Ímãs de neodímio estão no centro de uma disputa geopolítica que envolve China, Estados Unidos, Trump, BYD e até o Brasil. Essenciais para carros elétricos e tecnologia de ponta, eles se tornaram peça-chave da economia mundial.
Os ímãs de terras raras saíram do jargão técnico e viraram ativo estratégico. Em 25 de agosto, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou impor tarifa de 200% sobre produtos chineses caso Pequim não assegure o fornecimento de ímãs para a indústria americana, escalando a disputa por um insumo crítico para motores elétricos, turbinas e equipamentos de alta tecnologia.
“Cobrarei uma tarifa de 200% ou algo parecido”, disse. A fala ocorreu no contexto de negociações ainda em curso entre Washington e Pequim.
De acordo com o programa Fantástico, da TV Globo, em reportagem publicada neste domingo (24), a disputa por esses materiais ganhou novos contornos, com destaque para a posição de liderança da China no setor.
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O que está em jogo com os ímãs de terras raras
Ditos “raros” mais pelo desafio de concentração e processamento do que pela escassez absoluta, esses elementos sustentam ímãs de alto desempenho, como os de neodímio-ferro-boro.
Em aplicações que exigem estabilidade térmica, como motores de alto rendimento, costuma-se adicionar disprósio e térbio.
O resultado são componentes compactos e poderosos, hoje fundamentais na eletromobilidade, em eletrônicos e em setores de defesa.
Segundo o Fantástico, da TV Globo, esses elementos já são considerados estratégicos não apenas para a indústria, mas também para a geopolítica mundial.
A China domina a cadeia do minério ao ímã final, com grande parcela da extração global e cerca de 90% da capacidade de processamento.
Controle chinês e novas restrições
Além do peso histórico na mineração e no refino, Pequim apertou ainda mais as rédeas neste ano.
Em 4 de abril de 2025, o governo chinês impôs controles de exportação a ímãs e a parte dos elementos críticos, exigindo licenças específicas.
A medida atingiu, entre outros, o disprósio e o térbio, insumos-chave para ímãs que operam em altas temperaturas — o que elevou incertezas e prazos de fornecimento para fabricantes ocidentais.
Conforme destacou o Fantástico, da TV Globo, o domínio chinês sobre toda a cadeia de produção — da mineração ao produto final — torna o país praticamente insubstituível no curto prazo.
Trégua tarifária entre EUA e China
Em paralelo, os dois países costuraram uma pausa na escalada tarifária.
Em 11 e 12 de agosto, a Casa Branca prorrogou por 90 dias uma suspensão que congela as tarifas dos EUA em 30% sobre produtos chineses e mantém a China em 10% sobre bens americanos.
A extensão, válida até 10 de novembro de 2025, evitou que as taxas disparassem para 145% (EUA) e 125% (China), como previa o gatilho de escalada. O alívio é temporário e poderá ser revisto conforme avancem as conversas técnicas.
Tarifas e impacto nas contas públicas
O impacto das tarifas no caixa federal também entrou no debate.
De acordo com o Congressional Budget Office (CBO), as mudanças tarifárias desde janeiro devem reduzir os déficits totais em US$ 4 trilhões até 2035 — combinação de maior arrecadação e queda de gastos com juros, devido à menor necessidade de endividamento.
O mesmo relatório, no entanto, alerta que tarifas mais altas tendem a frear investimento e produtividade, encarecendo bens de consumo e de capital.
Vantagem da produção integrada na China
Enquanto montadoras americanas e europeias compram boa parte dos componentes de terceiros, grandes fabricantes chineses apostaram em produção integrada.
Bateria, eletrônica de potência e até os motores passam muitas vezes pela mesma planta, o que encurta prazos e reduz custos.
Na BYD, por exemplo, a vice-presidente Stella Li costuma destacar o ritmo de desenvolvimento: a empresa registra, em média, cerca de 45 patentes por dia, apoiada por um time amplo de P&D.
“Produzimos muitos componentes na própria fábrica. Isso nos ajuda a sempre inovar”, afirma a executiva.
Diferença de preços entre China, Brasil e EUA
No mercado doméstico chinês, a guerra de preços levou a um patamar difícil de replicar no Ocidente.
Em abril, a BYD anunciou o Seagull a partir de 56.800 yuans — menos de US$ 8 mil em promoção — acirrando a competição local entre elétricos de entrada.
No Brasil, o elétrico mais barato atualmente é o Renault Kwid E-Tech, com preço de R$ 99.990.
Modelos como o BYD Dolphin Mini aparecem logo acima, refletindo a maior oferta de veículos compactos desde 2024.
Já nos Estados Unidos, a faixa de entrada se mantém mais alta.
O Nissan Leaf 2025 parte de cerca de US$ 29 mil de preço sugerido, com variações conforme versão e incentivos. A diferença evidencia a escala da China e a estrutura tributária distinta entre mercados.
Brasil e suas reservas de terras raras
Embora a China concentre a maior parte do refino global, o Brasil desponta pelas reservas e por projetos em andamento.
Segundo o USGS, o país figura entre os detentores das maiores reservas de terras raras do mundo, em patamar próximo ao do Vietnã.
Em Goiás, a Serra Verde iniciou produção comercial em 2024, com plano de atingir 5 mil toneladas/ano de óxidos de terras raras até 2026.
Entre os elementos extraídos estão neodímio, praseodímio, disprósio e térbio, todos críticos para ímãs de alto desempenho.
A iniciativa insere o Brasil em cadeias de suprimento que buscam reduzir a dependência de processamento chinês.
Carros voadores: a nova aposta da China
Enquanto consolida liderança em baterias e ímãs, a China acelera em mobilidade aérea avançada.
Estudos de entidades do setor projetam até 100 mil eVTOLs em operação no país até 2030, entre serviços de táxi aéreo e logística.
A expansão conta com apoio regulatório e financiamento do governo, mas ainda depende de infraestrutura adequada.
O tabuleiro geopolítico dos ímãs
O controle sobre mineração, refino e fabricação de ímãs torna-se alavanca geopolítica.
Com exportações condicionadas por licenças e uma trégua tarifária que vence em novembro, Pequim consegue calibrar a oferta.
Do outro lado, Washington tenta ganhar tempo, estimula produção doméstica e acena com tarifas punitivas se o abastecimento falhar.
A disputa não se resume a preços: envolve segurança nacional, transição energética e competitividade industrial.
O Brasil, dono de reservas relevantes e projetos emergentes, entra nesse jogo como fornecedor potencial de matéria-prima e parceiro em novas rotas de processamento.
Se os ímãs de terras raras são o novo “petróleo” da tecnologia, quem conseguirá firmar contratos, diversificar a cadeia e garantir volumes estáveis antes do próximo choque de oferta?