Países endividados recorrem ao yuan e ao franco suíço para reduzir custos com dívidas externas em meio à alta dos juros nos EUA e à busca por alternativas ao financiamento em dólar.
Países endividados estão trocando parte das dívidas em dólar por financiamentos em moedas com juros mais baixos, como o yuan e o franco suíço, para reduzir custos num cenário de aperto monetário nos Estados Unidos.
A reorientação é puxada por governos como Quênia, Sri Lanka e Panamá, e ganha tração à medida que o encarecimento do crédito em dólar eleva o serviço da dívida e pressiona orçamentos.
Juros altos nos EUA aumentam o custo do dólar
A política do Federal Reserve, com a faixa alvo dos Fed Funds entre 4,25% e 4,50%, encarece novas emissões em dólar mesmo quando os spreads de risco dos emergentes estão em níveis historicamente baixos.
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Segundo Armando Armenta, vice-presidente de pesquisa econômica global da AllianceBernstein, “o elevado nível das taxas de juros e a acentuada curva de rendimentos dos Treasuries tornaram o financiamento em dólar mais oneroso para os emergentes, mesmo com spreads relativamente contidos”.
Para ele, trata-se de um movimento de alívio: “são medidas temporárias”, que exigem foco em reduzir necessidades de financiamento no curto prazo.

Yuan cresce com apoio da China
A busca por empréstimos em yuan cresce especialmente em países com obras financiadas no âmbito da Iniciativa do Cinturão e Rota, programa de cerca de US$ 1,3 trilhão voltado a infraestrutura.
Embora não haja estatísticas consolidadas de novas dívidas em renminbi — por serem tratadas, em grande parte, em acordos bilaterais — dois casos ganharam destaque recente.
No Quênia, o Tesouro informou em agosto que negocia com o China ExIm Bank a conversão para yuan dos pagamentos de um empréstimo em dólar ligado ao projeto ferroviário de US$ 5 bilhões, que pesa no orçamento.
Já no Sri Lanka, o presidente comunicou ao Parlamento que o governo busca empréstimos em yuan para concluir uma rodovia estratégica, após o default de 2022 interromper obras e restringir o acesso a financiamentos tradicionais.
Para Thilina Panduwawala, economista da consultoria Frontier Research, sediada em Colombo, “o custo do financiamento pode ser o motivo da conversão para yuan”, em referência à diferença de juros.
A taxa de recompra reversa de 7 dias na China está em 1,40%, bem abaixo da faixa americana.
Franco suíço vira alternativa barata
Enquanto isso, o franco suíço reapareceu como fonte de crédito barato. O Banco Nacional da Suíça cortou sua taxa básica para 0% em junho, reduzindo o custo de captação em moeda suíça.
O Panamá contratou o equivalente a quase US$ 2,4 bilhões em empréstimos em francos suíços na rede bancária em julho, numa estratégia para enfrentar o déficit e preservar o grau de investimento.
Segundo o ministro das Finanças, Felipe Chapman, o acesso a linhas mais baratas gerou economia superior a US$ 200 milhões em comparação a emissões em dólar, com proteção cambial para mitigar oscilações. A Colômbia também se move nessa direção.
Na semana passada, um consórcio de bancos lançou uma oferta de recompra de títulos colombianos com desconto — passo visto por investidores como parte de uma estrutura para viabilizar um empréstimo em francos suíços, usando a dívida existente como garantia.
O Ministério da Fazenda havia sinalizado em junho que pretende diversificar o endividamento externo para além do dólar.
Andres Pardo, estrategista-chefe para América Latina da XP Investments, estimou que a Colômbia poderia captar a taxas de cerca de 1,5% em franco suíço para recomprar dívidas em dólar com rendimentos de 7% a 8%, além de títulos em pesos que pagam até 12%.

Riscos cambiais permanecem
A migração para moedas de juros mais baixos reduz a conta de juros no curto prazo, mas não elimina riscos cambiais.
Muitos governos têm receitas em dólar — ou em moeda local — e, ao tomarem dívida em yuan ou franco suíço, precisam contratar hedge para se proteger de depreciações inesperadas.
Esse custo adicional pode corroer parte do benefício de captar barato. Há ceticismo, ainda, sobre o alcance estrutural do yuan.
Yufan Huang, pesquisador da China-Africa Research Initiative, da Universidade Johns Hopkins, afirma que o avanço continua limitado: “mesmo agora, quando as taxas do yuan estão mais baixas, muitos tomadores continuam hesitantes”. Segundo ele, as operações seguem caso a caso, a exemplo do Quênia.
Dólar ainda é o mercado central
Investidores observam que, embora emissões em francos suíços e empréstimos em yuan aliviem o caixa de países sob estresse, essa rota não substitui o acesso ao robusto mercado público de títulos em dólar.
“São medidas úteis para limpar perfis de vencimentos”, disse um gestor de fundos de dívida de emergentes, ponderando que a reabertura dos mercados em dólar segue essencial para financiamento de longo prazo.
O histórico ajuda a explicar o momento. Muitos empréstimos da década de 2010 ligados ao Cinturão e Rota foram firmados em dólar, quando os juros nos EUA eram baixos.
Com a alta recente, o custo subiu e a busca por diversificação se intensificou — inclusive com trocas de dívida, recompras e captações bancárias em moedas alternativas.
Empresas seguem o mesmo caminho
O impulso não se limita a governos. Companhias de mercados emergentes ampliaram este ano a emissão de títulos em euros, que chegou a US$ 239 bilhões até julho, um recorde na série citada por bancos internacionais.
Ainda assim, o estoque de títulos corporativos em dólar dos emergentes permanece dominante, em torno de US$ 2,5 trilhões, o que mostra a resiliência do mercado ancorado na moeda americana.
O futuro do financiamento em moedas alternativas
Enquanto os juros nos EUA seguirem elevados e a curva de Treasuries mantiver inclinação acentuada, a aritmética favorece moedas de menor custo.
Por outro lado, volatilidade cambial, liquidez e a necessidade de hedge impõem freios e lembram que as soluções “baratas” carregam riscos próprios.
Nesse cenário, a questão central passa a ser: trata-se apenas de um alívio tático ou estamos assistindo ao início de uma mudança estrutural na forma como os emergentes financiam suas dívidas externas?