A Petrobras enfrenta impasses nas vendas de campos de petróleo em águas rasas após a ANP barrar testes de produção, elevando os custos de descomissionamento e atrasando desinvestimentos estratégicos
A Petrobras enfrenta graves obstáculos nas vendas de campos de petróleo em águas rasas, de acordo com reportagem exclusiva publicada pela Bloomberg Línea nesta terça-feira (4). A estatal brasileira buscava repassar parte de seus ativos maduros a empresas menores, como parte de sua estratégia de desinvestimento, mas esbarrou em entraves regulatórios e financeiros.
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) rejeitou pedidos de autorização da Petrobras para realizar testes de retomada de produção em 13 campos offshore. Sem essa liberação, o processo de venda foi travado.
Além disso, os custos de descomissionamento — a desmontagem e retirada de plataformas antigas — representam um enorme desafio financeiro, estimado em bilhões de dólares. Essa combinação de entraves regulatórios e altos custos ameaça o cronograma de desinvestimentos da estatal.
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Obstáculos nas vendas de campos da Petrobras
A reportagem da Bloomberg Línea revela que a Petrobras tentou vender participações de controle em um grupo de campos de petróleo em águas rasas, localizados próximos à costa de Sergipe.
O objetivo era reduzir o passivo relacionado ao descomissionamento de plataformas antigas e liberar recursos para investimentos em projetos mais lucrativos em águas profundas e ultraprofundas.
Contudo, o plano sofreu um revés significativo. Em agosto de 2025, a ANP negou a solicitação da Petrobras para testar a retomada da produção em 13 campos, etapa necessária para demonstrar viabilidade técnica e comercial a potenciais compradores.
Sem os testes, os interessados não conseguiram avaliar o real potencial dos ativos. O resultado foi o fracasso das negociações de venda, interrompendo um processo que fazia parte da estratégia de redução de portfólio da companhia.
De acordo com fontes consultadas pela Bloomberg, a estatal avalia o impacto da decisão regulatória em seu plano de negócios 2025–2029, que prevê desinvestimentos em ativos não estratégicos.
Custos de descomissionamento bilionários pressionam a Petrobras
O descomissionamento de plataformas é um dos grandes gargalos para empresas que atuam em produção offshore. No caso da Petrobras, a situação é especialmente sensível: há dezenas de unidades antigas em processo de desativação, muitas delas em águas rasas.
Na região de Sergipe, por exemplo, o desmantelamento de 26 plataformas pode custar cerca de US$ 1,7 bilhão — segundo estimativas internas da companhia citadas pela Bloomberg Línea.
O valor expressivo se soma a uma tendência global. Um estudo da consultoria Wood Mackenzie prevê que os gastos com descomissionamento offshore devem ultrapassar US$ 15 bilhões por ano até 2033, à medida que mais campos maduros chegam ao fim de sua vida útil produtiva.
Esses custos reduzem a rentabilidade dos ativos e tornam o processo de venda ainda mais difícil. Empresas menores, que seriam potenciais compradoras, tendem a evitar assumir passivos tão altos.
Assim, a Petrobras fica diante de um dilema: vender com deságio e manter parte da responsabilidade ambiental, ou arcar integralmente com os custos de encerramento das operações.
ANP reforça rigor regulatório nas autorizações de produção
A negativa da ANP para a retomada de produção nos campos em águas rasas reflete uma postura mais rigorosa da agência quanto às condições técnicas e ambientais das instalações.
Segundo a Bloomberg, a decisão ocorreu porque parte das plataformas apresentava problemas estruturais e riscos operacionais. Além disso, a ANP considera essencial garantir que os operadores cumpram suas obrigações de descomissionamento e recomposição ambiental antes de transferir ativos para novas empresas.
Essa posição segue uma tendência de maior controle regulatório no setor. O órgão vem reforçando as exigências de planos detalhados de abandono, recuperação de poços e descarte de estruturas, a fim de evitar passivos ambientais e prejuízos futuros à União.
Para a Petrobras, isso representa um obstáculo adicional, pois exige mais investimentos prévios para adequar os campos antes de qualquer nova tentativa de venda.
Vendas de campos em águas rasas: estratégia da Petrobras
A estratégia de desinvestimento da Petrobras tem como objetivo reduzir a presença da estatal em campos maduros e menos rentáveis, concentrando esforços em águas profundas, onde possui maior vantagem tecnológica e margens mais elevadas.
Em 2023, a Petrobras obteve US$ 3,606 milhões com vendas de ativos, conforme seu relatório anual. Parte significativa desses recursos veio da alienação de participações em campos terrestres e offshore em bacias maduras, como Potiguar e Campos.
Contudo, a nova fase do programa encontra mais resistência. Além das dificuldades técnicas e regulatórias, há questionamentos políticos e ambientais sobre a continuidade das privatizações no setor de energia.
O governo federal, principal acionista da Petrobras, tem defendido uma atuação mais voltada à soberania energética e à transição sustentável. Isso pode tornar os processos de desinvestimento mais seletivos e lentos.
Mesmo assim, especialistas afirmam que o descomissionamento de ativos é inevitável. Plataformas antigas representam custos crescentes de manutenção e riscos ambientais. Sem compradores dispostos, o peso financeiro recai integralmente sobre a estatal.
O desafio dos custos e o futuro da política de desinvestimentos
A Petrobras já incorporou parte dos custos de descomissionamento em seu Plano Estratégico 2025–2029, que também inclui investimentos em novas frentes de energia, como biocombustíveis e eólicas offshore.
Segundo analistas do setor, o principal desafio será equilibrar o investimento em inovação e transição energética com as despesas obrigatórias de encerramento de operações antigas. Além disso, o aumento dos custos globais com logística e mão de obra especializada em descomissionamento pressiona ainda mais o orçamento.
De acordo com estimativas da Offshore Energies UK (OEUK), os custos de descomissionamento offshore aumentaram entre 10% e 15% desde 2020. Para a Petrobras, cada atraso em processos de venda significa mais despesas operacionais, impactando o caixa e a previsibilidade de investimentos.
Repercussão e próximos passos no mercado energético brasileiro
Embora a Petrobras não tenha detalhado publicamente os efeitos financeiros da decisão da ANP, fontes ouvidas pela Bloomberg Línea afirmam que a empresa estuda revisar o cronograma de alienações de ativos e buscar alternativas de parceria.
Uma das possibilidades seria formar consórcios com empresas de médio porte, que possam assumir parte dos campos sob condições específicas. Outra opção é licitar novamente os ativos em rodadas futuras da ANP, já adequados às normas de segurança e descomissionamento.
A agência, por sua vez, sinalizou que pode incluir alguns desses campos em editais de oferta permanente, permitindo a reentrada de novos operadores após cumprimento das exigências ambientais.
Para investidores, o episódio serve como alerta sobre o alto custo de ativos maduros e a complexidade regulatória do setor de petróleo brasileiro. O mercado de águas rasas, antes visto como oportunidade, torna-se cada vez mais desafiador.
Analistas também destacam que a postura da ANP reforça a credibilidade regulatória do país, algo essencial para atrair investimentos de longo prazo. Entretanto, a curto prazo, o impasse deve frear o ritmo de desinvestimentos da Petrobras e pressionar seus resultados financeiros no segmento de exploração e produção.
Perspectivas para a Petrobras e o setor de petróleo no Brasil
O caso evidencia o dilema enfrentado por grandes produtoras de petróleo em todo o mundo: como equilibrar desinvestimentos, transição energética e responsabilidade ambiental.
A Petrobras, embora disponha de expertise técnica e recursos para executar projetos de grande porte, enfrenta limitações estruturais quando o assunto é o fim da vida útil de ativos antigos.
Com campos de petróleo em águas rasas cada vez menos produtivos e custos de descomissionamento elevados, a empresa precisa reavaliar suas estratégias de longo prazo. Uma eventual desaceleração nas vendas pode afetar não apenas o fluxo de caixa, mas também o ritmo de renovação de sua matriz de exploração.
Especialistas preveem que, nos próximos anos, a Petrobras buscará novos modelos de parceria com empresas privadas e fundos de investimento, compartilhando riscos e responsabilidades ambientais.
Em um cenário global de transição energética, a estatal precisará conciliar suas metas de descarbonização com o legado de infraestrutura offshore. O futuro da companhia dependerá de sua capacidade de gerir esse equilíbrio — entre o passado produtivo e o custo do encerramento.



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