Nos Estados Unidos, calçadas padronizadas e duráveis são resultado de planejamento urbano e manutenção técnica. No Brasil, mesmo com normas e profissionais qualificados, o improviso ainda predomina e compromete a mobilidade urbana.
Calçadas de concreto técnico, padronizadas e contínuas são comuns na América do Norte e podem alcançar vida útil de décadas, de acordo com especialistas em engenharia urbana.
No Brasil, embora existam normas e profissionais capacitados, a prática predominante ainda resulta em passeios irregulares, fragmentados e inseguros, o que afeta diretamente a mobilidade e a saúde pública.
Segundo reportagem publicada pelo canal Elementar, essa diferença estrutural não se explica pela falta de conhecimento técnico, mas por uma série de decisões históricas e administrativas que afastaram o pedestre do centro do planejamento urbano.
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O país possui normas e profissionais qualificados, mas continua repetindo um modelo de improviso e descontinuidade.
O que define uma boa calçada
Em cidades norte-americanas e canadenses, predomina o modelo em laje moldada sobre base preparada, com juntas e subleito especificados para drenagem.
A pavimentação busca superfície uniforme, inclinações controladas e acessibilidade em esquinas e travessias.
Em muitos municípios, empreiteiros identificam o ano de execução no próprio concreto, o que facilita o controle de qualidade e a fiscalização ao longo do tempo.
No Brasil, a base técnica existe.
A ABNT NBR 9050 estabelece parâmetros de acessibilidade, como faixa livre de circulação, inclinações máximas e rebaixamentos de guia.
Outras normas orientam materiais e drenagem, incluindo soluções permeáveis.
Na prática, porém, a aplicação é desigual: a cada lote o padrão muda, com trechos em cerâmica quebradiça, cimento irregular, pedras soltas ou até gramado, sem continuidade nem fiscalização eficaz, segundo engenheiros especializados em infraestrutura urbana.
Planejamento urbano e comparação internacional
A discussão não se limita à durabilidade do material.
Em vários centros europeus, caminhar é parte do desenho urbano.
Calçadas largas, alinhadas a ruas estreitas e arborizadas, conectadas a praças e equipamentos públicos, tornam o deslocamento a pé mais seguro e confortável.
Muitas áreas centrais são exclusivas para pedestres, e o carro ocupa papel secundário.
De acordo com a apuração do canal Elementar, cidades como Utrecht, na Holanda, demonstram que é possível combinar urbanismo histórico com infraestrutura moderna voltada às pessoas.
Ali, andar a pé ou de bicicleta é considerado parte essencial da experiência urbana.
O exemplo europeu reforça que a longevidade das calçadas está diretamente ligada ao planejamento contínuo e à prioridade dada ao pedestre, segundo urbanistas ouvidos pelo canal.
Nos Estados Unidos, o avanço do automóvel no século XX substituiu bondes e estreitou a experiência do pedestre em muitas cidades.
Ainda assim, quando a calçada existe e segue padrão técnico, a qualidade construtiva costuma ser alta, conforme especialistas em mobilidade urbana.
No Canadá, grandes cidades combinam trechos históricos com infraestrutura moderna, priorizando superfície contínua, mobiliário e acessibilidade.
A diferença central está menos no país e mais na gestão pública do espaço e na consistência dos padrões, conforme avaliação de urbanistas.
Legislação e responsabilidade pelas calçadas
Um ponto crítico é a responsabilidade pela obra.
No Brasil, a calçada é espaço público, mas a obrigação de construir e manter recai sobre o proprietário do imóvel.
Isso gera mosaicos de materiais, rampas de garagem que ocupam toda a largura do passeio e desníveis sucessivos.
A ausência de padronização territorial e de inspeções sistemáticas expõe pedestres a riscos e transfere ao cidadão um custo coletivo, segundo análise de pesquisadores da área de direito urbano.
Em outros países, ainda que o morador participe, há padrões rígidos, prazos e fiscalização integrados à gestão municipal.
Quando o poder público assume diretamente trechos estratégicos — como entornos de hospitais, escolas e corredores de transporte — a continuidade melhora, e o benefício se estende à rede, de acordo com especialistas em planejamento urbano.
O canal Elementar também apontou que, em países como o Canadá, há calçadas com data de fabricação gravada no concreto, um recurso que simboliza o compromisso com a manutenção e a durabilidade.
No Brasil, a ausência desse tipo de controle contribui para a degradação precoce e a falta de responsabilização sobre reparos.
Impactos sociais e de saúde pública
Passeios mal executados aumentam o risco de quedas, especialmente entre idosos e pessoas com mobilidade reduzida.
Hospitais registram atendimento frequente a vítimas de tombos em vias públicas, e estudos nacionais de mobilidade indicam que o deslocamento a pé segue entre os mais praticados nas cidades brasileiras.
Ainda assim, infraestrutura segura e conectada é exceção, segundo levantamento da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP).
Pesquisas anteriores realizadas por organizações civis já registraram notas baixas para a qualidade das calçadas em várias capitais, com maioria dos trechos avaliados abaixo do aceitável.
Além dos obstáculos físicos, pesam fatores “invisíveis”, como ruído, poluição, iluminação insuficiente e rotas desconexas, que desestimulam o hábito de caminhar e ampliam o isolamento de quem mais depende do passeio, segundo especialistas em mobilidade ativa.
Onde estão os principais desafios
Entre os principais problemas estão o planejamento insuficiente, a execução deficiente e a falta de manutenção contínua, conforme engenheiros e urbanistas.
Projetos isolados por lote ignoram a rede de pedestres como sistema, a base é muitas vezes mal compactada e a drenagem é deficiente, o que reduz a vida útil e causa recalques após as primeiras chuvas.
O Elementar também destacou que a responsabilidade individual do morador sobre o trecho da calçada tende a produzir resultados desiguais, com pisos, alturas e materiais diferentes.
Sem gestão centralizada e fiscalização ativa, o espaço público perde continuidade e acessibilidade.
A prioridade histórica dada ao automóvel reforça esse padrão.
Avenidas largas, travessias extensas e calçadas estreitas são comuns em boa parte das metrópoles brasileiras.
Quando políticas de mobilidade ativa são propostas, frequentemente enfrentam disputas institucionais sobre competências e fontes de financiamento, conforme avaliação de pesquisadores da área.
Caminhos possíveis para melhorar as calçadas brasileiras
Uma das soluções apontadas por especialistas é tratar a calçada como infraestrutura urbana essencial, assim como iluminação, drenagem e saneamento.
Isso implica planejamento de rede, orçamento dedicado, padrões únicos por bairro e fiscalização regular.
Municípios podem adotar modelos híbridos, em que o poder público define projetos e padrões técnicos, enquanto os moradores executam dentro de prazos e sob supervisão municipal.
Em regiões sensíveis — como áreas escolares, hospitalares e turísticas —, a prefeitura pode assumir diretamente.
Outra alternativa é adotar gestão descentralizada por bairros, com subprefeituras ou consórcios locais responsáveis por fundos de manutenção de passeios e mobiliário urbano.
Essa organização aproxima a decisão do problema e agiliza soluções, mantendo o padrão técnico estabelecido.
Técnica existe, mas falta continuidade
O Brasil dispõe de engenheiros, arquitetos, urbanistas e normas consolidadas.
A diferença entre calçadas que duram décadas e passeios que se desgastam em poucos anos está em três fatores principais, segundo especialistas: projeto completo, com base e drenagem adequadas; execução qualificada, com controle de materiais; e manutenção programada, com resposta rápida a danos e interferências.
Onde esses elementos se alinham, a durabilidade aumenta e o custo de ciclo de vida diminui.



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