Desenvolvida pela CRCC, a CCPG500A é uma máquina colossal que coloca até dois quilômetros de trilhos por dia, automatizando o processo de construção ferroviária e tornando a China líder mundial em trens de alta velocidade.
A China ergueu, em menos de duas décadas, a maior rede de trens de alta velocidade do planeta — são mais de 48 mil quilômetros de linhas ativas e uma meta de 60 mil até 2030.
No coração dessa revolução está um equipamento monumental: a CCPG500A Track-Laying Machine Set, uma espécie de linha de montagem ferroviária móvel que assenta trilhos longos com precisão milimétrica.
Fabricada pelo grupo CRRC/CRCC, a máquina se tornou símbolo do poder industrial chinês e hoje é exportada para megaprojetos na Ásia, Europa e África.
Origem e desenvolvimento
A família de máquinas CPG500 surgiu oficialmente em 2013, desenvolvida pela CRRC Zhuzhou Locomotive Co., Ltd., para atender à crescente demanda por implantação de linhas de alta velocidade.
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Seu princípio era simples, mas revolucionário: integrar transporte, posicionamento e fixação de dormentes e trilhos longos em um único conjunto automotriz.
Em 2016, a CRRC publicou uma ficha técnica com os parâmetros do modelo base. Pouco depois, a China Railway Signal & Industrial Co. (CRSIC) apresentou uma nova versão, batizada CCPG500A, incorporando sistemas de controle mais precisos e método de assentamento contínuo.
O equipamento foi criado especificamente para trilhos longos soldados (LWR/CWR), eliminando emendas frequentes e acelerando a construção de vias férreas de alta velocidade.
Método construtivo: “single-sleeper continuous”
A CCPG500A emprega o método “single-sleeper continuous” — um processo contínuo que lança dormente a dormente sobre o lastro previamente estabilizado.
Logo em seguida, os trilhos longos de 500 metros são posicionados, alinhados e fixados automaticamente.
O sistema combina sensores de nivelamento a laser, controle eletrônico sincronizado e acionamento hidráulico de alta precisão, assegurando alinhamento geométrico ideal já na primeira passada.
Esse método substitui as antigas operações manuais, em que as equipes dispunham dormentes e trilhos de forma segmentada.
O resultado é uma obra mais rápida, precisa e uniforme, reduzindo o desgaste de componentes e o tempo de socaria posterior.
Arquitetura e componentes principais
O conjunto CCPG500A é formado por vários módulos interligados que funcionam como uma linha de produção sobre trilhos:
- Trator de esteiras (crawler rail tractor) – locomotiva de tração hidráulica que movimenta o conjunto;
- Carro principal (main operation car) – centro de comando com sistemas de potência e controle;
- Auxiliary power car – unidade de apoio elétrico e hidráulico;
- Trem de transporte – vagões de suprimento que levam dormentes e trilhos longos de 500 m até a frente de trabalho;
- Pórticos de içamento – guindastes sobre trilhos que transferem dormentes e barras de aço até o ponto de assentamento.
O layout modular permite operação contínua, sem pausas para troca de equipamento ou reposição manual.
Cada componente executa uma função específica dentro do fluxo produtivo — como se fosse uma fábrica móvel avançando pelo leito ferroviário.
Desempenho técnico e parâmetros operacionais
A ficha oficial da CRRC (2016) lista dados que ajudam a dimensionar o poder do equipamento:
- Potência total: 383 kW
- Peso operacional: 1.060 toneladas
- Carga rebocável: 2.500 toneladas (em rampa de 12‰)
- Velocidade de trabalho: 0 a 0,6 km/h
- Produtividade: 12 a 16 dormentes por minuto
- Raio mínimo operacional: 250 m
- Raio mínimo de curva negociável: 145 m
Esses valores explicam como a CCPG500A consegue instalar 1,5 a 2,0 quilômetros de via por dia, ritmo confirmado em obras recentes na Malásia e na Indonésia.
O rendimento, no entanto, depende da logística de suprimento e das condições do terreno — a máquina opera com máxima eficiência em seções longas, retas e com lastro nivelado.
Pré-requisitos e aplicação em trilhos longos
Projetada para trilhos soldados contínuos (CWR), a CCPG500A foi otimizada para barras de 500 metros, contra 25 a 300 metros dos métodos convencionais.
Essa configuração reduz emendas, minimiza o risco de desalinhamento térmico e aumenta a durabilidade da via.
O equipamento também é compatível com trilhos de 60 kg/m, padrão das linhas de alta velocidade, podendo operar tanto em lastro granulado quanto em laje de concreto (slab track), desde que o leito esteja preparado e estabilizado.
Onde está em operação
A CCPG500A é utilizada em grandes projetos dentro e fora da China, consolidando a exportação de tecnologia ferroviária como instrumento da Belt and Road Initiative.
🇲🇾 Malásia — East Coast Rail Link (ECRL)
Em dezembro de 2023, a Malásia iniciou o assentamento de trilhos do ECRL usando uma CCPG500A fabricada pela CRSIC.
O equipamento foi montado na região de Kuantan, no leste do país, e é responsável por instalar 1,5 a 2,0 km de trilhos por dia, segundo a operadora Malaysia Rail Link e a agência estatal Xinhua.
Em março de 2024, o primeiro trecho de 92 km foi concluído um mês antes do previsto — o que a própria concessionária atribuiu ao uso do sistema chinês.
🇮🇩 Indonésia — Jakarta–Bandung High-Speed Railway
Na Indonésia, a CPG500 foi empregada na ferrovia Jakarta–Bandung, o primeiro trem de alta velocidade do Sudeste Asiático.
O modelo lançou trilhos longos de 500 m e dormentes de 360 kg, operando com média de 1,5 km por dia e precisão milimétrica.
O projeto, inaugurado em 2023, foi construído por um consórcio sino-indonésio liderado pela CRRC.
🇱🇦 China–Laos Railway
Na ferrovia China–Laos, inaugurada em 2021, a máquina foi usada na seção Yuxi–Mohan/Vientiane, garantindo o cronograma de uma das obras mais complexas do corredor ferroviário pan-asiático.
O sistema de assentamento contínuo reduziu em cerca de 30% o tempo total de implantação dos trilhos, segundo relatórios da Xinhua e da China Railway Engineering.
🇷🇸 Hungria–Sérvia Railway
Na Europa, a CCPG500 está em uso no projeto Hungria–Sérvia Railway, responsável por modernizar o principal corredor ferroviário dos Bálcãs.
A máquina opera na seção Novi Sad–Belgrado, lançando trilhos longos e dormentes simultaneamente, num processo semelhante ao usado nas linhas Zhengzhou–Wanzhou e Fuzhou–Xiamen dentro da China.
Casos e testes adicionais
Além das operações comerciais, o documento técnico da CRSIC cita seções de teste de 500 metros com a CCPG500A em um empreendimento identificado como Maeast Railway, projetadas para aferir a precisão e o ritmo de assentamento antes da fase principal.
Essas seções são práticas-padrão em megaprojetos ferroviários: servem para calibrar sensores, treinar operadores e ajustar a logística de suprimento de trilhos longos.
Importância estratégica e impacto global
A CCPG500A representa o auge da engenharia ferroviária chinesa: uma fusão entre automação industrial, mecânica pesada e precisão eletrônica.
Ao exportar esse equipamento, a China não vende apenas uma máquina, mas um sistema completo de construção de ferrovias, que inclui know-how, software de controle, manutenção e treinamento.
Essa capacidade transformou o país no principal fornecedor de infraestrutura ferroviária do planeta — responsável por projetos em mais de 100 países, segundo o Ministério dos Transportes chinês.
A CRCC e suas subsidiárias (como CRRC, CREC e CRSIC) usam a CCPG500A como vitrine de sua eficiência técnica e da promessa expressa em seus banners:
“Conectar o mundo é a contribuição de valor da CRCC.”
Limites e cuidados operacionais
Apesar da impressionante capacidade, a CCPG500A exige planejamento logístico rigoroso.
Seu desempenho máximo depende da disponibilidade de dormentes e trilhos longos próximos à frente de obra, além de condições climáticas e de terreno estáveis.
Trechos montanhosos ou com curvas muito fechadas (abaixo de 250 m de raio) reduzem o ritmo de instalação.
Ainda assim, mesmo operando em cenários complexos, a máquina mantém níveis de produtividade superiores a qualquer método convencional.
O futuro das máquinas de assentamento ferroviário
Com a expansão prevista da rede de alta velocidade chinesa para 60 mil km até 2030, a CCPG500A e suas sucessoras — como os modelos CCPG600 e CPG700, em desenvolvimento — devem desempenhar papel central nas próximas fases de modernização.
Fora da China, a máquina está associada a novas parcerias estratégicas na África e no Oriente Médio, incluindo projetos no Egito e na Nigéria, reforçando o papel da CRCC como protagonista global da infraestrutura.
A CCPG500A não é apenas uma máquina de obras: é um símbolo da era industrial chinesa de segunda geração, onde engenharia, automação e diplomacia econômica se misturam.
A cada quilômetro de trilho lançado por ela — seja no Tibete, em Kuantan ou nos Bálcãs —, a China avança mais um passo em direção à sua meta declarada: conectar o mundo por ferrovia.