Donald Trump relatou ter tido “química excelente” com Lula em encontro rápido nos bastidores da ONU e anunciou reunião formal para a próxima semana. O gesto ocorre em meio a atritos comerciais e retórica dura entre Brasil e Estados Unidos.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou nesta terça-feira (23), que teve “química excelente” com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em um encontro breve nos bastidores da Assembleia Geral da ONU, em Nova York.
Segundo Trump, os dois “se abraçaram” e combinaram uma conversa na próxima semana.
A Presidência do Brasil confirmou a perspectiva de reunião.
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Encontro rápido e aceno diplomático
Trump relatou que cruzou com Lula quando entrava no plenário, logo após o brasileiro deixar o local.
Disse que falaram rapidamente, “coisa de segundos”, e que o brasileiro lhe pareceu “um homem muito agradável”.
Em tom bem-humorado, acrescentou que a “excelente química” durou “por pelo menos uns 39 segundos” e completou: “ele gostou de mim, eu gostei dele”.
O gesto ocorre após meses de atritos entre os governos.
De acordo com auxiliares de Lula, a possibilidade de um encontro formal está sendo trabalhada em nível diplomático.
O Planalto trata o movimento como passo importante, mas evita antecipar resultados, mantendo cautela diante do quadro de tensão comercial.
Crise comercial entre Brasil e Estados Unidos
O pano de fundo da aproximação é a escalada na área de comércio.
Em julho, o governo dos EUA anunciou que passaria a aplicar tarifa de 50% sobre um amplo conjunto de produtos brasileiros, com vigência a partir de agosto.
Washington vinculou a medida à resposta norte-americana ao processo e à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro no Brasil.
A reação em Brasília veio em duas frentes.
Primeiro, o governo reiterou que o Poder Judiciário é independente e que não há interferência do Executivo em julgamentos.
Em paralelo, Lula sancionou e regulamentou a Lei de Reciprocidade Econômica, instrumento que autoriza contramedidas proporcionais a barreiras unilaterais impostas por outros países.
O decreto que estabelece critérios e cria instâncias de deliberação foi publicado em julho e permite suspender concessões comerciais e de investimentos, além de atuar sobre direitos de propriedade intelectual quando houver prejuízo comprovado à competitividade brasileira.
Além da Lei de Reciprocidade, o governo brasileiro anunciou medidas para mitigar os impactos sobre setores mais expostos à sobretaxa, como linhas de crédito e apoio a empresas e trabalhadores afetados.
As discussões sobre eventual retaliação seguem em avaliação pelos órgãos de comércio exterior, que também mantêm canais de negociação com os EUA.
Discursos em choque na Assembleia da ONU
No plenário das Nações Unidas, as mensagens foram duras.
Lula abriu a sessão de chefes de Estado como manda a tradição e, sem citar nomes, criticou o uso de sanções, tarifas e restrições de visto por países que buscam pressionar decisões internas do Brasil.
Em referência direta ao julgamento do antecessor, afirmou: “Nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis.”
Trump, por sua vez, listou o Brasil entre os países que, na visão da Casa Branca, interferem em direitos e liberdades de cidadãos e empresas norte-americanas.
O presidente norte-americano voltou a acusar o governo brasileiro de censura, repressão e uso político das instituições, além de “corrupção judicial” e perseguição a críticos políticos.
Apesar do tom, ele surpreendeu ao sinalizar abertura para um entendimento com Lula após o encontro informal nos corredores da ONU.
Condenação de Bolsonaro e reflexos políticos
A crise bilateral ganhou tração depois da condenação de Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal, em 11 de setembro, a 27 anos e 3 meses de prisão por crimes ligados à tentativa de golpe de Estado após a derrota eleitoral de 2022.
A resposta de Washington — tarifas punitivas e sanções a autoridades brasileiras — acirrou a disputa diplomática e provocou reações no Congresso e no empresariado no Brasil.
Ainda que parte dos setores exportadores tenha sido poupada das alíquotas mais altas, a cobrança de 50% em larga escala elevou custos, contaminou expectativas e levou entidades a pedir desescalada e negociação.
A equipe econômica em Brasília trabalha com o cenário de impacto concentrado no curto prazo e tenta calibrar contramedidas para evitar repasses a preços e preservar empregos.
Reações do mercado e cálculo diplomático
Minutos após as declarações conciliatórias de Trump, o real e o Ibovespa reagiram positivamente.
O movimento foi atribuído por analistas à leitura de que uma reunião entre os presidentes pode abrir espaço para desacelerar a disputa comercial.
O alívio, entretanto, é condicionado.
Investidores seguem atentos à agenda de encontros e a eventuais gestos concretos de moderação nas tarifas.
No governo brasileiro, a ordem é avançar por vias diplomáticas.
Em público, assessores ressaltam que Brasília continuará defendendo instituições e soberania, mas que portas de diálogo com Washington permanecem abertas.
Em privado, a avaliação é que o custo econômico de um prolongamento do litígio é alto e que um canal direto entre os presidentes pode destravar entendimentos técnicos.
Análises de especialistas em política internacional
Especialistas em relações internacionais veem ambivalência na sinalização vinda de Nova York.
O professor Vitelio Brustolin, da UFF e pesquisador de Harvard, avaliou à GloboNews que o gesto é relevante, mas não garante apaziguamento.
A leitura é que a Casa Branca mantém a pressão enquanto testa a disposição do Brasil de negociar salvaguardas e ajustes regulatórios.
No campo da análise internacional, o comentarista Marcelo Lins ponderou no canal que, apesar do histórico errático de Trump, é plausível que o presidente norte-americano tenha, de fato, apreciado o encontro com Lula.
Em termos práticos, essa afinidade pessoal, se confirmada numa conversa mais longa, pode facilitar pontes em temas específicos, mesmo com divergências estruturais em jogo.
Expectativas para a reunião da próxima semana
A expectativa agora se concentra na reunião da próxima semana, ainda sem local e agenda detalhados.
O cronograma de consultas e decisões previstas pela Lei de Reciprocidade no Brasil também está no radar.
Enquanto isso, diplomatas dos dois lados avaliam alternativas de descompressão que preservem interesses comerciais e respeitem limites políticos internos.
Se a retórica na ONU foi de confronto, o gesto nos bastidores sugere que a diplomacia ainda tem espaço para construir saídas.
A grande dúvida é se a “química” proclamada por Trump será suficiente para destravar um caminho de diálogo capaz de reduzir o tarifaço e conter a escalada entre Brasil e Estados Unidos?