que devia ser uma empresa extremamente racional, ela não é uma empresa racional”, relatou o executivo durante sua participação.
Conforme destacou, as decisões são frequentemente guiadas por um efeito manada, fenômeno em que empresas agem mais por pressão competitiva do que por análises objetivas de mercado.
Habib relembrou o movimento de abertura do mercado automotivo brasileiro nos anos 1990, após a liberalização das importações.
Na época, montadoras como Renault, PSA (Peugeot-Citroën), Toyota e Honda decidiram instalar fábricas no Brasil seguindo passos umas das outras.
“A decisão de fazer a fábrica no Brasil foi 90% porque a Renault fez antes”, revelou o CEO, destacando que a lógica predominante não foi a rentabilidade, mas sim a pressão para não ficar de fora de um mercado em expansão.
Desafios de rentabilidade das montadoras no Brasil
Segundo o especialista, muitos desses investimentos não se traduziram em resultados financeiros positivos.
Ele exemplificou com as operações de empresas como PSA e Honda, que, conforme sua análise, nunca obtiveram lucros expressivos no Brasil com modelos específicos.
A Honda, por exemplo, lançou diversas gerações do Civic nacionalmente, mas optou por não produzir a versão mais recente em 2018, mesmo com fábrica e estrutura prontas.
“Minha conclusão é que ela nunca ganhou dinheiro com esse carro”, afirmou Habib.
De acordo com o executivo, o mercado brasileiro apresenta desafios significativos para a rentabilidade das montadoras.
Marcas como Ford já deixaram o país, enquanto a General Motors, apesar de manter participação de mercado, enfrenta dificuldades para lucrar com modelos mais populares, como o Ônix.
Conforme destacou, “se você não vende Ônix, que é o coração do mercado brasileiro, você está fora de mais da metade do mercado”, ressaltando que a rentabilidade dos carros de entrada é um dos principais entraves para as grandes fabricantes.
Montadoras chinesas no Brasil: expansão e excesso de estoque
No contexto atual, a chegada de montadoras chinesas, como BYD, Great Wall Motors, GAC, Omoda e Jaecoo, gerou uma onda de expectativas e especulações sobre uma suposta invasão e domínio do setor.
Habib, porém, pondera que, apesar do grande volume de anúncios e lançamentos, o mercado de carros elétricos e híbridos no Brasil ainda é restrito, especialmente em faixas de preço acima de R$ 150 mil.
“Quem compra carro elétrico em volume no Brasil é abaixo de R$ 150 mil, e é para Uber”, explicou o CEO, apontando que veículos mais caros enfrentam dificuldades para atingir volumes significativos de vendas.
Outro ponto destacado por Sergio Habib é o excesso de estoque dessas novas marcas.
“Hoje a Omoda, esse mês, vai vender 90 carros elétricos. Eles têm mais de mil em estoque, já têm um ano de estoque”, informou, ilustrando como o ritmo de vendas está aquém das expectativas iniciais das empresas.
Situação semelhante ocorre com outras marcas recém-chegadas, como Jaecoo e GAC, que, segundo o executivo, acumulam milhares de veículos sem compradores.
Estratégias, prejuízos e futuro das montadoras chinesas
Questionado sobre a possibilidade de formação de uma bolha ou de abandono em massa do mercado brasileiro pelas montadoras chinesas, Habib explicou que, apesar dos prejuízos, essas empresas tendem a suportar perdas por algum tempo, graças ao porte robusto de suas operações globais.
“Essas montadoras são grandes na China, então elas vão perder dinheiro no Brasil, vão se inconformar a perder dinheiro, porque estão todas perdendo dinheiro”, observou, reforçando que a continuidade dos investimentos depende, sobretudo, da saúde financeira dessas companhias em seus mercados de origem.
O especialista destacou ainda que, enquanto as matrizes chinesas registrarem lucros em seus países de origem, elas conseguem manter operações deficitárias em mercados periféricos como o Brasil.
No entanto, qualquer sinal de aperto financeiro na China pode acelerar a saída dessas marcas do território brasileiro.
“Quando você começa a perder dinheiro no teu país de origem, a coisa muda”, frisou Habib, citando rumores de grandes prejuízos recentes de algumas dessas montadoras na China.
Participação de mercado, adaptações e permanência no Brasil
Ao analisar o cenário atual, Sergio Habib foi categórico ao dizer que não enxerga uma bolha especulativa no mercado de veículos elétricos no Brasil, mas sim uma concorrência acirrada e o chamado “efeito manada” entre as montadoras.
Segundo ele, algumas empresas podem de fato optar por deixar o país nos próximos anos, especialmente se a estratégia de importação direta — com estruturas mais enxutas — mostrar-se mais viável do que manter operações locais robustas.
“Talvez algumas vão embora daqui um ou dois anos”, disse, indicando que, para muitas marcas, o volume de vendas esperado simplesmente não condiz com o tamanho do mercado brasileiro para carros de alto valor.
Habib também enfatizou que a sobrevivência das operações dessas montadoras está condicionada à capacidade de adaptarem seus produtos às demandas locais, principalmente em faixas de preço mais acessíveis e com foco em aplicações como o transporte por aplicativos.
Para ele, atingir 1,5% de participação de mercado já seria motivo de comemoração para as fabricantes chinesas, dada a competitividade do setor e o perfil do consumidor brasileiro.
Para você, leitor, o Brasil assistirá a uma consolidação dessas novas marcas, ou verá uma onda de desistências e readequações nos próximos anos, especialmente diante da complexidade do mercado automotivo nacional? Qual a sua opinião sobre o futuro da presença chinesa no setor automotivo brasileiro?