A história da privatização da Malha Paulista, vendida em 1998, é a crônica de como um ativo estatal em crise se tornou o corredor de exportação mais vital para o agronegócio brasileiro nas mãos da iniciativa privada.
A privatização da Malha Paulista, a antiga rede da Ferrovia Paulista S.A. (FEPASA), em novembro de 1998, foi um dos capítulos mais importantes e controversos do programa de desestatização do Brasil. A venda, que marcou o fim de uma era para o transporte ferroviário em São Paulo, deu origem a um corredor logístico focado no agronegócio, hoje operado pela gigante Rumo.
A trajetória da malha é marcada por uma profunda transformação: de um sistema estatal em crise a um pilar da economia de exportação do país. No entanto, esse sucesso foi construído sobre uma base de demissões em massa, o fim do transporte de passageiros e um legado de disputas sobre a gestão do patrimônio público.
O cenário da venda da Malha Paulista: a crise da Fepasa e a federalização em 1998
A FEPASA, criada em 1971 para unificar as ferrovias do estado de São Paulo, enfrentava uma grave crise nos anos 90. Com uma infraestrutura envelhecida e sem capacidade de investimento, a empresa se tornou um fardo para o governo paulista.
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A solução foi uma complexa manobra financeira. Em janeiro de 1998, a FEPASA foi transferida para o controle da União como parte do pagamento da dívida do banco Banespa. Ao ser incorporada pela Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), a malha foi rebatizada de “Malha Paulista” e entrou oficialmente no cronograma do Programa Nacional de Desestatização.
O leilão de 10 de novembro de 1998 e a nova dona, a Ferroban
O leilão para a concessão de 30 anos da Malha Paulista foi realizado em 10 de novembro de 1998, na Bolsa de Valores de São Paulo. O vencedor foi o Consórcio Ferrovias, que criou a empresa Ferrovias Bandeirantes S.A. (Ferroban) para operar a malha.
O valor do arremate foi de R$ 245 milhões, com um ágio de apenas 5% sobre o preço mínimo. O consórcio vencedor era uma coalizão de gigantes, liderada pela então estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e com a participação de fundos de pensão, sinalizando o forte interesse do setor de commodities no corredor.
Os primeiros anos e as controvérsias: o fim dos trens de passageiros e as acusações de desmonte
A nova gestão privada, focada na lucratividade do transporte de cargas, rapidamente reestruturou a operação. Uma das consequências mais sentidas pela população foi a extinção do transporte de passageiros. A data de 15 de março de 2001, quando o trem que ligava Itirapina a São José do Rio Preto fez sua última viagem, ficou marcada como o fim de uma era para o interior paulista.
Os primeiros anos também foram marcados por graves acusações. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa de São Paulo, em 2010, concluiu que a então operadora estava promovendo o “sucateamento total da Malha Paulista”, vendendo trilhos e vagões como sucata.
A consolidação sob a Rumo e a renovação bilionária de 2020
Após uma série de fusões e aquisições, o controle da Malha Paulista foi consolidado em 2015 pela Rumo Logística, braço logístico do grupo Cosan. Sob a nova gestão, a ferrovia recebeu investimentos pesados e se tornou o corredor de exportação mais eficiente do país.
O futuro da malha foi garantido em 27 de maio de 2020, quando a Rumo assinou a renovação antecipada de sua concessão por mais 30 anos, até 2058. Em troca, a empresa se comprometeu a investir mais de R$ 6 bilhões para mais do que dobrar a capacidade da ferrovia, de 35 milhões para 75 milhões de toneladas por ano.
O legado da privatização: um corredor eficiente para o agro, com um passado conturbado
A história da privatização da Malha Paulista é um caso de sucesso e controvérsia. Por um lado, ela criou um corredor logístico de alta performance, vital para a competitividade do agronegócio brasileiro.
Por outro, seu legado inclui o fim de um serviço público essencial para muitas comunidades e um histórico de disputas sobre a gestão do patrimônio. A trajetória da malha é uma lição sobre a complexa relação entre eficiência privada e interesse público na infraestrutura do Brasil.