Maior corte dos últimos anos atinge Zona Franca: Britânia demitiu em massa e deixou trabalhadores sem rumo em Manaus
Nesta matéria, relembraremos sobre o caso da Zona Franca de Manaus, que foi palco de um dos maiores cortes de empregos da indústria brasileira recente.
No último dia 15 de julho, assim como publicou o CPG, a Britânia Eletrodomésticos, responsável pelas marcas Britânia e Philco, anunciou a demissão de 860 trabalhadores em sua unidade fabril localizada na capital amazonense.
O número representa 32% de todo o efetivo da planta e cerca de 9% dos 10 mil funcionários diretos que o grupo mantém em suas operações pelo país. O episódio reacendeu o debate sobre os rumos da indústria de eletroeletrônicos e o impacto das oscilações de mercado em regiões dependentes de incentivos fiscais para sobreviver.
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Segundo nota oficial da empresa, o corte está inserido em uma reestruturação pontual, motivada por uma revisão nas projeções de vendas, especialmente de aparelhos de ar-condicionado — produtos que possuem forte sazonalidade. Embora a companhia afirme que as vendas na unidade de Manaus seguem estáveis, o ajuste seria necessário para manter a sustentabilidade do negócio em médio e longo prazo. A fábrica é responsável pela produção de televisores, micro-ondas e condicionadores de ar, todos sob a marca Philco, com forte presença nacional no varejo.
O maior corte da Zona Franca desde a pandemia
A notícia pegou de surpresa o Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas (Sindmetal-AM), que classificou o evento como o maior corte de pessoal na Zona Franca desde o pico da pandemia de COVID-19. Valdemir Santana, presidente do sindicato e da CUT-AM, afirmou que os desligamentos são resultado direto da fragilidade de um modelo produtivo altamente dependente de incentivos fiscais e da oscilação da demanda de mercado. “Quando o setor aperta, a corda sempre arrebenta do lado do trabalhador”, afirmou Santana em entrevista ao Canaltech.
A Zona Franca de Manaus foi criada com o objetivo de incentivar o desenvolvimento da região amazônica por meio de benefícios fiscais e logísticos. No entanto, o modelo vem sendo criticado há anos por depender quase exclusivamente de políticas federais e por sua vulnerabilidade diante das flutuações econômicas globais. Empresas como LG, Sony e outras já haviam fechado ou reduzido operações na região em anos anteriores, e o caso da Britânia reforça os riscos dessa dependência.

Britânia tenta conter danos com pacote de compensações
Para mitigar os impactos sociais da decisão, a Britânia negociou com o sindicato um pacote de benefícios aos trabalhadores desligados. Entre os acordos firmados estão a manutenção do plano de saúde até o fim de agosto — ou até o fim do aviso prévio — e a distribuição de cestas básicas conforme o tempo de casa dos funcionários. Trabalhadores com até dois anos de empresa receberão três cestas, enquanto os que ultrapassam esse tempo terão direito a quatro.
A empresa também deixou claro que as outras duas unidades do grupo — em Joinville (SC) e Linhares (ES) — não serão afetadas pela reestruturação, indicando que o impacto está concentrado na planta de Manaus. O grupo ainda reforçou que continua comprometido com o país e que a medida foi adotada como último recurso para evitar riscos maiores à operação.
Contexto do setor e a crise no mercado de eletrodomésticos
A indústria de eletrodomésticos tem enfrentado um cenário desafiador nos últimos trimestres. A inflação persistente, o encarecimento do crédito e a mudança de prioridades dos consumidores têm levado a um recuo na venda de bens duráveis. No caso dos aparelhos de ar-condicionado, as vendas são diretamente impactadas por fatores sazonais como temperatura e consumo de energia elétrica — algo que pode ter sido agravado pelas recentes discussões sobre tarifas de energia e crise hídrica em algumas regiões do país.
De acordo com dados da Eletros (Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos), o setor vem registrando uma desaceleração desde o segundo semestre de 2024, especialmente após o fim de alguns incentivos emergenciais concedidos durante a pandemia. A venda de TVs, por exemplo, caiu 12% no primeiro semestre de 2025 em relação ao mesmo período do ano anterior. Já o segmento de condicionadores de ar teve um desempenho instável, com picos de venda em meses mais quentes, mas forte retração nos meses de menor demanda, conforme relatório do GfK.
Além disso, o modelo de produção na Zona Franca, embora atrativo em termos de impostos, apresenta altos custos logísticos e burocráticos. Transportar equipamentos da Amazônia para os grandes centros consumidores do Sul e Sudeste se tornou uma operação cada vez mais cara, o que, segundo analistas, também pesa nas decisões de manutenção ou expansão de unidades fabris na região.
O que esperar do futuro?
O episódio da Britânia pode servir como alerta para outras empresas instaladas na Zona Franca. A necessidade de adaptação às novas realidades do mercado, aliada à crescente concorrência de produtos importados — especialmente da China — e aos entraves logísticos do modelo atual, pode forçar uma nova onda de reformulações nas estratégias industriais.
Ao mesmo tempo, cresce a pressão para que o governo federal apresente uma proposta mais clara de desenvolvimento para a região amazônica que vá além da dependência de incentivos fiscais. Economistas e lideranças locais defendem a diversificação produtiva e o fortalecimento de cadeias de valor que estejam alinhadas à bioeconomia, à tecnologia e à sustentabilidade — setores ainda pouco explorados na região.
Enquanto isso, os 860 trabalhadores desligados pela Britânia aguardam novas oportunidades em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo, e a Zona Franca segue vivendo entre ciclos de bonança e cortes, sem um plano robusto de futuro.