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O curioso caso da ilha brasileira onde ninguém nasce: gestantes são orientadas a deixar o local semanas antes do parto

Escrito por Valdemar Medeiros
Publicado em 12/05/2025 às 14:00
O curioso caso da ilha brasileira onde ninguém nasce: gestantes são orientadas a deixar o local semanas antes do parto
Foto: Reprodução/Youtube
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Fernando de Noronha, um dos paraísos naturais mais famosos do Brasil, esconde uma realidade que poucos turistas conhecem: por determinação administrativa, bebês não podem nascer na ilha. Desde 2004, apenas quatro partos foram realizados no arquipélago. Mas por que isso acontece?

Distante cerca de 545 km de Recife, a ilha de Fernando de Noronha é conhecida mundialmente por suas praias paradisíacas, biodiversidade única e um turismo altamente controlado. No entanto, um aspecto invisível para os visitantes chama a atenção de quem vive ali: nenhum bebê pode nascer no arquipélago.

A decisão não é oficializada por lei, mas funciona como uma recomendação administrativa e médica aplicada há quase duas décadas. Desde 2004, a orientação do governo de Pernambuco é que todas as gestantes deixem a ilha por volta do sétimo mês de gravidez, sendo encaminhadas à capital para realizar o parto.

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Essa medida, segundo a Secretaria Estadual de Saúde, tem como objetivo garantir a segurança da mãe e do bebê, devido à falta de estrutura hospitalar na ilha para lidar com partos e possíveis complicações.

Por que crianças não podem nascer em Fernando de Noronha?

A resposta mais direta é: falta de infraestrutura médica. A ilha possui um hospital de pequeno porte, voltado para atendimentos básicos e estabilização de emergências até a chegada de suporte externo. Em caso de acidentes graves ou intercorrências obstétricas, o atendimento especializado pode demorar horas para chegar ou exigir remoção aérea para o continente — o que pode levar até seis horas.

A própria Secretaria de Saúde de Pernambuco declarou que manter uma equipe obstétrica completa e uma maternidade em funcionamento em Noronha custaria R$ 3,6 milhões por ano. Com uma média de apenas 30 gestações anuais, o custo estimado seria de cerca de R$ 120 mil por bebê nascido na ilha, contra R$ 8.900 por gestante atendida durante 90 dias em Recife.

A recomendação que se tornou regra em Fernando de Noronha

Na prática, toda mulher grávida que vive em Fernando de Noronha sabe, desde os primeiros meses de gestação, que terá de sair da ilha no terceiro trimestre para realizar o parto no continente. É o caso de Ione Leal, assistente social nascida e criada em Noronha, que viu-se obrigada a deixar a ilha durante a segunda gestação:

“A partir do momento que você está grávida, já sabe que, quando chegar aos sete meses, vão insistir para você viajar.”

Para ela, o problema vai além da logística. Há dificuldades emocionais, familiares e sociais, como a separação de outros filhos, o isolamento longe do lar e a ausência de apoio local durante um momento tão delicado.

A dor do afastamento: histórias que emocionam

Ione deixou sua filha mais velha, Melanie, então com 10 anos, na ilha. A menina conta que falava com a mãe todos os dias por telefone e sonhava em conhecer a irmã recém-nascida:

“Foi muito difícil passar tanto tempo longe da minha mãe. Eu sabia que ela estava lá fora com a minha irmã dentro da barriga. Só era um motivo a mais pra eu querer ficar junto.”

Apesar do direito garantido a um acompanhante, o pai não pôde viajar com Ione. Segundo ela, seria inviável tirar licença-paternidade durante a gestação e após o nascimento. A decisão foi por ele ficar e aguardar o retorno.

Casos como esse não são exceção. Diversas gestantes relatam experiências parecidas: ausência de rede de apoio, insegurança no parto em cidade desconhecida e solidão emocional em um momento que deveria ser acolhedor.

Apenas quatro partos em 20 anos

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Desde que a recomendação passou a ser aplicada, apenas quatro mulheres conseguiram dar à luz em Noronha. A exceção ocorre quando o parto acontece de forma inesperada, antes que a gestante seja transferida para o continente.

Essas situações, no entanto, são tratadas como emergências médicas, sem garantia de estrutura adequada. A Secretaria de Saúde reforça que a medida visa proteger a vida e que não há impedimento legal para partos em Noronha — apenas uma orientação firme para que isso não aconteça.

“Proibido nascer no paraíso”: o documentário que deu voz às mães

A realidade das gestantes em Noronha foi retratada no documentário “Proibido nascer no paraíso”, filmado entre 2017 e 2019. A diretora narra a complexidade emocional e institucional por trás da política de encaminhamento ao continente.

Para ela, o debate não se resume à ausência de maternidade, mas ao que ela chama de negação do direito de nascer em sua terra:

“Não se trata só de infraestrutura. Trata-se de identidade, pertencimento, memória. Para muitos, não poder nascer onde se vive é um apagamento.”

O filme expõe os bastidores da gestão pública, os relatos das mulheres e os dilemas que envolvem a permanência ou não das gestantes na ilha.

Quanto custa impedir um nascimento local?

De acordo com a Secretaria de Saúde, a transferência das gestantes para Recife inclui:

  • Hospedagem
  • Alimentação
  • Transporte aéreo e terrestre
  • Exames e pré-natal
  • Assistência hospitalar no parto
  • Retorno à Noronha com o recém-nascido

Esses custos são todos arcados pelo Governo de Pernambuco. Apesar de parecer oneroso, os gestores afirmam que o gasto ainda é inferior ao que seria necessário para manter uma equipe completa de obstetrícia, anestesia, neonatologia e suporte intensivo 24 horas na ilha.

As gestantes da ilha: entre resignação e resistência

Muitas mulheres noronhenses aceitam a recomendação como inevitável, mas outras questionam a falta de alternativas e a ausência de debates com a comunidade. Algumas defendem a criação de um protocolo emergencial, com partos assistidos por equipes temporárias, especialmente em casos de alto risco logístico.

Há também quem argumente que, mesmo com custos elevados, a garantia do direito ao nascimento na terra natal deveria ser tratada como questão de dignidade e identidade cultural.

Não há, até o momento, projetos concretos para reativar partos em Fernando de Noronha. O hospital local segue operando com foco em primeiros socorros, clínicos gerais e apoio básico.

A ilha, que recebe milhares de turistas por ano, continua sendo um dos poucos lugares no Brasil onde oficialmente “não se pode nascer”, o que mantém viva a curiosidade — e o incômodo — sobre essa realidade pouco conhecida.

O caso de Fernando de Noronha revela uma tensão entre o direito à saúde e o direito à origem. A política de transferir gestantes para Recife é uma medida prática diante das limitações locais.

O bebê que nasce no continente, filho de mãe noronhense, não terá em seus documentos a marca do arquipélago onde foi gerado. E, para algumas famílias, isso representa um vazio simbólico difícil de preencher.

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Valdemar Medeiros

Jornalista em formação, especialista na criação de conteúdos com foco em ações de SEO. Escreve sobre Indústria Automotiva, Energias Renováveis e Ciência e Tecnologia

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