A Venezuela tem mais petróleo que a Arábia Saudita, mas produz 12x menos. Entenda por que o Cinturão do Orinoco, maior reserva mundial, está parado — e o que isso revela sobre o futuro da energia na América Latina.
No coração da América Latina existe uma região com mais petróleo que toda a Arábia Saudita. Trata-se do Cinturão Petrolífero do Orinoco, no leste da Venezuela — uma faixa de terra com mais de 55 mil km² de extensão, onde repousam 300 bilhões de barris de petróleo comprovadamente recuperáveis. Isso é mais do que os 267 bilhões da Arábia Saudita, segundo dados da Opep e da Energy Information Administration dos EUA. O Orinoco é, oficialmente, a maior reserva de petróleo do planeta. No entanto, essa riqueza subterrânea convive com um paradoxo: a Venezuela, mesmo sentada sobre esse tesouro energético, produz atualmente apenas 770 mil barris por dia. Um número ínfimo quando comparado aos 12 milhões de barris/dia dos EUA, 10 milhões da Arábia Saudita ou até mesmo aos 3,6 milhões de barris diários do Brasil.
A origem de uma potência energética adormecida
A história do Cinturão Petrolífero do Orinoco começa oficialmente em 1936, quando a empresa americana Standard Oil of New Jersey perfurou o primeiro poço na região: o famoso “La Canoa-1”, no estado de Anzoátegui. De lá para cá, ficou claro que aquele solo avermelhado do leste venezuelano escondia algo que o mundo inteiro desejava: petróleo — em quantidades nunca vistas.
Mas não é um petróleo qualquer. O que se extrai do Orinoco é um óleo extrapesado, denso, viscoso e difícil de processar. Isso exige refino complexo, mistura com diluentes, transporte especial e infraestrutura cara.
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Ainda assim, o país viveu décadas de bonança com essa riqueza. Durante os anos 1990 e início dos 2000, a Venezuela chegou a produzir mais de 3 milhões de barris por dia, sendo uma das líderes da Opep.
Como o país com mais petróleo do mundo caiu para o 21º lugar em produção?
A queda da produção venezuelana tem múltiplas causas. Em primeiro lugar, os anos de negligência técnica com a estatal PDVSA e falta de manutenção em refinarias e oleodutos criaram gargalos logísticos severos.
Em segundo, a fuga de engenheiros e técnicos qualificados devido à crise econômica e insegurança. E, por fim, as sanções internacionais, especialmente dos Estados Unidos, isolaram o país do comércio global de petróleo.
Mesmo com as maiores reservas do planeta, a Venezuela hoje está atrás da Colômbia em volume de produção. Em 2024, segundo dados da Opep, o país sul-americano figura como o 21º maior produtor de petróleo do mundo, um número que contrasta drasticamente com sua posição nos rankings de reservas.
O petróleo ainda é um ativo estratégico?
Apesar da transição energética em curso, o petróleo ainda é fundamental para a economia mundial. Em 2023, o mundo consumiu mais de 100 milhões de barris por dia — e a expectativa é que essa demanda só comece a cair de forma significativa a partir da década de 2030.
Nesse cenário, a América Latina ressurge como um polo de interesse energético global. A Venezuela, com seu vasto Cinturão do Orinoco, representa um trunfo estratégico — mas também uma oportunidade perdida.
Outros países da região vivem momentos bem distintos:
- A Guiana, vizinha da Venezuela, viu seu PIB crescer mais de 33% em 2023 graças à exploração de petróleo offshore iniciada em 2015, em parceria com a ExxonMobil.
- O Brasil subiu para a 8ª posição no ranking de produtores, com forte crescimento da produção no pré-sal.
- O México mantém presença sólida no mercado, ocupando a 11ª posição global.
Por que o Orinoco ainda atrai atenção global?
Apesar de décadas de crise, o Cinturão Petrolífero do Orinoco ainda é cobiçado por multinacionais e governos estrangeiros. Sua importância geoestratégica está em três pilares:
- Volume imbatível de reservas: mais petróleo comprovado do que qualquer outro país.
- Proximidade geográfica dos EUA e Caribe, reduzindo custos logísticos.
- Potencial de recuperação rápida, caso o ambiente político e regulatório se estabilize.
Em outubro de 2023, os EUA suspenderam temporariamente as sanções ao petróleo venezuelano por seis meses, abrindo uma janela para empresas internacionais retomarem operações no país. Algumas voltaram com planos modestos. Outras pediram licenças individuais para contornar o bloqueio, mostrando que, mesmo em meio ao caos, o petróleo da Venezuela continua relevante.
A Venezuela pode voltar ao jogo?
A resposta depende de três fatores:
- Investimento estrangeiro: A PDVSA sozinha não tem capital nem capacidade técnica para modernizar o parque de refino, oleodutos e plataformas. Parcerias com multinacionais são vitais.
- Estabilidade política e jurídica: Nenhuma empresa investe bilhões em um país sem garantias contratuais, segurança jurídica e previsibilidade regulatória.
- Inovação tecnológica: Extrair e refinar petróleo extrapesado exige tecnologia de ponta, como injeção de vapor, craqueamento avançado e captura de carbono.
O potencial está ali, debaixo da terra. O que falta é destravar o acesso.
Com Brasil, Guiana, Argentina, México e até mesmo o Suriname avançando em novas descobertas, a América Latina parece viver uma nova corrida do ouro negro. Mas essa corrida tem prazo: a transição energética global já começou e promete reduzir a dependência do petróleo nos próximos 20 a 30 anos.
Por isso, o tempo é curto. Se países como a Venezuela não aproveitarem essa última onda de alta nos preços e demanda, correm o risco de verem suas reservas se tornarem ativos encalhados — valiosos apenas no papel.
O Cinturão Petrolífero do Orinoco representa um paradoxo brutal: a maior reserva de petróleo do planeta embaixo do solo de um país que quase não consegue produzi-lo. Se bem aproveitado, o petróleo venezuelano ainda pode ser uma força de recuperação nacional e um novo motor energético para a América Latina.
Mas para isso, o país terá que enfrentar seus próprios fantasmas: corrupção, ineficiência, isolamento e instabilidade. O tempo está correndo — e o petróleo, embora ainda valioso, pode deixar de ser o protagonista em breve.