Relatório indica ferrovia fantasma com 56% da malha operando com menos de dois trens por dia e evidencia décadas de rodoviarismo e baixo investimento
A expressão ferrovia fantasma entrou de vez no vocabulário da infraestrutura brasileira após o Tribunal de Contas da União apontar que 56% da malha tem fluxo inferior a dois trens por dia, sinal claro de ociosidade e desperdício de capacidade. O diagnóstico joga luz em um problema antigo: o país priorizou estradas, deixou trilhos envelhecerem e hoje paga mais caro para transportar mercadorias.
O cenário descrito pelo TCU ajuda a entender por que a ferrovia fantasma encarece fretes e atrasa prazos. Anos de rodoviarismo, trechos desconectados e investimento tímido geraram gargalos que afetam portos, indústrias e o agronegócio. A conta recai sobre a economia inteira.
Onde a malha some: mapa da ociosidade e da desconexão
A ferrovia fantasma não é falta de trilho, mas de trem rodando. Em boa parte do país, linhas antigas, manutenção defasada e trechos inconclusos resultam em operação mínima ao longo de dias inteiros. Quando circulam poucos trens, a ferrovia perde sua principal vantagem: alto volume com custo por tonelada mais baixo.
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Outro ponto crítico é a baixa integração entre ferrovias, rodovias e portos. Sem pátios eficientes e ligações fluídas a terminais marítimos, o trem perde velocidade logística. As filas migram para o porto e o custo de espera contamina o frete do início ao fim da cadeia.
Como chegamos aqui: décadas de rodoviarismo e investimento curto
A ferrovia fantasma tem raízes históricas. A partir do século 20, o Estado concentrou esforços em abrir estradas, impulsionando indústria automobilística e redes rodoviárias. Trilhos ficaram para trás, sem modernização contínua, e a malha encolheu em relevância.
Com a privatização nos anos 1990, concessões trouxeram algum fôlego, mas priorizaram corredores mais rentáveis. Trechos de menor retorno ficaram sem obras estruturantes e acumularam devoluções, restrições operacionais e baixa interpenetração entre malhas, o que dificulta o acesso de cargas de terceiros.
Concessões sob pressão: o que funciona e o que emperra
A ferrovia fantasma revela limites do modelo. Renovações contratuais miram previsibilidade de investimento, mas entregas e cronogramas precisam de fiscalização firme para sair do papel. Quando a regulação falha, a prioridade vira o carregamento próprio do concessionário e o sistema perde diversidade de cargas.
Há, contudo, janelas de correção. Reequilíbrios, metas de desempenho e obrigações de acesso a terceiros podem ampliar o uso dos trilhos e reduzir ociosidade. Interoperabilidade técnica e regras claras de passagem são peças-chave para transformar capacidade instalada em trens efetivamente circulando.
Portos e terminais: o elo que decide a eficiência
Mesmo onde a ferrovia fantasma dá lugar a trechos movimentados, os gargalos voltam nos acessos portuários. Linhas singelas, conflitos com trens de carga e pátios subdimensionados criam gargalos de última milha. O resultado é previsível: janelas de atracação perdidas e custos extras com estadia de navios e armazenagem.
A solução passa por obras de segregação de tráfego, duplicações seletivas e pátios multimodais. Cada minuto ganho no acesso ao porto derruba custo e aumenta a competitividade das exportações, especialmente em commodities agrícolas e minerais.
O investimento que falta: por que a conta não fecha
O rótulo de ferrovia fantasma também reflete um hiato crônico de recursos. Investimento público intermitente e retornos privados concentrados geram mapa desigual de obras, com prioridade para corredores de escoamento de alto volume e atraso em ligações regionais que teriam forte impacto social.
Sem planejamento de longo prazo e carteira contínua de projetos, o setor entra em ciclo de picos e vales. Trechos estratégicos ficam sem modernização e a ociosidade persiste, mesmo quando a demanda de carga existe e poderia migrar do asfalto para o trilho.
Sinais de virada: projetos e políticas em gestação
Para que a ferrovia fantasma perca força, ajustes regulatórios e projetos estruturantes estão na pauta. Revisões de concessões, leilões previstos e investimentos cruzados podem atacar pontos de estrangulamento, desde acessos portuários até ramais de integração com áreas produtoras.
Nos corredores de alto potencial, ferrovias de integração e exportação buscam encurtar distâncias logísticas. Em paralelo, estados e União discutem novas autorizações e PPPs para ampliar capilaridade, reconectar polos industriais e dar escala a trens de passageiros regionais onde fizer sentido econômico.
Tecnologia a bordo: mais trens no mesmo trilho
A ferrovia fantasma também é desafio de gestão. Sinalização moderna, despacho centralizado e monitoramento em tempo real permitem encurtar headways, colocar mais composições no mesmo trecho e aumentar a segurança. Com pátios inteligentes e manutenção preditiva, a disponibilidade de ativos sobe e a janela de operação se alarga.
Do lado comercial, sistemas de booking e janelas garantidas para diferentes clientes reduzem a incerteza e atraem cargas hoje cativas do caminhão. Quanto mais previsível o trem, mais ele concorre em prazos e preço.
O que muda no bolso: frete, prazos e competitividade
A conta da ferrovia fantasma aparece no frete. Caminhão em longas distâncias custa mais por tonelada, gasta mais combustível e emite mais CO2. Sem ferrovia robusta, o Brasil perde margens, especialmente em produtos de baixo valor por quilo, e vê a indústria pressionada por prazos mais longos e estoque mais caro.
Quando o trilho funciona, o ganho é direto: menos custo logístico, prazos mais confiáveis, menos acidentes e emissões. Em um mercado global disputado, cada ponto percentual no frete pode decidir se a carga sai pelo porto brasileiro ou perde competitividade lá fora.
A ferrovia fantasma é um retrato de escolhas passadas, mas não precisa ser destino. Integração de malhas, foco em acessos portuários, metas de desempenho, fiscalização efetiva e tecnologia formam a agenda mínima para encher de trens trilhos hoje subutilizados.
Você concorda com o diagnóstico do TCU? Na sua região, a ferrovia está parada? O frete da sua empresa ficou mais caro por causa disso? Conte sua experiência nos comentários e cite exemplos práticos.