Ferrovia de R$ 6 bilhões expõe impasse entre governo do Espírito Santo e Vale sobre cumprimento de compromisso jurídico e futuro da EF-118. Projeto pode redefinir logística regional, mas segue sem execução confirmada pela mineradora.
O governo do Espírito Santo voltou a cobrar publicamente a Vale pela execução do ramal Cariacica–Anchieta da EF-118, orçado em R$ 6 bilhões e tratado como contrapartida pela antecipação da outorga da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM).
Em nova manifestação, o governador Renato Casagrande afirmou que a empresa resiste a cumprir um compromisso que, segundo ele, é jurídico e público, respaldado por órgãos de controle e regulação federais.
Pressão do governo capixaba e cobrança por cronograma
A cobrança mais recente ocorreu durante a apresentação do pacote de investimentos do Estado até 2029.
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Casagrande reforçou que ANTT e Ministério dos Transportes já apontaram o trecho Grande Vitória–Anchieta como o investimento adicional exigido da Vale na renovação da EFVM.
Em suas palavras, “existe um compromisso da Vale em fazer um investimento adicional, pela antecipação da outorga da Estrada de Ferro Vitória a Minas”.
Apesar disso, segundo ele, a mineradora tem evitado iniciar a obra. O governador sustenta que há documentação oficial.
De acordo com ele, a própria Vale apresentou um cronograma físico-financeiro do ramal, incorporado ao relatório conclusivo do Tribunal de Contas da União (TCU). Esse material seria a evidência de que a obrigação é formal e mensurável.
Ferrovia Kennedy e a importância logística da EF-118
Paralelamente, o governo estadual informou ter recebido, em julho de 2024, o projeto básico de engenharia da Ferrovia Kennedy, primeiro trecho da EF-118.
O segmento é considerado crucial para integrar polos industriais e hubs logísticos, sobretudo pelo impacto esperado no Porto Central, empreendimento que depende dessa conexão para consolidar sua operação em larga escala.
A entrega do projeto básico dá ao poder público condições de avançar em licenciamento e desapropriações.
Ainda assim, a etapa central permanece indefinida: quem financiará e executará a obra. Até o momento, a Vale não confirmou a execução direta nem apresentou alternativa aceita pelo Estado.
Leilão da EF-118 e o impasse em Brasília
A possibilidade de leilão federal da EF-118, inicialmente prevista para o segundo semestre, mas que pode ser adiada para março do próximo ano, interfere na posição da Vale.
A mineradora defende que o ramal capixaba seja incluído no edital, de modo que a obra fique sob responsabilidade do futuro concessionário.
Caso esse modelo prevaleça, a Vale poderia ser chamada a aportar recursos dentro das regras da licitação, seja participando do certame, seja cumprindo condicionantes regulatórias associadas à renovação da EFVM.
Sem definição clara em Brasília, cresce a incerteza sobre o cronograma e a forma de execução do trecho Cariacica–Anchieta.
Compromisso jurídico e interpretação do Estado
Para o Palácio Anchieta, a resistência da mineradora não elimina sua responsabilidade.
O governo estadual defende que a Vale assumiu um compromisso jurídico, reforçado por documentos apresentados ao TCU e respaldado por manifestações da ANTT e do Ministério dos Transportes.
A entrega de um cronograma oficial seria a prova de que a empresa reconheceu prazos e valores para o empreendimento.
A leitura do Estado é que, mesmo que a execução seja incorporada ao leilão federal, a obra precisa ser garantida, seja pela Vale, seja pelo futuro concessionário.
Não à toa, o ramal foi listado em outubro de 2023 como a principal oportunidade de investimento da carteira estadual.
Impactos econômicos e riscos da indefinição
O ramal é apontado como essencial para ampliar a competitividade da economia capixaba.
Ele permitiria escoamento mais eficiente da produção, redução de custos logísticos e maior atratividade para novos empreendimentos industriais.
Empresas que planejam investimentos no Estado aguardam clareza sobre o destino da obra para alinhar seus próprios cronogramas.
A demora, no entanto, pode significar perda de oportunidades. Projetos privados tendem a migrar para regiões onde há garantias de infraestrutura disponível.
A ausência de prazos firmes e de um agente definido para a execução aumenta a insegurança e pode comprometer a janela estratégica que o Espírito Santo busca aproveitar.
Posições em aberto
O governo estadual insiste que há base legal para cobrar o ramal como contrapartida.
A Vale, por outro lado, não confirmou sua responsabilidade direta e mantém silêncio público sobre alternativas para o trecho.
Até o fechamento desta reportagem, a mineradora não havia se manifestado. Enquanto não há decisão definitiva do governo federal, a situação segue indefinida.
O projeto básico entregue ao Estado é um avanço técnico, mas insuficiente sem a definição de quem bancará e conduzirá a obra.
Para a população capixaba, resta a expectativa sobre quem assumirá, de fato, a tarefa de tirar do papel a ferrovia que promete transformar a logística regional.