Governo estuda implantação de tarifa zero no transporte público, com custo estimado em R$ 90 bilhões por ano, envolvendo revisão de subsídios e mudanças no vale-transporte. Medida busca ampliar acesso e repensar o financiamento do setor.
Transporte público gratuito no Brasil? Proposta do governo pode custar R$ 90 bilhões por ano e envolver revisão de subsídios, vale-transporte e tecnologia
O governo federal estuda a viabilidade de tarifa zero no transporte público em todo o país, medida que abrangeria ônibus, trens e metrôs e teria custo estimado em cerca de R$ 90 bilhões por ano.
A cifra foi apresentada pelo presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Costa, em entrevista à CNN Brasil, enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, confirmou que a análise ocorre por solicitação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
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O que está em estudo no governo
Segundo Haddad, a Fazenda conduz uma “radiografia” do setor para mapear como o transporte coletivo é financiado hoje e quais caminhos podem permitir reduzir ou até zerar a tarifa paga pelo usuário.
Entram nesse levantamento o custo total do sistema, o volume de subsídios públicos, a participação das empresas por meio do vale-transporte, o desembolso direto dos trabalhadores e gargalos e oportunidades tecnológicas.
O objetivo é organizar dados e modelagens antes de qualquer decisão política.
Ainda que a diretriz parta do Palácio do Planalto, a equipe econômica trabalha com a premissa de responsabilidade fiscal e avalia diferentes fontes de financiamento.
O ministro tem repetido que o tema é relevante para trabalhadores e para a mobilidade urbana, mas depende de desenho orçamentário compatível com o arcabouço fiscal em vigor.
Custo projetado e posições do setor
A estimativa de R$ 90 bilhões anuais parte de uma aproximação da CNT sobre o tamanho da rede de transporte de passageiros no país e dos subsídios necessários para cobrir a operação sem arrecadação tarifária.
Ao comentar o número, Vander Costa afirmou que há papel indispensável do dinheiro público no transporte coletivo, mas defendeu que qualquer mudança “seja implantada de forma gradual”, devido ao impacto financeiro.
O dirigente pondera que a gratuidade ampla exige revisão de subsídios e do vale-transporte, além de adoção de tecnologias que reduzam perdas e melhorem o controle da bilhetagem.
Para ele, a combinação de fontes — entre União, estados, municípios e contribuições setoriais — é parte central da equação.
Sinalização política e prazos
Enquanto a Fazenda conduz os estudos, a Casa Civil buscou afastar a leitura de que a tarifa zero seria implementada no curto prazo.
O ministro-chefe Rui Costa afirmou que não há plano para eliminar as tarifas em 2025 ou 2026, e que o presidente apenas solicitou a avaliação técnica para embasar uma decisão futura.
A fala veio após a confirmação pública de Haddad de que o trabalho está em andamento.
A discussão ganhou corpo após declarações do ministro em entrevistas nesta semana, quando ele disse que a proposta poderia integrar a plataforma política do governo em período eleitoral, caso os estudos apontem viabilidade.
O tema, porém, não foi formalizado como promessa e segue condicionado aos resultados técnicos e à capacidade de financiamento.
Possíveis fontes de financiamento
Em qualquer desenho, a sustentação financeira do sistema é o ponto sensível.
Técnicos e agentes do mercado ressaltam que mudar a base de custeio do transporte — hoje calcada majoritariamente na tarifa — implicaria redistribuir a conta entre orçamento público, contribuições de empregadores e mecanismos setoriais.
Também entram no radar alocações vinculadas à mobilidade e ao meio ambiente, além de instrumentos que capturem benefícios indiretos, como descongestionamento urbano e redução de emissões.
A definição, contudo, depende de negociação com Congresso e entes federativos.
Estudos citados por integrantes do governo e do setor privado apontam que a eficiência tecnológica pode reduzir parte do custo, com melhorias na bilhetagem eletrônica, no planejamento de linhas e no monitoramento de demanda.
Essas medidas, por si só, não zeram a tarifa, mas ajudam a fechar a conta ao diminuir fraudes e redundâncias operacionais.
Impactos esperados e pontos de atenção
Se avançar, a gratuidade teria efeitos diretos sobre acesso ao trabalho e à educação, além de potencial estímulo à economia local por maior circulação de pessoas.
Do lado ambiental, a política pode incentivar a migração do carro para o ônibus e metrô, reduzindo emissões e congestionamentos nas grandes cidades.
Em paralelo, há riscos fiscais e operacionais, observados por investidores e por gestores públicos, sobretudo num contexto de metas de resultado primário e limites de gasto.
No plano federativo, o arranjo de responsabilidades é outro desafio.
Municípios concentram a operação e a regulação cotidiana do serviço, enquanto estados e União participam do financiamento e de políticas de infraestrutura.
Sem desenho claro de governança e fontes permanentes, especialistas alertam para o risco de descontinuidade e para disputas sobre quem paga a conta em caso de queda de arrecadação ou aumento de demanda.
Como ficam os usuários e o vale-transporte
Uma possível revisão do vale-transporte integra o cardápio em estudo.
A política atual transfere parte do custo às empresas empregadoras, que compram créditos para os trabalhadores.
Se a tarifa ao usuário for zerada, a regra pode ser reformulada para redirecionar recursos da contribuição patronal ao fundo de custeio do sistema, com foco na universalização do acesso, inclusive para informais e desempregados, que hoje não são alcançados pelo benefício.
Qualquer mudança, porém, requer alterações legais e acordo com setores produtivos.
Ao mesmo tempo, o governo avalia medidas tecnológicas para melhorar o controle de fluxo de passageiros, a integração entre modais e a transparência de dados.
Ferramentas desse tipo são citadas como condição para calibrar a oferta e evitar sobrecustos em um cenário sem cobrança direta do usuário.
Próximos passos e possíveis cenários
Haddad indica que os resultados dessa radiografia embasarão cenários e eventuais propostas normativas.
No curto prazo, a expectativa é consolidar as informações sobre custos, subsídios e benefícios indiretos do transporte coletivo para, então, avaliar modelos de financiamento.
Paralelamente, a sinalização da Casa Civil de que não há implementação imediata busca reduzir ruídos no mercado e no debate público.
Dado o tamanho da conta estimada e a necessidade de coordenação entre diferentes níveis de governo, a hipótese mais citada por formuladores de política é de implementação faseada, começando por segmentos ou regiões específicas, combinada com metas de eficiência e monitoramento de resultados.
Como resumiu o presidente da CNT, “o dinheiro público no transporte coletivo é indispensável, mas entendemos ser mais conveniente uma implantação gradual”.
Em meio a estudos, estimativas e sinais divergentes sobre prazos, qual desenho de financiamento — e de governança — daria previsibilidade à tarifa zero sem pressionar ainda mais as contas públicas?
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