A apenas 350 km do litoral do Brasil, as Ilhas do Salut formam o território estrangeiro mais próximo do país e guardam um passado sombrio: entre 1852 e 1953 funcionaram como prisão brutal do império francês
Poucos brasileiros sabem, mas existe um pedaço da Europa a menos de 400 quilômetros da costa do Brasil. Em pleno Atlântico tropical, ao norte do país, um pequeno arquipélago guarda ruínas de prisões lendárias, histórias de fuga, tragédias coloniais e belezas naturais quase intocadas.
São as Ilhas do Salut — conhecidas em francês como Îles du Salut — um conjunto de três pequenas ilhas vulcânicas que pertencem à França e que formam o território estrangeiro mais próximo do território brasileiro.
Um pedaço da França na América do Sul
As Ilhas do Salut estão localizadas a cerca de 350 quilômetros da foz do rio Oiapoque, no Amapá, e aproximadamente 14 quilômetros da costa da Guiana Francesa, território ultramarino francês na América do Sul.
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Por pertencerem administrativamente à comuna de Kourou, a mesma onde está o famoso Centro Espacial Guianês, elas fazem parte integral do território francês — o que significa que, tecnicamente, quem pisa lá está em solo europeu.
O arquipélago é composto por três ilhas principais:
- Île Royale – a maior e mais visitada, com infraestrutura turística e trilhas naturais.
- Île Saint-Joseph – conhecida por abrigar celas de isolamento para prisioneiros considerados perigosos.
- Île du Diable (Ilha do Diabo) – a mais temida, envolta em lendas e palco de histórias marcantes de exílio e fuga.
Apesar do nome “Ilhas da Salvação”, sua história foi tudo menos acolhedora. Durante mais de um século, elas funcionaram como um dos complexos prisionais mais temidos do mundo.
O inferno tropical do império francês
As Ilhas do Salut começaram a ser usadas como colônia penal em 1852, por ordem do imperador Napoleão III, que buscava um local remoto para enviar condenados da França.
A ideia era duplamente estratégica: afastar criminosos e opositores políticos do continente e, ao mesmo tempo, consolidar a presença francesa na América do Sul.
O isolamento natural, o clima hostil e a forte corrente marítima tornavam o arquipélago praticamente inescapável. Para os condenados, era uma sentença de morte em vida.
Estima-se que mais de 50 mil prisioneiros tenham passado por lá até o fechamento do presídio em 1953. Muitos não resistiram às doenças tropicais, ao calor sufocante, aos maus-tratos e à fome.
Entre os episódios mais marcantes está o caso do capitão Alfred Dreyfus, oficial judeu injustamente acusado de traição e enviado à Ilha do Diabo em 1895.
Sua condenação gerou um dos maiores escândalos judiciais da história francesa, o chamado Caso Dreyfus, que dividiu a opinião pública e expôs o antissemitismo presente nas instituições do país.
Outro episódio lendário envolve Henri Charrière, o prisioneiro que alegou ter fugido das Ilhas do Salut e cuja história inspirou o famoso livro e filme “Papillon”.
Embora haja controvérsias sobre a veracidade de seu relato, a obra imortalizou a fama sinistra do arquipélago.
Entre ruínas e natureza exuberante
Hoje, as Ilhas do Salut deixaram para trás a imagem de prisão infernal e se tornaram um dos destinos turísticos mais curiosos e históricos da América do Sul.
As celas e muros tomados pela vegetação ainda podem ser visitados, permitindo aos viajantes caminhar pelos mesmos corredores onde viveram — e morreram — milhares de prisioneiros.
A Île Royale é a principal porta de entrada para os visitantes. Nela, há trilhas ecológicas, pequenas praias de águas claras e até uma pousada simples instalada nas antigas instalações administrativas do presídio. O contraste entre o passado sombrio e a paisagem paradisíaca cria uma experiência singular: um museu a céu aberto em meio a coqueiros e pássaros tropicais.
Já a Île Saint-Joseph mantém um clima mais introspectivo. As ruínas das celas de isolamento e o cemitério dos prisioneiros lembram o lado mais brutal da colonização e do sistema penal francês.
Em contraste, a Ilha do Diabo, ainda cercada por fortes correntes marítimas, não é aberta ao público por razões de segurança, mas pode ser observada de longe em passeios de barco.
Importância científica e geopolítica
Além do valor histórico e turístico, as Ilhas do Salut têm grande importância estratégica. Por estarem em território ultramarino francês, elas ampliam a Zona Econômica Exclusiva (ZEE) da França no Atlântico Sul, reforçando a presença europeia em uma região dominada por países sul-americanos.
A proximidade com a Base Espacial de Kourou também transforma o arquipélago em ponto de apoio para missões científicas e monitoramento ambiental. A fauna local inclui diversas espécies de aves marinhas, tartarugas e golfinhos, e o ambiente é usado para estudos sobre ecossistemas insulares tropicais.
O elo mais próximo entre Brasil e Europa
Para os brasileiros, as Ilhas do Salut representam uma oportunidade rara de conhecer a história colonial europeia sem sair do continente.
Em algumas horas de viagem a partir de Oiapoque (AP) ou de Cayenne, capital da Guiana Francesa, é possível caminhar por um território europeu com moeda, idioma e leis francesas — tudo isso a menos de 400 km da Amazônia.
Mais do que um destino turístico, o arquipélago é um símbolo do passado colonial, das contradições do sistema penal do século XIX e da presença europeia ainda viva na América do Sul.
As Ilhas do Salut são um lembrete silencioso de que a história global está muito mais próxima do Brasil do que muitos imaginam — às vezes, a apenas algumas horas de barco do nosso litoral.