O “Ônibus Mágico”, onde Christopher McCandless viveu seus últimos dias no Alasca, virou ponto turístico mortal e vitimou aventureiros que buscaram reviver a mesma jornada.
Poucas histórias modernas misturam aventura, idealismo e tragédia como a de Christopher McCandless, o jovem americano que decidiu abandonar uma vida de privilégios para se lançar na natureza selvagem. Seu fim, em 1992, no famoso ônibus Fairbanks 142, apelidado de “Ônibus Mágico”, se transformou em mito cultural após o livro Na Natureza Selvagem (1996) de Jon Krakauer e o filme homônimo dirigido por Sean Penn em 2007.
Entretanto, o veículo que serviu de abrigo e túmulo para McCandless tornou-se também um símbolo de maldição. Localizado em uma região remota e traiçoeira do Alasca, o ônibus atraiu viajantes de todo o mundo, mas muitos deles encontraram o mesmo destino fatal. A cada tentativa de reviver a experiência de McCandless, mais histórias de tragédia se acumulam.
O espírito livre de Christopher McCandless
Christopher Johnson McCandless nasceu em 1968, cresceu na Virgínia e demonstrava desde cedo uma inquietação fora do comum. Brilhante nos estudos, formou-se em história e antropologia na Universidade de Emory em 1990, ele decidiu rejeitar a vida convencional. Doou suas economias de mais de US$ 24 mil para a Oxfam, queimou parte do dinheiro que ainda tinha e iniciou uma vida nômade sob o pseudônimo “Alexander Supertramp”.
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Inspirado por escritores como Jack London, Tolstói e Thoreau, McCandless acreditava que a verdadeira liberdade só poderia ser encontrada em contato direto com a natureza. Depois de atravessar os Estados Unidos de carona, trabalhar em fazendas e explorar rios perigosos, seu destino final seria o Alasca — uma das regiões mais hostis do planeta para alguém sem preparação técnica.
O encontro com o ônibus mágico
Em abril de 1992, levado por um eletricista local chamado Jim Gallien até o início da trilha Stampede Trail, McCandless entrou sozinho no deserto gelado. Com uma mochila leve, poucos suprimentos e apenas 4,5 kg de arroz, percorreu cerca de 30 km até encontrar o Fairbanks City Transit System Bus 142, um veículo abandonado desde a década de 1960 por trabalhadores de construção.
Ali, McCandless acreditava ter encontrado seu refúgio. Instalou-se no ônibus e começou a registrar sua experiência em diários e fotografias. Sobreviveu por mais de 100 dias caçando pequenos animais e colhendo plantas, mas o isolamento e o rigor do clima se tornaram fatais.
Em agosto de 1992, enfraquecido, com apenas 30 kg, deixou seu último registro: “Tive uma vida feliz e agradeço ao Senhor. Adeus e que Deus abençoe a todos.” Pouco depois, foi encontrado morto por caçadores. A causa oficial: inanição.
O fascínio global e a rota da morte
A morte de McCandless não encerrou sua jornada. Pelo contrário: sua história virou mito. O ônibus passou a ser chamado de “Ônibus Mágico” e atraiu milhares de aventureiros em peregrinação. Admiradores buscavam recriar a experiência do jovem e muitos viam no trajeto até o veículo uma forma de autodescoberta.
O problema é que chegar até ele significava enfrentar os mesmos perigos: terreno pantanoso, clima imprevisível e, principalmente, o rio Teklanika, cuja correnteza aumenta perigosamente no verão com o degelo. Foi esse obstáculo que selou o destino de McCandless, impedindo seu retorno, e que também vitimou inúmeros turistas.
Tragédias no caminho para o ônibus 142
O primeiro grande alerta ocorreu em 2010, quando a alpinista suíça Claire Ackermann morreu tentando atravessar o rio Teklanika para chegar ao ônibus. O episódio expôs ao mundo que a trilha não era apenas uma aventura, mas um risco real de vida.
Nove anos depois, em julho de 2019, a tragédia se repetiu. A bielorrussa Veramika Maikamav, de apenas 24 anos, recém-casada, foi arrastada pelas águas do Teklanika diante do marido. O casal havia viajado ao Alasca justamente para viver a experiência narrada no livro e no filme. O desfecho foi tão devastador quanto o de McCandless.
Segundo registros oficiais, mais de 15 operações de resgate tiveram que ser realizadas nos últimos anos para salvar turistas presos ou feridos no percurso até o ônibus. Algumas escaparam por pouco, mas outras jamais retornaram.
A remoção do ônibus: fim da maldição?
Diante da escalada de acidentes, as autoridades decidiram agir. Em 18 de junho de 2020, a Guarda Nacional do Alasca removeu o ônibus 142 de seu local original usando um helicóptero CH-47 Chinook. O objetivo era simples: preservar vidas e impedir que novas tragédias acontecessem.
Atualmente, o veículo está sob os cuidados da Universidade do Alasca em Fairbanks, no Museum of the North, onde será restaurado e exibido com segurança. Ainda assim, para muitos aventureiros, a verdadeira mística do ônibus estava em seu isolamento no coração do Alasca, e não em sua preservação em um museu.
A polêmica em torno de McCandless e seu legado
Desde a publicação de Na Natureza Selvagem, a figura de McCandless divide opiniões. Para alguns, ele é um símbolo de coragem e autenticidade, alguém que buscava sentido em uma vida sem materialismos. Para outros, especialmente muitos alasquianos, foi apenas um jovem inconsequente, despreparado e arrogante.
O fato é que, consciente ou não, ele inspirou uma legião de admiradores e transformou um ônibus abandonado em um santuário moderno. A chamada “maldição do ônibus” não está apenas nas mortes que provocou, mas no paradoxo entre sonho e perigo: buscar a liberdade em um dos ambientes mais hostis do planeta.
O ônibus de Chris McCandless se tornou mais do que um abrigo abandonado: virou mito, armadilha mortal e palco de histórias que misturam idealismo e tragédia. A decisão de removê-lo em 2020 foi uma forma de quebrar o ciclo de mortes, mas a simbologia permanece.
No fim, a jornada de McCandless e daqueles que tentaram repetir sua travessia mostra que a natureza, bela e selvagem, não perdoa ingenuidade. Sua história segue viva, entre livros, filmes e debates, mas sua maior lição talvez seja esta: a busca pela liberdade exige não apenas coragem, mas também preparação e respeito pelos limites da vida selvagem.