Supremo confirma execução extrajudicial e permite retomada de imóveis em atraso diretamente em cartório, reduzindo prazos de anos para semanas e alterando de forma significativa a dinâmica do crédito imobiliário no país.
Em decisão considerada histórica, o Supremo Tribunal Federal confirmou a validade da execução extrajudicial de garantias prevista no Marco Legal das Garantias (Lei 14.711/2023).
O entendimento permite que bancos e credores retomem imóveis dados em alienação fiduciária diretamente no cartório quando houver inadimplência.
A decisão, publicada no final de julho, apreciou as ADIs 7.600, 7.601 e 7.608 e formou maioria de 9 votos a 2 pela constitucionalidade do procedimento.
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Na prática, a retomada do bem deixa de depender de ação judicial e passa a seguir um rito administrativo previsto na Lei 9.514/1997.
Com a mudança, o processo de consolidação da propriedade no nome do credor ocorre em cartório após a intimação do devedor e o decurso do prazo legal para quitação da dívida.
A partir da notificação, que pode ser feita por correio ou por meio eletrônico rastreável, o devedor tem 15 dias para purgar a mora — isto é, quitar integralmente parcelas vencidas, juros e encargos.
Se não houver pagamento nesse período, a propriedade é consolidada no nome do credor e o imóvel segue para leilão, inicialmente com lance mínimo.
Caso não apareça comprador, realiza-se um segundo leilão sem preço de reserva.
O efeito imediato é uma redução expressiva do tempo entre a inadimplência e a retomada: estimativas citadas no setor apontam queda de cerca de 18 meses (via ação judicial) para algo próximo de 60 dias no rito cartorário.
O que muda na prática com a decisão
O cartório assume o papel operacional que antes dependia do Judiciário.
O Supremo entendeu que o oficial de registro atua como agente imparcial, assegurando notificação válida e contraditório mínimo.
A consolidação não impede que o devedor recorra à Justiça.
Permanece a possibilidade de ajuizar ação revisional ou consignatória mesmo depois da transferência da propriedade, discutindo cláusulas, encargos ou eventuais abusos.
A abrangência é ampla.
Entram no novo rito os imóveis financiados por alienação fiduciária no Sistema Financeiro Imobiliário, as hipotecas firmadas após a entrada em vigor da Lei 14.711/2023 e também veículos e máquinas agrícolas dados em garantia.
O impacto mais visível tende a ocorrer no mercado habitacional, que já funciona majoritariamente com garantia fiduciária e, segundo a Abecip, registrou quase 500 mil contratos no primeiro semestre de 2025.
No plano operacional, o procedimento cartorário passa a exigir atenção redobrada do mutuário.
Endereço, e-mail e telefone cadastrados junto ao registro de imóveis precisam estar atualizados, já que intimação digital produz efeitos legais.
A orientação de especialistas é monitorar comunicações oficiais, conservar comprovantes de pagamento e, em caso de atraso, negociar antes do fim do prazo de 15 dias.
Direitos do devedor ainda são preservados
Embora o caminho extrajudicial acelere a retomada, garantias processuais não foram descartadas.
Quem recebe a notificação e entende haver cobrança indevida pode apresentar defesa administrativa ao cartório, reunir documentação e levar a discussão ao Judiciário — inclusive após o leilão, por meio de ações próprias, quando cabível.
A purgação da mora em até 15 dias encerra o procedimento, com retorno do imóvel à situação regular.
Instituições financeiras, por sua vez, são instadas a manter canais de renegociação acessíveis, medida estimulada por diretrizes regulatórias do Banco Central.
Impactos diretos para bancos e mutuários
Para bancos e fintechs, o reconhecimento da execução extrajudicial reduz custos, encurta prazos e diminui risco de crédito.
Isso tende a refletir em carteiras mais saudáveis e, potencialmente, em spreads menores para perfis adimplentes.
Cartórios de Registro de Imóveis passam a desempenhar papel central na consolidação e nos leilões, com incremento de demanda e receitas ligadas ao trâmite.
Mutuários que mantêm as prestações em dia podem se beneficiar de maior previsibilidade e de políticas de crédito mais competitivas.
Já devedores em atraso perdem a chamada “última trincheira” de alongar o processo pela via judicial.
O tempo para reagir fica curto, exigindo organização documental e ação imediata para evitar a perda do bem.
Linha do tempo da decisão do STF
O julgamento foi encerrado em 30 de junho de 2025 no plenário virtual do STF, que analisou três ações diretas de inconstitucionalidade voltadas a dispositivos do Marco Legal das Garantias.
A divulgação do resultado ocorreu em 22 de julho de 2025, consolidando o entendimento pela constitucionalidade da execução extrajudicial de bens em garantia, inclusive imóveis alienados fiduciariamente.
Esse posicionamento reforça precedentes do próprio STF e do STJ que já admitiam revisão judicial posterior, sem anular o rito administrativo quando observadas as formalidades legais.
Reações de especialistas no setor imobiliário
A decisão foi recebida como um sinal de desjudicialização de conflitos de crédito e de maior alinhamento do Brasil a práticas internacionais.
O professor Henrique Silveira, da FGV Direito SP, afirmou que o entendimento do Supremo “desafoga 120 mil execuções imobiliárias em andamento e aproxima o país da média da OCDE de 90 dias para retomada de garantia”.
Na avaliação da advogada Marina Corrêa, que atuou nas ações, houve “vitória parcial do consumidor”, pois o tribunal teria vedado práticas abusivas na busca e apreensão e exigido notificação eletrônica rastreável para reforçar a segurança do procedimento.
Próximos passos para regulamentação e tecnologia
A tendência é de regulamentação nacional dos atos de intimação e consolidação pelo Conselho Nacional de Justiça, com padronização a ser definida por provimento específico.
Sistemas cartorários devem se integrar ao ONR/RI Digital para permitir registro da consolidação e realização de leilão eletrônico, ampliando transparência e competição.
Enquanto as regras são uniformizadas, interessados são aconselhados a consultar o cartório local sobre fluxos de intimação, formatos aceitos de comunicação e cronogramas de leilão na comarca.
Orientações práticas para quem tem imóvel financiado
Quem financiou um imóvel por alienação fiduciária precisa adotar postura preventiva.
Em caso de atraso, é crucial calcular os encargos, verificar a exatidão da cobrança e abrir negociação com a instituição antes do esgotamento do prazo legal.
Vale também manter cadastro ativo em plataformas eletrônicas do respectivo cartório, onde houver, para acompanhar notificações oficiais.
Se a dívida for discutível, buscar assistência jurídica rapidamente pode preservar direitos e evitar custos adicionais.
Por que essa decisão importa para o consumidor
A validação do rito extrajudicial encurta de forma drástica o intervalo entre o primeiro inadimplemento e a perda do imóvel.
Esse encadeamento mais veloz impõe disciplina contratual, atenção ao prazo de 15 dias e preparação documental contínua.
Ao mesmo tempo, pressiona credores a oferecerem renegociação efetiva e a observarem padrões de notificação que assegurem ciência inequívoca do devedor.
Em um ambiente de crédito mais previsível, quem conhece o passo a passo do procedimento reduz riscos e ganha tempo para agir — você já verificou se seus dados de contato estão corretos no cartório da sua matrícula?