O crescimento acelerado dos atacarejos tem transformado o varejo nacional, gerando impactos econômicos e urbanos pouco discutidos. Descubra como esse fenômeno altera a concorrência, tributos e o cotidiano das cidades brasileiras.
O avanço dos atacarejos vem redesenhando o varejo brasileiro e transformando a paisagem das cidades nas últimas décadas.
Estruturas imponentes, com grandes corredores e mercadorias empilhadas em paletes, tornaram-se símbolo de um novo jeito de consumir no país.
A promessa principal desses empreendimentos é clara: proporcionar preços mais acessíveis ao consumidor final, além de criar postos de trabalho e movimentar a economia local.
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No entanto, a expansão acelerada desse modelo levanta dúvidas importantes sobre o impacto real para a sociedade, especialmente quando se analisam os incentivos fiscais envolvidos, a concorrência com o comércio tradicional e a reorganização urbana necessária para abrigar essas megas lojas.
O que é o atacarejo e por que cresce tanto?
Segundo informações originalmente apresentadas no canal do YouTube Elementar, o formato atacarejo – uma combinação de atacado e varejo – ganhou força principalmente após a crise econômica de 2014, quando o poder de compra da população recuou e o consumo precisou ser repensado.
De acordo com dados apresentados no vídeo, mais de 43 milhões de lares brasileiros já compram regularmente em atacarejos, número que demonstra o alcance dessa modalidade.
Apenas nos últimos cinco anos, cerca de 1.000 novas lojas foram inauguradas em todo o território nacional, reforçando a tendência de crescimento rápido, conforme destacou o autor do canal.
O apelo dos preços baixos e as mudanças no consumo
O apelo principal está nos preços competitivos.
Para viabilizar essa economia, o modelo aposta em estruturas simplificadas: ausência de serviços como padaria, açougue ou hortifrúti em boa parte das lojas, poucos funcionários e oferta restrita de formas de pagamento.
Segundo o canal citado, no início, era comum aceitar apenas dinheiro e débito, mas nos últimos anos, o setor também aderiu ao crédito, aproximando ainda mais a experiência do consumidor daquela vivida em supermercados tradicionais.
O termo “hiperatacarejo” já é utilizado para descrever unidades que, mantendo a proposta de preços baixos e venda em grandes volumes, passaram a oferecer climatização, espaços organizados e serviços adicionais, elevando custos operacionais e, em alguns casos, repassando parte desse custo ao cliente.
Investimento das grandes redes e mudança no perfil dos clientes
O crescimento do setor atraiu investimentos robustos de grandes grupos empresariais.
O Assaí Atacadista ultrapassou a marca de R$ 20 bilhões em vendas trimestrais em 2025, enquanto o Grupo Mateus registrou um crescimento superior a 20% em apenas um trimestre.
Conforme destacado no canal Elementar, as maiores redes concentram suas unidades fora das regiões centrais, onde o acesso é facilitado para quem possui automóvel.
Isso faz com que as classes A e B, tradicionalmente associadas a supermercados premium, também frequentem atacarejos, ao lado de consumidores das classes C, D e E, que passaram de 51% de participação em 2022 para mais de 63% em 2024, segundo levantamento da consultoria NielsenIQ.
Concorrência, incentivos fiscais e impacto no comércio tradicional
Apesar do avanço dos atacarejos ser frequentemente associado à ideia de progresso, seus impactos vão além do benefício imediato ao consumidor.
Pequenos comércios, mercearias de bairro e supermercados de médio porte vêm perdendo espaço e, em muitos casos, fechando as portas diante da concorrência desigual.
O fenômeno é reforçado por uma questão tributária: em diversos estados, esses estabelecimentos operam sob regimes especiais de tributação, com ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) reduzido a até 1% em operações interestaduais.
Supermercados tradicionais, sem acesso aos mesmos benefícios, enfrentam uma desvantagem que se reflete na rentabilidade e na sobrevivência de seus negócios.
Efeitos do canibalismo de mercado no setor alimentício
Dados da Varejo 360, empresa de monitoramento de mercado, apontam que, mesmo com melhora nos índices de inflação e emprego em São Paulo em 2023, a receita real dos supermercados caiu, impactada diretamente pela competição com os atacarejos.
Esse cenário de “canibalismo de mercado” tem resultado em fechamento de lojas, redução de postos de trabalho em segmentos tradicionais e mudanças no perfil do varejo alimentar brasileiro.
Segundo o relato apresentado no canal Elementar, redes como Hirota e Dia já anunciaram encerramento de unidades ou até venda de operações por não conseguir competir nas mesmas condições.
Mudanças urbanas e custos para as cidades
Além da disputa comercial, as cidades são obrigadas a adaptar sua infraestrutura para receber esses empreendimentos.
Vias largas, acessos logísticos, iluminação reforçada e adaptações no trânsito são exigências comuns para abrigar grandes lojas de atacarejo.
Conforme analisou o canal, essas adequações, muitas vezes custeadas pelo poder público, resultam em aumento das despesas municipais, principalmente quando as lojas são instaladas em regiões periféricas, historicamente carentes de investimentos.
Mesmo em bairros consolidados, o fluxo intenso de caminhões e consumidores pode acelerar o desgaste da infraestrutura, elevando os gastos com manutenção sem garantia de contrapartida proporcional em arrecadação.
Incentivos fiscais: distorções e questionamentos
A discussão sobre incentivos fiscais é recorrente.
Especialistas como Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal, destacam que os benefícios tributários tendem a distorcer a lógica de distribuição no país, levando empresas a escolherem a localização de seus centros de distribuição pelo volume de incentivos, e não pela eficiência logística.
Para o ex-deputado Alexis Fonteyne, essa prática contribui para o aumento do trânsito de caminhões em busca de vantagens tributárias, elevando custos nacionais e criando dependência de subsídios que podem não ser sustentáveis a longo prazo.
Empregos gerados: quantidade e qualidade em debate
No aspecto social, o discurso da geração de empregos é frequentemente utilizado para justificar a expansão dos atacarejos.
Em Olinda (PE), por exemplo, a inauguração de uma loja com 4.300 metros quadrados gerou 350 empregos diretos.
No entanto, de acordo com a análise trazida no canal Elementar, grande parte dessas vagas é destinada a funções operacionais, como operador de caixa e estoquista, com poucas oportunidades de crescimento ou qualificação profissional relevante.
O cenário evidencia um questionamento sobre a qualidade dos empregos oferecidos, tema que tem chamado a atenção de economistas e gestores públicos.
Resistência internacional e risco de “elefantes brancos”
Internacionalmente, experiências semelhantes já despertam resistência.
Na França, o Grupo Carrefour enfrentou forte oposição ao tentar instalar um atacadão em Sevran, na região metropolitana de Paris.
Lideranças locais argumentaram que o projeto de baixo custo ameaçaria empregos, prejudicaria o comércio regional e comprometeria planos urbanos voltados à sustentabilidade.
Outro ponto de atenção é a possibilidade de saturação do modelo.
Embora o Brasil ainda viva a fase de expansão dos atacarejos, exemplos dos Estados Unidos indicam que grandes estruturas podem se tornar obsoletas com o tempo, gerando o fenômeno dos “elefantes brancos” – galpões comerciais abandonados, sem nova destinação, que passam a representar um desafio para a administração urbana.
Benefícios e dilemas para pequenos comerciantes
É importante ressaltar que o modelo atacarejo também trouxe benefícios ao facilitar o acesso da população a produtos alimentícios a preços menores, especialmente em momentos de crise econômica.
Pequenos comerciantes encontram nesses estabelecimentos uma alternativa para abastecer seus negócios com custos mais baixos, favorecendo a manutenção de microempresas em meio às dificuldades do cenário econômico brasileiro.
O verdadeiro custo dos atacarejos no Brasil
A questão central permanece: ao incentivar fiscalmente apenas um segmento, municípios e estados acabam reforçando um jogo desigual, em que poucos players concentram vantagens e a maioria dos empreendedores precisa buscar formas de adaptação sem o mesmo apoio.
As grandes redes de atacarejo já operam com economias de escala e sistemas logísticos avançados, o que lhes garante margem para competir mesmo sem benefícios adicionais.
Enquanto o debate sobre o papel dos incentivos fiscais segue em aberto, a movimentação de consumidores rumo aos atacarejos revela muito mais que uma simples busca por economia.
Trata-se de um retrato das distorções presentes no sistema tributário nacional, que ainda favorece poucos e impõe desafios à maioria.
Diante desse cenário, uma pergunta se impõe: até que ponto os atacarejos realmente representam progresso, e qual é o verdadeiro custo de sua expansão para a sociedade brasileira?