Projeto bilionário segue em atraso no Nordeste, com obras paralisadas, disputas políticas e incerteza sobre conclusão, afetando diretamente o transporte de grãos e a competitividade agrícola da região.
A construção da Ferrovia Transnordestina, orçada em R$ 15 bilhões, ilustra como desafios políticos, administrativos e econômicos podem impedir o avanço de grandes projetos logísticos no Brasil.
Vinte anos após o início das obras, a ferrovia permanece inacabada e ameaça diretamente a competitividade do agronegócio no Nordeste, especialmente no escoamento da produção de grãos do Matopiba — região que engloba Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Projetada para impulsionar a integração e reduzir custos logísticos, a Ferrovia Transnordestina soma dois grandes trechos, ambos ainda sem conclusão total.
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Segundo dados oficiais, dos R$ 15 bilhões previstos, aproximadamente R$ 8 bilhões já foram consumidos, restando R$ 7 bilhões para finalização.
A divisão entre os dois principais eixos evidencia as dificuldades: o trecho que liga Eliseu Martins (PI) ao Porto do Pecém, em Fortaleza (CE), segue com obras em ritmo acelerado graças ao suporte financeiro do governo federal e da concessionária Transnordestina Logística (TLSA), subsidiária da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
No entanto, o ramal pernambucano, que deveria ligar Salgueiro ao Porto de Suape, encontra-se estagnado desde 2016, tendo sido oficialmente devolvido pela TLSA em 2022, devido à inviabilidade econômica.
A responsabilidade pela retomada passou ao governo federal, que ainda não definiu previsão concreta para a conclusão, apesar de ter anunciado novo edital para o segundo semestre deste ano.
Atrasos e disputas de recursos na ferrovia Transnordestina
A execução do projeto foi marcada por frequentes interrupções, embates políticos e disputas por orçamento.
Um dos episódios mais recentes foi a demissão do então superintendente da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), Danilo Cabral, em julho de 2025.
O desligamento ocorreu em meio a divergências com o governo do Ceará, envolvendo a destinação de verbas para o trecho pernambucano da Transnordestina.
Embora Cabral tenha conseguido incluir parte das obras no Novo PAC 2025, garantindo inicialmente R$ 450 milhões, o valor foi considerado insuficiente por representantes locais.
O Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE), responsável por financiar projetos estruturais na região, redirecionou integralmente seu orçamento anual de R$ 1 bilhão até 2026 para a conclusão do trecho cearense.
O reforço financeiro, que já garantiu R$ 3,6 bilhões ao projeto, gerou insatisfação entre políticos pernambucanos e líderes de outros estados, que alegam desequilíbrio na destinação de recursos para o desenvolvimento regional.
Avanço do trecho cearense e cronograma revisto
A reestruturação do projeto no Ceará, iniciada em 2022, permitiu avanço físico relevante: dos 1.200 km previstos, 676 km já foram entregues.
Em julho de 2025, o governo federal anunciou novo aporte de R$ 1,4 bilhão, proveniente do FDNE e de bancos públicos, assegurando a inauguração do trecho entre Bela Vista do Piauí (próximo a Simplício Mendes), no Piauí, até Iguatu (CE) já em outubro.
Este segmento de cerca de 500 km permitirá o transporte de grãos em composições de até 126 vagões, capacidade equivalente a 380 caminhões, com expectativa de reduzir em até 30% os custos logísticos e encurtar em 40% o percurso até os portos.
Em contrapartida, o trecho pernambucano soma 160 km já concluídos, mas necessita de mais 370 km para chegar ao Porto de Suape, o que deve demandar investimentos adicionais de aproximadamente R$ 5 bilhões.
A incerteza quanto à continuidade das obras gera apreensão entre produtores rurais e especialistas em infraestrutura, pois a conclusão total da ferrovia é vista como essencial para garantir a eficiência do escoamento agrícola no Nordeste.
Desafios de integração e limitações estruturais
Especialistas em logística apontam que a concepção da Transnordestina apresenta limitações, principalmente pela falta de integração com outras ferrovias do Centro-Oeste e Sudeste do país, dificultando o pleno aproveitamento do potencial logístico da linha.
Essa ausência de interconexão amplia a dependência do modal rodoviário para longas distâncias, elevando custos e diminuindo a competitividade da produção nordestina nos mercados nacional e internacional.
Além disso, outra ferrovia fundamental para a região, a Ferrovia Transnordestina Logística (FTL) — que não se confunde com os trechos em construção — também enfrenta desafios.
Com 1.237 km ligando Fortaleza (CE) a São Luís (MA), a FTL está sob concessão desde 1998 e pode ter seu contrato de renovação, solicitado até 2062, questionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
A concessionária propôs devolver 3 mil km de trechos considerados “não operacionais”, concentrando investimentos nos ramais ativos e oferecendo como contrapartida a construção de Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs) em Campina Grande (PB) e Arapiraca (AL).
O TCU, no entanto, apontou questões complexas sobre indenizações e exigiu garantias para renovação da concessão.
Segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), parte das obrigações contratuais não foi cumprida durante a vigência do contrato, o que amplia o cenário de incertezas para o futuro ferroviário nordestino.
Impactos para o agronegócio e infraestrutura regional
O impasse na conclusão da Transnordestina e o atraso na renovação da FTL têm consequências diretas para o agronegócio do Matopiba.
A região, considerada uma das principais fronteiras agrícolas do país, depende do modal ferroviário para garantir preços competitivos, aumentar a produtividade e expandir a participação no mercado global.
Relatórios oficiais indicam que a plena operação da ferrovia pode transformar o perfil logístico do Nordeste, trazendo ganhos estruturais para toda a economia regional.
Enquanto o trecho cearense avança com previsão de entrega do principal eixo até o segundo semestre de 2027, o futuro do ramal pernambucano e a integração nacional seguem indefinidos.
A expectativa é de que decisões sobre investimentos e contratos sejam tomadas nos próximos meses por órgãos federais e pelo TCU.
O cenário atual levanta uma dúvida relevante: por que, mesmo com tantos investimentos públicos e privados, o Nordeste ainda enfrenta desafios para garantir uma infraestrutura ferroviária à altura do seu potencial agrícola e logístico?
O que você acredita ser o principal entrave para que projetos estratégicos como a Transnordestina avancem com eficiência no Brasil?