Itabaianinha, no interior de Sergipe, virou referência mundial por concentrar, há gerações, pessoas com uma mutação genética rara que provoca nanismo proporcional e chamou a atenção da ciência, da mídia e de quem busca entender a diversidade humana.
A cidade brasileira onde todo mundo é ‘anão’: isolamento extremo, mutação rara e altura média de 1,30 m! O que explica o caso genético mais curioso do Brasil?
No interior de Sergipe, Itabaianinha entrou no mapa científico por concentrar, há gerações, um grupo numeroso de moradores com deficiência isolada do hormônio do crescimento (DIGH), forma rara e hereditária de baixa estatura proporcional.
O fenômeno se consolidou a partir do povoado rural de Carretéis, onde o isolamento geográfico e os casamentos consanguíneos favoreceram a disseminação de uma mesma alteração genética.
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Hoje, a cidade é referência para pesquisadores brasileiros e estrangeiros e virou um caso clássico em endocrinologia, conhecido em artigos como a “síndrome de Itabaianinha”.
Como o fenômeno se formou
Localizado no centro-sul sergipano, o município abrigou por décadas comunidades rurais pouco conectadas às áreas urbanas.
Nesse ambiente, a transmissão de uma mutação autossômica recessiva ganhou escala ao longo de oito gerações, formando uma grande linhagem familiar com DIGH.
Estudos de referência descrevem pelo menos 105 pessoas identificadas com o quadro nesse período, número que consolidou Itabaianinha como o maior agrupamento mundial desse tipo de condição.
Em reportagens recentes, veículos brasileiros citam estimativas mais amplas e dados de incidência localmente descritos, como a frequência de 1 caso em cada 32 moradores em Carretéis e o total “acima de 130” indivíduos afetados ao longo das gerações.
Essas informações aparecem em textos jornalísticos e de divulgação, mas não constam como consenso em artigos científicos revisados por pares.
O que a ciência já comprovou
O achado genético que explica a DIGH de Itabaianinha é uma mutação de perda de função no gene do receptor do hormônio liberador do crescimento (GHRHR), especificamente a variante c.57+1G>A (IVS1+1G>A).
Com o receptor inativado, a hipófise praticamente não libera GH, o que mantém IGF-I em níveis muito baixos e compromete o crescimento pós-natal.
O resultado é baixa estatura proporcional, diferente de outros tipos de nanismo, que podem cursar com desproporções de tronco e membros.
A literatura descreve com precisão a estatura final de adultos não tratados da coorte de Itabaianinha: homens com média de 128,7 cm (± 5,9 cm) e mulheres com média de 117,6 cm (± 5,7 cm).
Em termos gerais, o grupo varia aproximadamente de 1,05 m a 1,35 m.
A face infantilizada (“doll-like”), a voz com padrão pré-púbere e certa adiposidade central aparecem recorrentemente nas avaliações clínicas, assim como perfis metabólicos atípicos — por exemplo, maior sensibilidade à insulina — acompanhados de particularidades cardiovasculares que vêm sendo estudadas há anos.
Outro ponto frequentemente destacado por pesquisadores é que muitos moradores nunca receberam reposição de GH, o que transformou o grupo em um modelo natural para entender os efeitos de uma vida inteira com DIGH.
Essa circunstância viabilizou estudos de osso, retina, voz, composição corporal e risco cardiometabólico, entre outros desdobramentos.
Carretéis, isolamento e transmissão familiar
Carretéis é apontado como o foco histórico da mutação.
O isolamento relativo do povoado, por muito tempo com pouca mobilidade e forte endogamia, ajudou a perpetuar a variante no GHRHR.
À medida que as famílias cresceram e se interligaram por parentesco, a chance de casais portadores terem filhos afetados aumentou, o que explica a concentração atípica de casos no município.
Em paralelo, a identificação de heterozigotos em grande número também atraiu a atenção científica por permitir estudos de possíveis efeitos sutis em portadores da mutação em dose única.
Repercussão nacional e internacional
A singularidade de Itabaianinha repercutiu fora do meio acadêmico.
Desde os anos 1980 e 1990, a história aparece em reportagens de TV e na imprensa estrangeira.
Em textos e documentários, o jornalista italiano Marco Sanvoisin é citado por ter visitado a cidade nos anos 1990 e por descrever os moradores, em tom poético, como “criaturas doces e diferentes, que parecem ter saído de um livro de fadas”.
A frase despertou curiosidade e, ao mesmo tempo, discussões sobre linguagem e estigmas.
A referência circula em trabalhos acadêmicos locais de memória e em matérias de divulgação recentes.
Identidade local e debate sobre linguagem
Com o passar do tempo, o apelido popular de “Cidade dos Anões” ganhou força na cultura e no noticiário, embora seja alvo de questionamentos por seu potencial estigmatizante.
Na prática, moradores e lideranças locais reforçam a dimensão de resiliência comunitária e defendem o respeito à terminologia clínica, como DIGH ou baixa estatura proporcional de origem genética.
A visibilidade, por outro lado, impulsionou pesquisas, acompanhamento médico e debates públicos sobre inclusão, acessibilidade e uso responsável da linguagem ao retratar grupos com condições raras.
O que se sabe hoje sobre tratamento e perspectivas
A reposição com hormônio do crescimento na infância pode alterar trajetórias de estatura, reduzindo o impacto na vida adulta quando iniciada em protocolos adequados.
Em Itabaianinha, políticas de saúde e maior acesso a especialistas ampliaram o número de crianças avaliadas e tratadas ao longo dos anos 2000, o que tende a diminuir a prevalência de adultos com estatura muito baixa nas novas gerações.
Ainda assim, a coorte clássica permanece essencial para entender efeitos de longo prazo da ausência de GH, sem extrapolações indevidas para outras formas de nanismo.
Interesse científico contínuo
A “síndrome de Itabaianinha” segue presente em revisões científicas sobre saúde, metabolismo, envelhecimento e longevidade em indivíduos com DIGH, com artigos assinados por pesquisadores sergipanos em colaboração com centros internacionais.
Esses trabalhos sintetizam achados sobre estatura, composição corporal, vozes, dentes e ossos, além de parâmetros cardiovasculares.
A base genética bem definida e a dimensão da coorte fazem do município um laboratório natural raro, com valor para além da endocrinologia.
Enquanto a cidade avança no debate público sobre respeito e inclusão, a ciência continua a colher dados desse conjunto único de famílias.
O caso de Itabaianinha ajuda o país a entender, sem estereótipos, como fatores genéticos e contexto social se combinam para moldar histórias de vida — o que você considera mais urgente na cobertura jornalística desse tema: linguagem, políticas de saúde ou o papel da pesquisa?