Proibida pelo Supremo Tribunal por crueldade animal, a vaquejada foi legalizada por uma emenda constitucional em uma manobra que redefiniu os limites entre os poderes e a proteção da cultura no Brasil.
A vaquejada, prática tradicional do Nordeste brasileiro, esteve no centro de um dos mais notórios conflitos institucionais da história recente do país. Em 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) a considerou inconstitucional, acatando o argumento de que a atividade impunha crueldade aos animais, algo vedado pela Constituição. A decisão, no entanto, não encerrou o debate; pelo contrário, acendeu uma forte reação política que culminou em uma alteração direta na Carta Magna.
Em uma resposta direta e audaciosa, o Congresso Nacional, impulsionado por uma poderosa frente de parlamentares ruralistas, não apenas contestou, mas reverteu a decisão da mais alta corte do país. A manobra, realizada por meio de uma Emenda Constitucional, legalizou a prática e solidificou um embate que transcende o bem-estar animal, tocando em questões fundamentais sobre a separação de poderes, a identidade cultural e a força econômica de tradições rurais que movimentam milhões de reais anualmente.
A proibição pelo Supremo Tribunal
O ponto de partida do conflito foi o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.983, em outubro de 2016.
-
Guardar prints de transações via Pix pode salvar você na Justiça: especialista revela por que provas digitais decidem casos judiciais
-
Grupo de amigos perde bilhete premiado, refaz aposta com os mesmos números e ganha na loteria duas vezes — faturando R$ 173 milhões no interior do Espírito Santo
-
O silêncio custa caro: arquiteta recebe R$ 10 mil, bloqueia contatos e desaparece das redes, devolvendo o valor apenas sob ameaça policial
-
Depois do dinheiro aparecer na conta, mulher gasta Pix, dá desculpas evasivas e é condenada a pagar quase o triplo do valor em multa e restituição
A ação, movida pela Procuradoria-Geral da República, questionava a validade de uma lei do estado do Ceará que regulamentava a vaquejada como prática desportiva e cultural.
O argumento central era que a atividade violava o Artigo 225 da Constituição Federal, que determina o dever do Estado de proteger a fauna e a flora, vedando práticas que submetam os animais à crueldade.
Em uma decisão extremamente dividida, com um placar de 6 a 5, o STF declarou a lei cearense inconstitucional.
O entendimento da maioria foi que o sofrimento imposto aos bois, que são puxados pelo rabo até serem derrubados, era inerente à prática e, portanto, configurava a crueldade proibida pela Constituição.
Para os ministros que votaram pela proibição, o dever de proteção ao meio ambiente e à fauna deveria se sobrepor à manifestação cultural quando esta envolvesse um tratamento cruel aos animais.
A decisão gerou protestos imediatos em várias capitais, com vaqueiros e apoiadores defendendo a prática como um pilar de sua identidade e sustento.
A resposta do Congresso e a emenda constitucional
A decisão do STF foi recebida como uma afronta por setores do Congresso Nacional, que viram na medida uma interferência do Judiciário em questões culturais e econômicas.
A reação foi imediata e calculada.
Primeiro, em novembro de 2016, o Congresso aprovou uma lei que elevou a vaquejada e o rodeio à condição de patrimônio cultural imaterial do Brasil.
No entanto, essa lei ordinária era juridicamente frágil, pois não poderia se sobrepor a uma interpretação da Constituição feita pelo STF.
A cartada final e mais contundente veio em junho de 2017, com a promulgação da Emenda Constitucional 96.
Em vez de criar uma nova lei, o Congresso alterou o próprio texto da Constituição, uma ferramenta legislativa de poder máximo.
Foi adicionado um parágrafo ao mesmo Artigo 225, estabelecendo que não são consideradas cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais registradas como patrimônio nacional e regulamentadas por lei para assegurar o bem-estar dos animais.
A manobra foi desenhada para anular o fundamento da decisão do STF, criando uma exceção constitucional para a regra da crueldade.
A validação final e o novo cenário legal
Com a Constituição alterada, a legalidade da vaquejada foi novamente levada ao STF, desta vez sob uma nova perspectiva.
A questão já não era se a prática era cruel, mas se o Congresso tinha o poder de fazer tal alteração na Constituição para reverter uma decisão da corte, especialmente em um tema ligado a um direito fundamental como o meio ambiente.
Em um julgamento concluído em 2023, o Supremo, por uma maioria de 8 a 3, validou a Emenda Constitucional 96, encerrando a disputa legal.
A maioria dos ministros entendeu que o Congresso agiu dentro de suas prerrogativas como Poder Constituinte Derivado, que é a capacidade de alterar a Constituição.
Segundo a nova interpretação, a emenda não aboliu a proteção aos animais, mas a equilibrou com a proteção à cultura, desde que o bem-estar animal fosse assegurado por meio de regulamentação específica.
Essa decisão final representou uma vitória política para os defensores da vaquejada e consolidou a prática como legal no país, transferindo o foco do debate do “se pode” para o “como se deve” fiscalizar as condições dos animais.
A saga da vaquejada no Brasil é um exemplo marcante da complexa relação entre os poderes da República e reflete uma profunda divisão cultural.
A disputa entre o STF e o Congresso não apenas redefiniu o status legal da prática, mas também estabeleceu um precedente poderoso sobre como conflitos entre valores constitucionais, como a proteção ambiental e a cultural, podem ser resolvidos.
A legalização via emenda demonstrou a força do Legislativo em pautar e até reverter decisões judiciais sobre temas sensíveis.
A vaquejada é uma parte essencial da cultura regional ou uma prática cruel que deveria ser abolida? Você acredita que o Congresso agiu corretamente ao reverter a decisão do STF? Deixe sua opinião nos comentários — queremos saber como você enxerga esse complexo debate.