A guerra comercial entre Washington e Pequim mergulhou o agronegócio americano em turbulência, deixando campos cheios, armazéns saturados e agricultores sem compradores para sua maior safra.
Agricultores produtrores de soja dos Estados Unidos estão enfrentando um duro golpe financeiro por causa das tarifas, perdendo bilhões de dólares em vendas para a China, na metade da atual temporada de comercialização.
Negociações comerciais paralisadas interromperam as exportações americanas, enquanto fornecedores rivais sul-americanos, principalmente do Brasil, assumem o espaço e suprem a demanda do gigante asiático.
Segundo traders e analistas, essa ausência chinesa está transformando o mercado global de soja.
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Compras chinesas migraram para o Brasil
Importadores da China reservaram cerca de 7,4 milhões de toneladas métricas de soja, em sua maioria sul-americana, para embarque em outubro.
Esse volume já cobre 95% da demanda projetada do país para o mês e mais 1 milhão de toneladas para novembro, o que representa cerca de 15% das importações previstas.
No mesmo período do ano passado, compradores chineses haviam reservado entre 12 e 13 milhões de toneladas de soja dos EUA para embarque entre setembro e novembro, segundo um trader sediado em Cingapura.
Safra dos EUA fica sem compradores
Tradicionalmente, os EUA enviam a maior parte de sua soja à China entre setembro e janeiro, antes da chegada da colheita brasileira ao mercado.
Neste ano, porém, compradores chineses ainda não reservaram nenhuma carga do novo ano-safra norte-americano, segundo traders que acompanham os embarques internacionais.
Em 2024, a China comprou US$ 12,8 bilhões em soja dos EUA, que venderam 22,9 milhões de toneladas ao país até agosto de 2025.
Perspectiva de preços em queda
“Se você observar como as coisas estão, achamos que serão os grãos da América do Sul até o final do ano”, disse o trader de Cingapura a Reuters.
A ausência prolongada de compras chinesas deve pressionar ainda mais os futuros da soja em Chicago, já próximos das mínimas de cinco anos.
Apesar de a soja americana estar de 80 a 90 centavos por bushel mais barata que a brasileira, a tarifa de 23% imposta pela China adiciona US$ 2 por bushel ao custo final.
Bushel é uma unidade de medida de capacidade para produtos agrícolas a granel, muito usada nos Estados Unidos. Soja: 1 bushel ≈ 27,2 kg.
Expectativa de cortes na previsão de exportação
Agricultores americanos estimam que se a China permanecer fora do mercado americano até meados de novembro, a perda poderá chegar a 14 a 16 milhões de toneladas.
Segundo ele, o USDA deve reduzir sua previsão de exportações de soja para 2025/26, atualmente em 46,4 milhões de toneladas, abaixo das 51,02 milhões do ano anterior.
Novas revisões podem surgir caso a guerra comercial não seja resolvida.
China ainda não fechou as portas
Apesar da ausência, a China não encerrou completamente as compras de soja dos EUA, ainda havendo espaço para negócios entre novembro e janeiro.
Atualmente, a soja dos EUA está com preços atrativos para muitos compradores não chineses, especialmente com a concorrência limitada.
Enquanto isso, a forte demanda chinesa elevou os preços da soja brasileira no fim da temporada de vendas.
Processadores chineses enfrentam margens negativas
Os preços altos da soja brasileira têm reduzido os lucros dos processadores chineses.
As margens de esmagamento no centro industrial de Rizhao ficaram negativas nas últimas semanas, após terem sido positivas no início de agosto.
Ao mesmo tempo, a China bateu recordes de importação em maio, junho, julho e agosto, aumentando estoques como proteção contra possíveis interrupções de fornecimento no fim do ano.
Tennessee: safra fraca e custos altos
No Tennessee, a situação também é crítica.
Produtores locais enfrentam inflação persistente, eventos climáticos extremos e preços baixos demais para gerar lucro, segundo Stefan Maupin, do Conselho de Promoção da Soja do estado.
Ele afirma que a economia agrícola se parece com “morte por mil cortes”.

Perdas acumuladas e falta de lucro
A inflação desde a pandemia elevou os custos de produção, enquanto tempestades e secas reduziram drasticamente a produtividade da safra.
Agora, os agricultores colhem um produto que será vendido a preços inferiores ao ponto de equilíbrio, sem a presença do maior comprador: a China.
“Estamos em uma situação significativa e desesperadora”, disse Maupin ao tennesseelookout.
Soja lidera as exportações do estado
A soja gerou mais de US$ 990 milhões em receitas em 2023 e liderou as exportações do Tennessee, com US$ 489,4 milhões.
Mesmo assim, produtores podem perder cerca de US$ 84 por acre com a safra atual, segundo estimativas da Universidade do Tennessee.
O estado deve acumular prejuízo de quase US$ 110 milhões apenas com soja em 2025.
Tarifas agravaram a crise
Desde que Donald Trump retomou tarifas sobre produtos chineses, a China aplicou tarifas retaliatórias sobre a soja americana e passou a boicotar essas compras.
O presidente da Associação Americana de Soja, Caleb Ragland, pediu que Trump remova as tarifas e garanta novos compromissos de compra.
Em 2018, disputas semelhantes custaram US$ 9,4 bilhões aos agricultores, segundo o USDA.
Clima extremo afetou plantações
Alan Meadows, do Condado de Lauderdale, disse que a safra começou bem em março, mas foi devastada por chuvas torrenciais e, depois, por um verão extremamente seco.
Além disso, equipamentos e insumos ficaram mais caros com a inflação e tarifas de importação.
“Queremos apenas um mercado livre, justo e aberto”, disse.
Risco de endividamento elevado
Maupin alerta que mesmo que um acordo comercial saia agora, será tarde demais para salvar o ano dos produtores do Tennessee.
Sem receita, muitos podem não conseguir pagar contas básicas ou financiar a próxima safra.
Alguns terão de hipotecar propriedades ou bens pessoais para obter novos empréstimos.
Agricultores jovens são os mais vulneráveis
Os mais jovens não tiveram tempo para acumular patrimônio e resistir a anos consecutivos de prejuízos.
Maupin afirma que a única saída pode ser apoio federal ou novos mercados internos, como os biocombustíveis, incentivados por lei aprovada em julho.
Mas a implementação é incerta e lenta.
Minnesota: colheita farta, mas sem compradores

No estado de Minnesota, os campos estão cheios de vagens saudáveis e produtivas, mas faltam compradores.
A China ainda não reservou nenhuma carga da nova safra americana, algo inédito para esta época do ano.
Isso derrubou o preço dos futuros da soja para pouco acima de US$ 9 por bushel.
Estoques sem espaço para armazenar
Darin Johnson, presidente da Minnesota Soybean Growers Association, diz que produtores estão “sentados sobre grandes volumes” que normalmente iriam para a Ásia.
Sem saída, precisarão armazenar os grãos, mas a capacidade de silos é limitada e uma colheita robusta de milho também se aproxima.
Ele afirma que, sem novos acordos comerciais, será necessário algum tipo de ajuda federal.
Buscando socorro em Washington
Gail Donkers, agricultora e presidente do Minnesota Soybean Research & Promotion Council, foi a Washington pedir ajuda emergencial.
Ela teme perder o trabalho de décadas construindo relações comerciais com a China.
Durante a guerra comercial de 2018-19, agricultores receberam US$ 23 bilhões em resgates do governo.
Preocupação com novas falências
Thom Petersen, comissário de Agricultura de Minnesota, afirma que o estado também busca apoio federal para evitar uma onda de consolidações e falências.
Alguns produtores relatam que não conseguem sequer comprar combustível para as colheitadeiras.
A soja é a segunda maior safra do estado e rendeu US$ 3,2 bilhões em 2024.
A cooperativa agrícola CHS, sediada em Minnesota, reduziu sua distribuição de lucros ao menor nível em anos, devido aos preços baixos e margens apertadas.
A queda reforça a gravidade da crise enfrentada pelos produtores do estado.
Parlamentares locais cobram a criação de novos mercados internos para compensar o colapso das exportações.
Dakota do Norte: dependência total da China
Na Dakota do Norte, os produtores dependem fortemente das exportações à China, mas até agora não houve um único compromisso de compra.
John Newton, da consultoria Terrain, disse que os compromissos estão no nível mais baixo desde 2018-19.
Isso tem mantido os preços deprimidos às vésperas da colheita.
Linhas de diálogo seguem abertas
O Conselho de Soja da Dakota do Norte recebeu uma delegação chinesa em agosto.
Scott German, diretor da associação local, diz que as conversas continuam, mas que os preços brasileiros estão mais competitivos.
“Precisamos tirar a política disso”, afirmou.
Estoques, tarifas e incerteza jurídica
Newton observa que a China estocou soja antes da posse de Trump e pode sobreviver com Brasil e estoques por mais uma safra.
Ele diz que os chineses jogam no longo prazo, sem a pressão política que existe nos EUA.
Uma decisão da Suprema Corte sobre a legalidade das tarifas de Trump, prevista para novembro, pode afetar as negociações.
Logística limita ganhos no estado
Mesmo quando países do Sudeste Asiático compram soja dos EUA, os embarques partem do Golfo ou da Costa Leste.
Isso significa que os agricultores da Dakota do Norte, que enviam pelo noroeste do Pacífico, não se beneficiam dessas vendas.
Além disso, tempestades destruíram silos e obrigam produtores a aceitar preços baixos na colheita.
Sinais pontuais de alívio
Há pequenos pontos positivos: os preços da carne bovina estão em níveis recordes e as exportações de milho estão firmes.
Novas plantas de esmagamento de soja abertas recentemente em Jamestown e Casselton ajudam a manter parte da produção no estado, elevando a demanda local.
Segundo German, essas fábricas “são uma dádiva de Deus agora”.
Pressão por ajuda federal
No primeiro mandato de Trump, agricultores receberam US$ 23 bilhões em ajuda para compensar perdas comerciais.
Agora, congressistas discutem usar parte dos US$ 66 bilhões destinados à agricultura na próxima década para socorrer o setor.
Mas muitos dos benefícios previstos só chegariam na próxima safra, alerta Newton.
O senador John Hoeven afirmou que trabalha com líderes do Senado e o Departamento de Agricultura para apoiar os produtores.
Enquanto isso, os agricultores colhem com apreensão, sem saber se conseguirão vender sua safra com lucro.
Para muitos, a sobrevivência depende de um novo acordo comercial com a China — ou de um resgate federal imediato.
Artigo feito com informações de Reuters, Agriculture e Startribune.