Isolamento comercial, baixa confiança e escolhas erradas ajudam a explicar por que a produtividade brasileira não sai do lugar há 40 anos
A produtividade brasileira está parada no mesmo degrau há décadas. O diagnóstico não é de agora e tampouco é simples. O gestor Ruy Alves, da Kinea Investimentos, sustenta que o problema é estrutural: crescemos quando o mundo estava desintegrado e perdemos fôlego quando a economia global se integrou. Na leitura dele, sem competição externa, sem regras claras e sem confiança entre agentes, o País passou a acumular fricções que se traduzem em custo, lentidão e salários estagnados.
Esse conjunto de travas não se resolve apenas com soluções de curto prazo. Ruy Alves lembra que, fora do agro, a produtividade brasileira praticamente não andou por cerca de 40 anos. O resultado bate em cadeia: menos investimento, menos vagas de qualidade e um ciclo de desconfiança que afugenta a inovação. Enfrentar o tema exige realismo, estatísticas na mesa e um pacto por integração, meritocracia e micro reformas que funcionem na prática.
O que está travando a produtividade brasileira
A primeira peça do quebra-cabeça é a forma como o Brasil se relacionou com o comércio internacional.
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Segundo Ruy Alves, prosperamos em janelas históricas de desintegração global e ficamos para trás quando a competição apertou.
O País apostou em proteção prolongada, reservas de mercado e barreiras técnicas que reduziram pressão competitiva.
Sem desafio externo, a produtividade brasileira perde estímulos para melhorar processos, adotar tecnologia e buscar eficiência.
Outro ponto é o custo invisível das fricções diárias. Estradas piores, logística cara, burocracia que consome tempo, contencioso tributário gigante e formação deficiente do trabalhador criam um “pedágio” permanente.
Cada atrito somado derruba margem, encarece o produto final e achata o salário real. Na prática, a empresa gasta energia sobrevivendo ao sistema, não competindo pelo mundo.
Confiança baixa, instituições frágeis e crédito caro
Produtividade também depende de confiança. Ruy Alves chama atenção para um dado incômodo: a baixa confiança interpessoal no Brasil.
Sem confiança, não há crédito barato, nem contratos simples e nem crescimento sustentado. O investidor pede mais garantias, o banco sobe juros, o empreendedor adia o projeto.
Esse círculo vicioso inibe risco produtivo e empurra a economia para atividades defensivas.
Instituições previsíveis são outro pilar. Direitos de propriedade claros, segurança jurídica e regulação estável funcionam como “infraestrutura institucional”.
Quando a regra muda no meio do jogo, a produtividade brasileira paga a conta: o capital fica de fora, a inovação espera e a máquina roda abaixo do potencial.
As exceções que funcionaram: agro, multinacionais e aviação
Há ilhas de excelência. Ruy Alves destaca que o agro cresceu cerca de 3% ao ano por três a quatro décadas, ancorado em ciência aplicada e transferência de tecnologia.
O caso Embraer também ilustra um caminho: formação técnica de alto nível, cooperação internacional e foco em nichos globais.
Quando a competição é global e a régua é alta, a produtividade brasileira aparece.
Outro dado citado por Ruy Alves é revelador: empresas com capital estrangeiro que reportam ao Banco Central empregam uma fatia muito pequena da força de trabalho e respondem por uma parte desproporcional do PIB.
Onde há governança, metas e competição internacional, a engrenagem rende mais. A pergunta não é se o Brasil consegue, mas como escalar essas práticas.
Microestruturas que fazem diferença no dia a dia
Produtividade não se resolve apenas com pacote macro. Ruy Alves reforça a tese das “microestruturas” eficientes: desenho de incentivos simples, agências técnicas autônomas, processos digitais que cortam etapas, prazos críveis e avaliações periódicas.
Pequenas correções de rota, somadas, destravam horas de trabalho por dia e multiplicam resultados por ano.
No chão da fábrica e do escritório, isso significa padronizar rotinas, medir desempenho, treinar continuamente e integrar tecnologia que reduz retrabalho.
Quando a empresa enxerga o gargalo e o remove, a produtividade brasileira sobe onde realmente importa: na tarefa, no turno, no trimestre.
Educação, mérito e concorrência: o tripé da virada
A transformação exige três vetores. O primeiro é educação aplicada, com alfabetização plena, matemática funcional e ensino técnico conectado à demanda real.
Sem base sólida, produtividade brasileira vira promessa, não entrega. O segundo é meritocracia, com concursos, metas e promoções que premiem resultado, tanto no setor público quanto no privado.
O terceiro é concorrência, via abertura gradual, acordos bem desenhados e redução de barreiras que troquem proteção por produtividade.
Ruy Alves insiste que exportar é competir no “campeonato mundial” todos os dias.
Quem vende para fora precisa ser bom de verdade, porque o cliente global não perdoa atraso, defeito ou preço fora do mercado. É essa pressão que puxa processos, qualidade e gestão para cima.
Quanto custa ignorar o problema
Ignorar a produtividade brasileira cobra juros altos. Menos vagas formais de qualidade, salários estagnados, fuga de talentos, investimento tímido e uma economia que cresce pouco mesmo em ciclos favoráveis.
É um custo invisível no curto prazo, mas devastador no longo. A cada ano de atraso, a distância para os pares aumenta.
Na outra mão, o ganho composto de produtividade é poderoso. Meio ponto percentual a mais por ano, por uma década, muda salário médio, reduz desigualdade e cria espaço fiscal sem aumentar imposto.
É o tipo de transformação silenciosa que aparece no contracheque e na competitividade do bairro, da cidade e do País.
O que fazer agora, de forma prática
Pistas objetivas alinhadas à visão de Ruy Alves
1. Remover atritos micro: licenças e registros com prazos e silêncio positivo, guias únicos de tributos, balcão digital integrado.
2. Amarrar metas a incentivos: contratos de gestão, bônus por entrega, auditoria independente.
3. Abrir com critério: cronograma de redução de barreiras com salvaguardas, exigindo contrapartidas de produtividade e qualificação.
4. Capacitar para demanda real: trilhas técnicas regionais, certificações rápidas e atualização contínua no trabalho.
5. Medir e publicar: indicadores de acesso, prazo, custo e qualidade por órgão e por setor, com ranking público trimestral.
Frases fortes funcionam porque são verdadeiras: “produtividade é salário do futuro” e “confiança é infraestrutura”. Sem as duas, não há atalho.
A produtividade brasileira não vai decolar por decreto. Ela aparece quando abrimos a janela para competir, simplificamos o que emperra, treinamos melhor e medimos todo dia.
Ruy Alves, gestor da Kinea Investimentos, alerta que já sabemos onde funciona: no agro, em multinacionais que operam sob disciplina global e em setores que foram forçados a competir. O desafio é espalhar essas práticas para o resto da economia, sem autoengano.
E você, que vive isso na pele, o que trava mais a sua produtividade hoje: burocracia, logística, impostos, falta de gente qualificada ou regras que mudam no meio do jogo. Que mudança específica no seu setor liberaria mais resultado nos próximos 12 meses. Você concorda com a leitura de Ruy Alves sobre confiança e competição. Deixe seu relato nos comentários com um exemplo concreto do seu dia a dia. É desse chão de fábrica que saem as reformas que realmente ficam.