Supremo declarou inconstitucionais 11 pontos da Lei 13.103/2015, mas especialistas alertam que generalização das regras ignora realidades distintas dos setores e pode gerar insegurança jurídica e desequilíbrios trabalhistas.
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que declarou inconstitucionais 11 dispositivos da Lei do Motorista (Lei 13.103/2015) reacendeu o debate sobre como equilibrar os direitos dos trabalhadores do setor de transportes sem ignorar as especificidades de cada segmento. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5322, movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes (CNTT), concluiu que regras como descanso fracionado, exclusão do tempo de espera da jornada e repouso em veículos em movimento ferem princípios constitucionais de proteção ao trabalhador.
A decisão, no entanto, gerou preocupação entre empresários e representantes do setor de transporte de passageiros, que argumentam que as particularidades do fretamento, do turismo e das linhas urbanas são distintas das do transporte de cargas — foco principal da lei e das discussões no Supremo.
O que mudou com a decisão do STF
Entre os pontos considerados inconstitucionais pelo STF estão:
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- Fracionamento do descanso: não será mais possível reduzir o período mínimo de 11 horas entre jornadas ou fracionar esse tempo em coincidência com paradas obrigatórias previstas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
- Descanso semanal acumulado: ficou proibido o acúmulo de períodos de descanso semanal, sob o argumento de que isso viola a saúde do trabalhador.
- Tempo de espera: não pode mais ser excluído da jornada de trabalho. O tempo em que o motorista aguarda carga, descarga ou fiscalização deve ser contabilizado como tempo efetivo de serviço.
- Descanso em movimento: foi invalidada a possibilidade de descanso com o veículo em deslocamento, mesmo em regime de revezamento entre dois motoristas.
Para o relator, ministro Alexandre de Moraes, essas práticas precarizavam as condições de trabalho e comprometiam a segurança viária. “Não há como se imaginar o devido descanso do trabalhador em um veículo em movimento, que muitas vezes sequer possui acomodação adequada”, registrou em seu voto.
Vozes do setor: o impacto no transporte de passageiros
No 1º Fórum das Empresas de Fretamento e Turismo, promovido pela Transfretur em São Paulo, representantes jurídicos e magistrados destacaram que o Supremo falhou ao aplicar a mesma lógica tanto para cargas quanto para passageiros.
O desembargador Valdir Florindo, presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, lembrou em sua palestra das dificuldades enfrentadas por seu próprio pai, motorista de ônibus. Apesar de reconhecer a importância da decisão do STF em resguardar a saúde do trabalhador, Florindo defendeu que negociações coletivas deveriam ter mais espaço para ajustar regras específicas a cada realidade.
O advogado Joel Bittencourt, assessor jurídico da Transfretur, afirmou que o voto de Moraes se baseou exclusivamente nas condições do transporte de carga. “Em todo o voto ele menciona estrada, pontos de parada, dificuldades de rodovias, mas não menciona fretamento. O motorista de fretamento, em geral, tem condições de descansar em casa, diferente do caminhoneiro que passa dias fora”, explicou.
Trabalhadores também pedem diferenciação
Do lado dos trabalhadores, a avaliação foi semelhante. O advogado Adilson R. Boaretto, assessor da CNTTT e da FTTRESP, destacou que a lei sempre teve foco maior no transporte rodoviário de cargas, mas acabou abrangendo também motoristas de passageiros. Para ele, a decisão do Supremo não deve impedir que categorias discutam suas próprias regras via negociação coletiva.
“O motorista de turismo assimilou bem o revezamento de dois condutores em viagens longas. Como mudar isso de uma hora para outra, se não há prejuízo à saúde? Queremos que sindicatos possam negociar fracionamentos e ajustes conforme a realidade de cada setor”, declarou.
Caminhos possíveis: política e negociação coletiva
Especialistas apontam dois caminhos para corrigir a “generalização” da decisão:
- Articulação política – fortalecer a representação do setor de fretamento e turismo junto ao Congresso, evitando que discussões legislativas fiquem restritas ao transporte de carga.
- Negociação coletiva – buscar acordos trabalhistas que reflitam as especificidades de cada segmento, ainda que possam gerar disputas judiciais longas até chegar novamente ao STF.
Segundo Bittencourt, depender apenas da via judicial pode sobrecarregar ainda mais os tribunais. “É uma frente arriscada, demorada e que cria insegurança. Precisamos de protagonismo político do setor”, alertou.
Entre proteção e viabilidade
A decisão do STF é vista como um avanço no aspecto da proteção social e do combate à precarização. Contudo, críticos afirmam que ela pode gerar insegurança operacional ao aplicar regras de maneira uniforme a setores distintos.
Enquanto caminhoneiros enfrentam longas jornadas em rodovias distantes de casa, motoristas de fretamento muitas vezes cumprem escalas diferentes, com intervalos que permitem descanso em suas residências. Essa diferença, afirmam especialistas, deveria estar no centro das discussões.
Reforma tributária também preocupa o setor
Além da Lei dos Motoristas, o Fórum da Transfretur também debateu os impactos da Reforma Tributária no setor de fretamento. Advogados especialistas alertaram que, em alguns casos, a carga tributária pode crescer até 600%, o que afetaria diretamente a competitividade das empresas.
Esse acúmulo de desafios — aumento tributário e insegurança nas regras trabalhistas — coloca o setor em alerta máximo. Para empresários e trabalhadores, é fundamental que as negociações avancem de forma a garantir segurança jurídica sem prejudicar a saúde e os direitos dos motoristas.
A decisão do STF sobre a Lei dos Motoristas representa um marco na luta pela proteção do trabalhador, mas também expõe a necessidade de diferenciação entre os segmentos de transporte. Se, de um lado, caminhoneiros precisam de regras rígidas para evitar abusos e riscos à saúde, de outro, motoristas de fretamento e turismo possuem realidades distintas que exigem maior flexibilidade.
Mais do que uma disputa jurídica, o tema exige articulação política e negociação coletiva. Só assim será possível garantir que os direitos fundamentais sejam preservados sem comprometer a viabilidade operacional das empresas e a sustentabilidade do setor.