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A capital brasileira que ‘flutua’ sobre as águas e tem mais canoas do que carros, vivendo em um ritmo ditado pela maré e pelos rios da Amazônia

Escrito por Carla Teles
Publicado em 13/10/2025 às 20:03
A capital brasileira que 'flutua' sobre as águas e tem mais canoas do que carros, vivendo em um ritmo ditado pela maré e pelos rios da Amazônia
Descubra Afuá, a incrível capital brasileira que flutua na Amazônia. Sem carros e movida a bicicletas, a cidade vive um paradoxo entre sustentabilidade e riscos.
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Em Afuá (PA), cidade construída sobre palafitas na Ilha de Marajó, não há carros e a vida é ditada pela maré. No entanto, este exemplo de sustentabilidade enfrenta um paradoxo entre a genialidade local e a crescente vulnerabilidade climática.

No coração da Amazônia, onde os rios são as verdadeiras estradas, emerge uma comunidade que redefine o conceito de urbanismo. Embora não seja uma capital administrativa, Afuá, no Pará, se firma como a capital brasileira de um modo de vida ribeirinho singular. Conhecida como “Veneza Marajoara”, toda a cidade é erguida sobre palafitas, uma resposta direta e engenhosa às inundações periódicas da várzea amazônica. Esta é uma paisagem onde casas, escolas e comércios flutuam sobre as águas, conectados por uma teia de passarelas de madeira.

Apelidada também de “Amsterdã dos Trópicos”, Afuá se destaca por uma decisão comunitária radical: uma lei municipal proíbe a circulação de carros, motos ou qualquer veículo motorizado. A mobilidade urbana é dominada por bicicletas e bicitáxis, criando uma atmosfera sonora única, marcada pelo zumbido das correntes e pelo som dos remos na água. Contudo, sob essa fachada de harmonia e inovação, a cidade vive um drama silencioso, enfrentando uma grave crise de saneamento básico e sendo apontada como um dos municípios mais vulneráveis do Brasil às mudanças climáticas.

Arquitetura de palafitas: a sabedoria de conviver com o rio

O urbanismo de Afuá é um testemunho da capacidade humana de se adaptar a ambientes considerados inóspitos. A cidade inteira repousa sobre uma floresta de estacas de madeira, com passarelas suspensas a cerca de 1,20 metro acima do solo alagadiço. Esta não é uma escolha estética, mas uma necessidade fundamental para coexistir com o pulso diário das marés e o ciclo anual das cheias. A manutenção desse sistema exige um conhecimento tradicional profundo, passado entre gerações, sobre a escolha de madeiras resistentes e técnicas de construção que suportem a força das águas.

Esta abordagem, conforme destaca a Análise do Modo de Vida Ribeirinho (Revista Projetar – UFRN), reflete uma “consciência espontânea” da comunidade, que optou por trabalhar com os ritmos do rio em vez de tentar dominá-lo. Em vez de aterros e diques, a população construiu sobre a água, uma filosofia de coexistência que permitiu sua sobrevivência por mais de um século. No entanto, a recente tendência de substituir as passarelas de madeira por concreto, embora pareça um avanço, representa uma perigosa maladaptação. O concreto retém calor e impede a drenagem natural, tornando a comunidade, paradoxalmente, menos resiliente às condições que sempre soube manejar.

Mobilidade sem motores: uma economia sobre pedais e remos

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O som de Afuá é uma sinfonia de pedais. Com a proibição de veículos motorizados, a bicicleta se tornou o coração da mobilidade local, dando origem a uma cultura de engenhosidade. O bicitáxi, um quadriciclo artesanal feito da união de duas bicicletas, é o principal meio de transporte de passageiros e cargas. Até mesmo os serviços de emergência são adaptados: a “bicilância” é um veículo a pedal equipado com maca e suporte para oxigênio. Serviços como coleta de lixo e patrulha policial também são realizados com veículos de propulsão humana.

Este sistema de transporte não é apenas uma solução ecológica; ele fomenta uma robusta economia de ciclo fechado. O dinheiro que seria gasto com combustíveis fósseis e peças importadas circula internamente, sustentando artesãos, mecânicos e operadores de bicitáxi. Além do impacto econômico, a mobilidade em baixa velocidade e a proximidade física nas passarelas fortalecem os laços sociais, transformando o deslocamento diário em uma experiência pública e interativa. Enquanto as bicicletas dominam as passarelas, os rios continuam sendo as artérias que conectam Afuá às comunidades rurais e ao mundo exterior, com barcos e canoas sendo essenciais para o transporte regional.

O paradoxo da sustentabilidade: riqueza ecológica e precariedade humana

A vida em Afuá é governada pelo pulso da maré, que dita o ritmo da economia baseada no extrativismo de açaí e na pesca do camarão. Essa total dependência dos recursos naturais cria um forte incentivo para a conservação ambiental, pois a saúde do rio e da floresta está diretamente ligada à prosperidade da comunidade. No entanto, por trás da imagem de utopia sustentável, esconde-se uma realidade de extrema precariedade, revelando o que pode ser chamado de “Paradoxo da Sustentabilidade” da cidade.

Dados do Diagnóstico Municipal de Afuá (Governo Federal – MDH) são alarmantes: 99,4% da população não têm acesso a tratamento de esgoto, com dejetos frequentemente descartados nas mesmas águas que sustentam a vida local. O relatório também aponta que, embora Afuá tenha o maior IDH da região do Marajó, sua renda per capita está entre as mais baixas, e 99% das moradias são consideradas inadequadas. Essa contradição desafia definições simplistas de sustentabilidade, mostrando que o celebrado avanço “verde” na mobilidade coexiste com uma falha “marrom” catastrófica no saneamento básico, uma crise de saúde pública que a fama das bicicletas muitas vezes ofusca.

Na linha de frente da crise: quando o calendário das águas se quebra

A simbiose de Afuá com seu ambiente está sob ameaça existencial. Segundo um Relatório sobre a Vulnerabilidade Climática (Revista Amazônia), Afuá é o município costeiro mais vulnerável do Pará aos impactos das mudanças climáticas. O efeito mais desorientador é a quebra do “calendário natural das águas”. O conhecimento ancestral, baseado em ciclos previsíveis de cheias e secas, está perdendo sua validade à medida que os padrões climáticos se tornam erráticos, tornando o planejamento da agricultura e da pesca quase impossível.

Os impactos já são severos. A reportagem da Revista Amazônia detalha como, em 2023, a cidade enfrentou eventos extremos, com cheias menores que o normal seguidas por uma seca severa que causou incêndios e escassez de água potável. Diante dessa crise, a ausência de um plano de adaptação climática robusto é alarmante. A resiliência da comunidade, construída sobre o Conhecimento Ecológico Tradicional, está sendo minada porque o ambiente para o qual esse conhecimento foi desenvolvido está desaparecendo. É uma crise que transcende a infraestrutura; é uma crise do saber, que deixa a comunidade à deriva em um futuro imprevisível.

O futuro incerto da capital flutuante

Afuá é, ao mesmo tempo, um ícone da sustentabilidade e um símbolo da injustiça climática. Uma comunidade com uma pegada de carbono quase nula está na linha de frente de uma crise global que não causou. A sua história demonstra que a genialidade e a resiliência locais, por mais admiráveis que sejam, podem não ser suficientes para superar uma falha institucional sistêmica e uma mudança ambiental avassaladora. O futuro desta capital brasileira flutuante servirá como um barômetro de nossa capacidade coletiva de enfrentar a maior crise do nosso tempo com equidade e urgência.

O que você pensa sobre o futuro de Afuá? A genialidade local pode resistir a uma crise climática global, ou são necessárias intervenções urgentes? Compartilhe sua perspectiva nos comentários.

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Carla Teles

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