A Atvos, ex-Odebrecht Agroindustrial, chegou a operar 9 usinas e produzir mais de 3 bilhões de litros de etanol por ano, mas acabou em recuperação judicial com R$ 12 bilhões em dívidas.
No auge, a Odebrecht Agroindustrial — mais tarde rebatizada como Atvos — era vista como uma das maiores forças do agronegócio brasileiro. Parte do conglomerado Odebrecht, seu nome estava associado a modernidade, escala e eficiência na produção de etanol, açúcar e bioenergia. Com 9 usinas distribuídas estrategicamente por polos canavieiros do Brasil, tinha capacidade para processar cerca de 36 milhões de toneladas de cana por safra, transformando-as em mais de 3 bilhões de litros de etanol por ano, milhões de toneladas de açúcar e energia elétrica suficiente para abastecer cidades inteiras.
Era uma operação de peso global. O etanol produzido abastecia veículos flex em todo o país, chegava a mercados da Ásia e Europa e ajudava a consolidar o Brasil como potência mundial em biocombustíveis. Mas, em pouco mais de uma década, um conjunto de fatores internos e externos transformou o que parecia ser uma trajetória ascendente em um caso clássico de crise empresarial. Em 2019, a empresa protagonizou um dos maiores pedidos de recuperação judicial do agronegócio, com R$ 12 bilhões em dívidas e uma reputação arranhada pela crise do grupo Odebrecht.
A aposta da Odebrecht no etanol e o nascimento da gigante
A história da Odebrecht Agroindustrial começa oficialmente em 2007, quando o grupo baiano decidiu investir pesado no setor sucroenergético.
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Naquele momento, o Brasil vivia uma fase de expansão no uso de veículos flex e de otimismo em relação à produção de biocombustíveis, vista como alternativa sustentável aos combustíveis fósseis.
O plano era ousado: construir novas usinas — conhecidas como greenfields — e adquirir operações já existentes (brownfields), garantindo escala produtiva rapidamente. Assim, a empresa chegou ao controle de nove unidades industriais em estados estratégicos, incluindo Goiás, Mato Grosso do Sul e São Paulo.
O modelo de negócio era flexível: as usinas podiam alternar a proporção de etanol e açúcar produzidos conforme os preços no mercado, além de gerar bioeletricidade a partir do bagaço da cana. Esse excedente energético era vendido para o sistema interligado nacional, reforçando a imagem de empresa alinhada a práticas de economia verde.
Tecnologia e mecanização como diferenciais
Para garantir alta produtividade, a Odebrecht Agroindustrial investiu maciçamente em tecnologia agrícola. A mecanização da colheita permitiu maior eficiência e menor dependência de mão de obra sazonal, além de reduzir impactos ambientais.
Variedades de cana adaptadas a diferentes tipos de solo e clima foram desenvolvidas para maximizar a produtividade. Sistemas de irrigação de precisão, uso de drones para monitoramento e softwares de gestão agrícola também integravam a operação.
Na indústria, processos automatizados e logística integrada garantiam que a cana cortada chegasse à moagem no menor tempo possível, preservando o teor de sacarose e aumentando o rendimento industrial.
O faturamento bilionário e a ambição de liderança
No início da década de 2010, a empresa já era considerada uma das maiores produtoras de etanol do país, com faturamento anual de vários bilhões de reais. O setor acreditava que o Brasil consolidaria sua posição dominante no mercado global de biocombustíveis, com a Odebrecht Agroindustrial como protagonista.
Os contratos de exportação eram estratégicos, garantindo receitas em dólar e diversificando o risco de depender exclusivamente do mercado interno. Havia planos de expansão e de novos investimentos, inclusive em produtos derivados da cana com maior valor agregado, como bioplásticos e biogás.
O início da virada negativa
Apesar do cenário promissor, a empresa cresceu baseada em endividamento elevado. Para financiar a construção e modernização das usinas, recorreu a empréstimos de longo prazo, muitos deles atrelados ao dólar.
A partir de 2013, o mercado começou a dar sinais de alerta. Os preços internacionais do açúcar caíram diante do aumento da produção na Índia e na Tailândia. O etanol enfrentou retração da demanda interna, e a política de controle artificial do preço da gasolina, adotada pelo governo na época, reduziu a competitividade do biocombustível.
Com margens pressionadas, o fluxo de caixa começou a se deteriorar. A desvalorização do real agravou o problema, encarecendo o pagamento da dívida externa.
O peso da crise do grupo Odebrecht e a Lava Jato
Se a situação operacional já preocupava, o impacto da Operação Lava Jato sobre o grupo Odebrecht foi devastador. O escândalo de corrupção afastou investidores, levou à restrição de crédito e comprometeu a imagem do conglomerado.
Mesmo sem relação direta com as denúncias, a Odebrecht Agroindustrial herdou o estigma. Parceiros comerciais e financeiros passaram a impor condições mais duras ou simplesmente romper contratos. A marca Odebrecht tornou-se um passivo.
A mudança para Atvos e a tentativa de recomeço
Em 2017, numa tentativa de se desvincular da crise de imagem, a Odebrecht Agroindustrial adotou o nome Atvos. A mudança buscava transmitir uma ideia de renovação e reposicionamento no mercado, mas não alterou os fundamentos financeiros da operação.
O endividamento, a baixa nas margens e a dificuldade de acessar crédito continuaram a pressionar a empresa.
O pedido de recuperação judicial de R$ 12 bilhões
Em maio de 2019, sem alternativas viáveis para honrar compromissos, a Atvos entrou com pedido de recuperação judicial. A dívida, estimada em R$ 12 bilhões, foi uma das maiores já registradas no agronegócio brasileiro.
O plano incluía a venda de ativos, a renegociação com credores e a preservação das unidades mais rentáveis. Algumas operações foram desativadas ou tiveram a produção reduzida.
Credores chegaram a receber propostas para trocar dívida por participação na empresa, numa tentativa de reduzir a pressão sobre o caixa e evitar a liquidação total.
A Atvos continua operando, mas com perfil mais conservador e foco em eficiência. O objetivo deixou de ser expansão e passou a ser estabilidade financeira.
O caso tornou-se referência nos estudos de gestão empresarial e agronegócio: um exemplo de como a combinação de dívida alta, mercado desfavorável e crise de imagem pode derrubar até mesmo empresas com tecnologia de ponta e escala global.