Disputa internacional sobre pagamentos digitais coloca o Pix no centro de investigação dos EUA, com pressão de empresas de cartões e resposta do governo brasileiro em defesa de sua soberania regulatória.
O governo dos Estados Unidos abriu uma investigação comercial sobre o Brasil que inclui serviços de pagamentos eletrônicos e levou o Pix ao centro de uma disputa com implicações regulatórias e geopolíticas.
A ofensiva ocorre sob a gestão de Donald Trump e atende a pleitos de setores representados por Visa e Mastercard, que alegam um ambiente de competição desigual frente ao sistema público brasileiro.
Enquanto isso, Brasília diz que não há discriminação e promete defender a soberania regulatória do Banco Central em meio a tarifas adicionais impostas por Washington e sanções a autoridades do país.
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O que está em jogo na investigação
Em julho, o Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR) iniciou um processo sob a Seção 301 para examinar políticas brasileiras em áreas como comércio digital e pagamentos eletrônicos.
Na prática, o procedimento pode culminar em novas tarifas ou restrições, caso Washington conclua que regras locais “oneram” empresas americanas.
A audiência pública de 3 de setembro reuniu entidades empresariais dos EUA e representantes brasileiros.
A U.S. Chamber of Commerce defendeu regras equivalentes para plataformas privadas que disputam espaço com o Pix, citando governança e transparência.
Já a Information Technology Industry Council (ITI) sustentou que a presença do Banco Central como operador e regulador criaria assimetria competitiva.
Do lado brasileiro, o embaixador Roberto Azevêdo, assessor da CNI, afirmou que o Pix não reduz concorrência; ao contrário, ampliou a inclusão financeira e tornou o varejo mais eficiente, beneficiando inclusive companhias americanas que operam no país.
A visão do Brasil e o papel do Banco Central
O governo brasileiro argumenta que as políticas de pagamentos não discriminam empresas estrangeiras e que qualquer plataforma pode ofertar serviços no país.
Ex-presidentes e técnicos do Banco Central têm salientado que o Pix foi concebido para estimular competição bancária e reduzir custos.
Em entrevista recente, Roberto Campos Neto – que comandava o BC no lançamento do Pix e hoje não está mais no cargo – enfatizou que a autoridade monetária não aufere lucro com a ferramenta e custeia sua manutenção como infraestrutura pública.
A atual gestão do BC tem ampliado funcionalidades.
O Pix Automático entrou em operação em junho de 2025, permitindo pagamentos recorrentes.
Além disso, o Pix Parcelado caminha para regulamentação nacional, padronizando uma modalidade já oferecida por instituições financeiras privadas.
A combinação dessas funções se aproxima de serviços tradicionalmente associados aos cartões e pode deslocar parte das transações, sobretudo no varejo.
Medidas econômicas e pressão política
O contencioso comercial se aprofundou com a aplicação de tarifas adicionais que somam 50% a produtos brasileiros, adotadas em agosto, e com sanções e revogações de vistos a autoridades do país em setembro.
Em paralelo, o Supremo Tribunal Federal condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro a mais de 27 anos de prisão por tentativa de golpe, decisão que elevou a tensão política entre os dois governos.
Brasília sustenta que a investigação da USTR tem caráter unilateral e deve respeitar foros multilaterais.
Ainda assim, afirma estar disposta a dialogar sobre segurança cibernética, interoperabilidade e padrões técnicos, desde que preservada a autonomia do regulador e o princípio de neutralidade tecnológica.
Por que o Pix incomoda concorrentes
O Pix tornou-se onipresente no cotidiano brasileiro desde 2020.
Cresceu com a digitalização na pandemia e passou a ser meio de pagamento majoritário em número de operações.
Em agosto de 2025, a rede movimentou cerca de R$ 3 trilhões no mês, segundo dados do mercado baseados nas estatísticas do Banco Central.
O número de pessoas cadastradas supera 160 milhões, com uso massivo em transferências entre indivíduos e pagamentos a comerciantes via QR Code.
A adoção elevada pressiona o modelo econômico de cartões.
Analistas calculam que cada ponto percentual de migração de transações dos cartões pode significar US$ 200 milhões a US$ 400 milhões a menos em tarifas.
Esse efeito tende a se acentuar com o avanço de recursos como pagamentos agendados, recorrentes e parcelados, que reduzem a vantagem histórica do crédito rotativo e do parcelado no cartão.
Argumentos de segurança e governança
As bandeiras e associações americanas pedem que o Pix siga padrões equivalentes de segurança cibernética e supervisão aplicados às empresas privadas, sob pena de “campo de jogo desigual”.
Defendem ainda separação clara entre funções de regulação e operação, para evitar acesso a informações sensíveis de concorrentes.
O Banco Central responde que cumpre normas internacionais de resiliência operacional, promove interoperabilidade entre participantes e adota governança multissetorial nas decisões técnicas.
Nesse ponto, a disputa deixa de ser apenas comercial e passa a discutir modelos de infraestrutura: sistemas públicos baseados em contas, como o Pix e o UPI indiano, versus redes privadas de cartões.
Em contextos de sanções, arranjos nacionais como o Mir russo também ganharam escala, o que alimenta o debate geopolítico sobre quem controla dados, padrões e custos de pagamento.
Consumidor, comércio e efeitos práticos
Para o usuário final, o Pix é gratuito nas transferências entre pessoas.
Para empresas, as tarifas costumam ser inferiores às taxas de desconto dos cartões.
No comércio, a liquidação instantânea reduz inadimplência e custo de cobrança.
Não obstante, os cartões de crédito seguem relevantes por vantagens como programas de milhagem, acesso a salas VIP e oferta de parcelamento sem juros pelo lojista.
Segundo pesquisa do Banco Central divulgada em 2024, 51,6% dos brasileiros utilizavam cartão de crédito, indicador que cresceu ante 2021, evidenciando convivência entre meios.
A regulamentação do Pix Parcelado tende a reordenar essa fronteira.
Ao padronizar o produto e deixar as taxas de juros a cargo de cada instituição, o BC busca transparência para o consumidor e mais competição entre ofertantes de crédito.
Bancos e adquirentes, por sua vez, avaliam impacto em receitas de cartões e discussões sobre interoperabilidade entre arranjos.
Soberania digital e campanha doméstica
No Brasil, o debate ganhou contornos de soberania digital.
O Palácio do Planalto e o BC passaram a defender publicamente o Pix como política de Estado e ativo estratégico de inclusão.
Em eventos recentes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou as bandeiras: “Qual é a preocupação delas? É que, se o Pix dominar o mundo, os cartões de crédito vão desaparecer”.
O governo também tem sinalizado campanhas de esclarecimento para rebater desinformação e reforçar boas práticas de segurança.
A médio prazo, a disputa deve se deslocar para fóruns técnicos e jurídicos.
De um lado, empresas globais pedem previsibilidade e paridade regulatória.
De outro, autoridades brasileiras afirmam que não abrirão mão de um sistema que barateou pagamentos, trouxe milhões à formalidade e dinamizou o e-commerce.
Em meio a tarifas, sanções e agendas eleitorais, a pergunta que sobra é se haverá espaço para convergência de padrões sem desmontar o que já funciona no Brasil: os EUA aceitarão o Pix como referência internacional ou dobrarão a aposta para proteger o ecossistema de cartões?