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A transição para veículos elétricos está deixando engenheiros especializados em motores a combustão obsoletos, reduzindo a demanda por seus conhecimentos e mudando drasticamente o perfil profissional do setor automotivo

Escrito por Fabio Lucas Carvalho
Publicado em 26/03/2025 às 11:06
engenheiros, combustão, veículos elétricos
Foto: Ford
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A crescente adoção dos veículos elétricos está impactando diretamente o mercado de trabalho automotivo. Engenheiros especializados em motores a combustão, antes peças-chave na indústria, agora enfrentam incertezas diante da queda na demanda por suas habilidades tradicionais.

O que antes era sinônimo de prestígio e inovação virou sinônimo de obsolescência. O motor a combustão perdeu espaço nos últimos anos para os veículos elétricos. E, por conta disso, uma geração de engenheiros tradicionais perderam a relevância nesse mercado tão valioso.

O começo de uma carreira apaixonada do engenheiro

Durante décadas, o engenheiro Lem Yeung viveu o auge da engenharia automotiva. Mas, em poucos anos, tudo mudou.

Em 1991, Lem Yeung se formou na Universidade Purdue, em meio a uma recessão econômica. Sem muitas opções, conseguiu um estágio na Ford.

Era só o começo. Filhos de imigrantes chineses, seus pais também haviam trabalhado na empresa. A engenharia corria no sangue da família.

Yeung rapidamente se destacou. Ele trabalhava com motores a combustão interna. Um universo complexo, cheio de detalhes, ajustes, ruídos e sensações.

Para ele, era mais do que um trabalho. Era um playground técnico. Ele passava horas calibrando motores, mexendo com pressão, faíscas, curvas de torque.

Não era simples. Envolvia tentativa e erro. Medo de falhar. Muito instinto. “Sempre achei que ia explodir o motor“, disse ele.

Mas era isso que o empolgava. Ele aprendeu que engenharia, na prática, era improvisação e intuição, não somente fórmulas. A recompensa vinha quando tudo funcionava.

O auge do prestígio e os projetos que marcaram época

Ao longo dos anos, Yeung participou de projetos importantes. Um dos mais marcantes foi o motor Power Stroke “Scorpion”, um V-8 a diesel de 6.7, feito para a linha Super Duty da Ford. Também trabalhou em motores menores, como um V-6 de 3.0 em picapes dos anos 90.

Nos bastidores, havia uma camaradagem técnica que movia os engenheiros. Eles trocavam ideias, testavam hipóteses, construíam protótipos. O motor a combustão tinha centenas de peças móveis. Exigia precisão e criatividade. Yeung adorava.

A chegada dos elétricos e o início do fim

Mas o cenário começou a mudar. O CEO da Ford, Jim Farley, nomeado em 2020, iniciou um movimento agressivo para reposicionar a empresa na corrida pelos veículos elétricos. A Ford estava atrás da GM em lucros e precisava cortar custos.

Farley deixou claro: os engenheiros de motores tradicionais estavam sendo trocados por especialistas em software e baterias. O recado era direto.

Em 2021, Yeung recebeu um e-mail do RH. Era uma oferta de aposentadoria antecipada. A empresa oferecia salário extra para quem aceitasse sair.

Aos 52 anos, Yeung se viu diante de uma escolha difícil. Ainda tinha gás para mais uma década de trabalho. Mas o espaço para ele estava diminuindo.

Um universo técnico em extinção

Os motores elétricos são diferentes. Muito mais simples. Enquanto um motor a combustão tem centenas de peças, um trem de força elétrico pode ter menos de 25. Isso muda tudo.

Em um carro elétrico, o torque máximo está disponível o tempo todo. Isso elimina a necessidade de câmbios com múltiplas marchas.

A experiência de dirigir é suave e silenciosa. Mas, para engenheiros como Yeung, isso é entediante. “Não é mais uma forma de arte”, disse.

Yeung não era contra os elétricos. Ele entendia sua eficiência. Mas lamentava a perda de complexidade e desafio técnico. Para ele, era como ver sua profissão sendo desmantelada peça por peça.

A tentativa secreta de salvar um motor

Apesar do clima de fim de ciclo, Yeung ainda teve um momento de brilho. Em meados dos anos 2000, ao perceber que a Ford não planejava atualizar o motor do Escape e do Fusion — dois dos carros mais vendidos da empresa — ele tomou uma atitude ousada.

Começou, por conta própria, a desenvolver uma melhoria para o motor de 3,0 litros. Ajustou válvulas, aumentou fluxo de ar, redesenhou o sistema de admissão. Sabia que precisava de ajuda. Procurou Steve Penkevich, especialista em combustão, que topou participar do projeto.

Juntos, reuniram uma pequena equipe de engenheiros. Trabalharam em segredo. Discutiam estratégias técnicas, trocavam ideias, faziam testes. O resultado foi uma atualização que aumentou a potência do motor em 40 cavalos. Um ganho modesto, mas significativo. O suficiente para manter o carro competitivo.

O projeto nunca virou manchete. Mas para Yeung, foi um resgate da sua paixão. “Legal, não fui demitido”, pensou. Anos depois, a esposa de Penkevich ainda dirigia um carro com aquele motor.

A pressão crescente da nova ordem

Enquanto isso, os elétricos ainda eram minoria nas vendas. Mas as montadoras estavam investindo bilhões.

A GM prometeu US$ 20 bilhões em 2020. A Ford subiu para US$ 30 bilhões em 2021 e depois para US$ 50 bilhões em 2022. Os números só cresciam.

Desenvolver novos motores a combustão era caro. Podia custar mais de US$ 1 bilhão. E o retorno, cada vez menor. Em 2011, 70 novas famílias de motores foram lançadas globalmente. Em 2021, apenas cinco. A previsão era que o número chegasse a zero ainda nesta década.

Os motores estavam sendo deixados para trás. E com eles, os engenheiros como Yeung.

A perda do “molho secreto”

Para Yeung, os trens de força foram o “molho secreto” da indústria por cem anos. Uma combinação única de escala, capital e conhecimento técnico. Isso impedia a entrada de novatos. Até a Tesla aparecer.

Agora, o jogo mudou. As montadoras tradicionais disputam com empresas de tecnologia. Samsung, LG, Panasonic, Nidec e dezenas de startups chinesas estão no jogo. E com vantagem.

É só montar peças como se fossem Lego”, disse Yeung. Ele não acredita que as antigas gigantes conseguirão inovar em VEs como faziam com motores. “Todas as barreiras de entrada desapareceram.

O passado que não volta mais

Yeung não foi o único. Penkevich também se aposentou, oito meses antes dele. Ambos viram de perto o fim de uma era.

Eles pertenceram a um grupo que tornou os motores mais eficientes, mais limpos, mais potentes. Ajudaram a cumprir regras ambientais, economizar combustível, reduzir emissões. Criaram soluções que marcaram gerações.

Nos anos 2000, debates sobre motores tomavam conta dos entusiastas. Nomes como V-8 small-block da Chevrolet ou seis cilindros da Jaguar eram quase míticos. Marcas tinham motores exclusivos. Até a GM, nos anos 60, oferecia mais de 25 opções diferentes. Hoje, são menos de uma dúzia.

A mudança é inevitável

A revolução elétrica não é nova. Em 1900, carros elétricos eram mais comuns do que os movidos a gasolina. Mas perderam espaço por conta do alcance limitado, alto custo e falta de infraestrutura.

O cenário se inverteu com a chegada de postos de gasolina e melhorias no motor a combustão. As linhas de montagem de Henry Ford baratearam os carros a gasolina. Os elétricos desapareceram.

Hoje, a história se repete — ao contrário. As regras de emissões apertaram. O aquecimento global acelerou. A pressão por carros limpos cresceu. A indústria entendeu que não conseguiria mais arrancar muito dos motores a combustão.

Os investimentos migraram. O conhecimento mudou. Os códigos substituíram os pistões.

Uma indústria sem alma?

Yeung, com sua frustração, levanta uma questão difícil: os carros estão perdendo sua alma?

Para ele, sim. O motor a combustão não era apenas técnica. Era emoção. Som, vibração, resposta. Era uma arte. Uma ciência imperfeita. Os EVs, para ele, são eficientes, mas frios. Rápidos, mas sem personalidade.

Não é apenas nostalgia. É a perda de um tipo específico de criatividade. De uma engenharia visceral. E, no processo, a perda de milhares de profissionais que deram forma à mobilidade moderna.

Yeung ainda respeita a nova geração. Mas ele sabe: sua era acabou.

O fechamento de um ciclo

O e-mail do RH marcou mais do que uma oferta de aposentadoria. Foi o fim de um ciclo. Para Yeung, para Penkevich e para muitos outros.

Eles deixaram uma marca. Criaram motores que moveram o mundo. Resolveram problemas impossíveis. E enfrentaram, com coragem, uma transição inevitável.

O mundo agora gira com menos ruído, menos fumaça, menos engrenagens. Mas também com menos graxa, menos improviso e, talvez, menos magia.

Com informações de spectrum.

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Leandro
Leandro
01/04/2025 19:29

🤣🤣🤣🤣🤣🤣🤣🤣🤣🤣🤣. É muito engraçado ver a galera defendendo elétrico. Não irá pegar. Não tem como e nunca terá como gerar esse energia toda.

Jackson
Jackson
31/03/2025 18:14

Carros elétricos na época, no início do século, não tinha tecnologia e por esse motivo não andou. Hoje temos um novo incio que ainda vai evoluir muito, e acredito, que não terá volta.

Tarcísio
Tarcísio
31/03/2025 14:40

O bom é que vai acabar com a desvantagem do ddesconhecimento do usuário, quanto a desonestidade de muitos mecânicos.

Fabio Lucas Carvalho

Jornalista especializado em uma ampla variedade de temas, como carros, tecnologia, política, indústria naval, geopolítica, energia renovável e economia. Atuo desde 2015 com publicações de destaque em grandes portais de notícias. Minha formação em Gestão em Tecnologia da Informação pela Faculdade de Petrolina (Facape) agrega uma perspectiva técnica única às minhas análises e reportagens. Com mais de 10 mil artigos publicados em veículos de renome, busco sempre trazer informações detalhadas e percepções relevantes para o leitor. Para sugestões de pauta ou qualquer dúvida, entre em contato pelo e-mail flclucas@hotmail.com.

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