Proposta prevê tabela nacional com salários do funcionalismo, fim de penduricalhos e limite de verbas indenizatórias. Implementação pode levar uma década e deve alcançar todos os poderes, do porteiro ao presidente.
A proposta de reforma administrativa entregue à Câmara prevê uma tabela única de remuneração por ente federativo, válida para todos os Poderes, com implementação gradual em até dez anos.
A medida busca reduzir assimetrias salariais e coibir supersalários, adotando regras comuns de reajuste e limites claros para verbas indenizatórias perto do teto do funcionalismo, hoje de R$ 46.366,19.
O que muda com a tabela única
A tabela reunirá, numa mesma referência, as carreiras e cargos de cada ente — da base ao topo — balizando remunerações do salário mínimo ao teto constitucional.
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Em vez de negociações fragmentadas por categoria, os reajustes passariam a incidir sobre toda a tabela, evitando ganhos diferenciados que alimentam distorções entre carreiras equivalentes.
O conjunto integra o eixo de extinção de privilégios e é apresentado em um fichário técnico com cerca de 70 propostas.
Segundo o relator e coordenador do grupo de trabalho, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), a padronização é central para dar transparência e previsibilidade.
Em declaração pública, ele sintetizou a diretriz: “Todo mundo tem que estar na tabela: o porteiro, o auxiliar administrativo e o Lula.”
A ideia é que União, estados, Distrito Federal e municípios editem suas leis específicas para instituir a tabela, respeitando o teto comum e as diretrizes gerais.
Supersalários e “penduricalhos”: novas travas
Para atacar os supersalários, a proposta detalha o que é verba indenizatória e o que é verba remuneratória, fechando brechas que permitiam classificar pagamentos rotineiros como indenização, fora do teto e sem Imposto de Renda.
Há ainda limite orçamentário para o gasto com indenizatórias por órgão e, para quem recebe 90% ou mais do teto, um limite mensal de 20% da remuneração para auxílios como alimentação, saúde e transporte.
O documento também veda folgas convertidas em pecúnia e restringe retroativos de indenizações, medidas apontadas como fonte recorrente de pagamentos vultosos.
A diretriz mira especialmente estruturas com benefícios criados por ato administrativo, prática associada ao crescimento de extras acima do teto em segmentos do Judiciário e do Ministério Público.
O tamanho da desigualdade hoje
Os supersalários são fenômeno minoritário, mas simbólico.
Levantamentos com base em registros administrativos indicam que apenas 0,06% do serviço público em regime estatutário recebia acima do teto de forma regular.
Em 2022, o teto de referência era R$ 39.293, valor que vem sendo reajustado até chegar aos R$ 46.366,19 em 2025.
Na outra ponta, a mediana de remuneração está muito distante do teto.
Em estimativas com dados da RAIS 2022, metade das pessoas que trabalham no setor público recebe até R$ 3.391.
Especialistas ressaltam que a desigualdade se acentua entre poderes e esferas: no nível municipal, onde se concentra a maioria dos vínculos, os valores medianos são bem inferiores aos do nível federal.
Como ficaria o teto e quem entra na regra
O teto remuneratório do serviço público equivale ao subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal e subiu em parcelas desde 2023, alcançando R$ 46.366,19 em 2025.
A reforma reafirma o teto como limite para todos os agentes públicos, inclusive agentes políticos e membros de órgãos autônomos, e explicita que diárias e reembolsos legítimos devem ser episódicos, ancorados em despesa comprovada e sem caráter permanente.
A tabela única se aplicaria a todos os Poderes e órgãos de cada ente, o que encerra a prática de tabelas paralelas e projetos de carreira com incrementos desconectados da realidade fiscal.
A aposta é que, com um escalonamento claro de complexidade e faixas salariais públicas, disputas corporativas percam espaço.
Implementação e desafios de transição
A transição é longa: o prazo máximo proposto é de 120 meses a partir da promulgação.
Como a Constituição proíbe redução nominal de salários, qualquer convergência exigirá elevar pisos e alinhar degraus, o que impõe custo fiscal e coordenação com leis de carreiras existentes.
O desenho prevê que cada ente aprove lei própria instituindo a tabela e reestruturando carreiras sob critérios homogêneos.
Estudos que embasaram o grupo de trabalho apontam que a multiplicidade atual de planos e gratificações cria opacidade e efeito cascata de vantagens.
Ao definir com precisão o que é indenização e ao impor teto global para esse tipo de gasto, os autores esperam reduzir incentivos a “penduricalhos” e litígios sobre o alcance do teto.
O que dizem especialistas e o impacto esperado
Para Humberto Falcão, professor da Fundação Dom Cabral, a tabela única é instrumento de organização do sistema de carreiras e de correção de distorções entre cargos equivalentes que hoje recebem valores distintos.
Já Jessika Moreira, do Movimento Pessoas à Frente, avalia que as diferenças entre entes — especialmente entre pequenos municípios e administrações mais estruturadas — alimentam disparidades e exigem regras gerais combinadas com capacidade de execução local.
A leitura de ambos converge em um ponto: sem supersalários e com parâmetros claros para vantagens, torna-se mais viável aproximar carreiras semelhantes e reduzir o fosso entre bases e topos de remuneração.
O efeito, porém, dependerá da calibragem final no Congresso e da disciplina fiscal na etapa de transição.
A partir desse desenho, qual deve ser a prioridade: acelerar a convergência nas carreiras da ponta ou atacar primeiro os benefícios acima do teto?