O processo de enfrentar a perda dos pais pode revelar aprendizados inesperados e impactar profundamente relações familiares, rotinas e emoções, trazendo à tona questões universais pouco debatidas no cotidiano.
A experiência de enfrentar a perda iminente dos pais é um processo pelo qual quase todos passarão, mas poucos estão preparados emocionalmente ou praticam o diálogo sobre o tema, de acordo com especialistas em saúde mental e cuidados paliativos.
Quando a jornalista norte-americana Molly Jong-Fast perdeu os pais, ela se deu conta da ausência de preparo e da falta de orientação para lidar com o impacto dessa situação.
“Ninguém me deu um manual sobre como passar por aquela situação”, afirmou em entrevista recente, lembrando que nunca fora treinada para encarar o luto ou os desafios do envelhecimento dos pais.
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Envelhecimento e despreparo emocional
Em entrevista ao site BBC, a especialista relata que, durante a velhice dos pais, surgem responsabilidades inesperadas, como administrar questões financeiras, tomar decisões médicas delicadas e lidar com a dependência física crescente.
Essas tarefas podem envolver trocar fraldas, reorganizar a rotina familiar e, principalmente, encarar emoções profundas.
Conforme Jong-Fast, o tabu social sobre o envelhecimento contribui para esse despreparo:
“As pessoas não querem falar sobre isso, elas não querem envelhecer. É realmente muito assustador,” explica.
Envelhecimento é tema evitado por grande parte das famílias
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de pessoas com mais de 60 anos aumentou significativamente na última década, tornando o envelhecimento um desafio global.
No entanto, o tema ainda enfrenta resistência em rodas de conversa e no ambiente doméstico, gerando um ciclo de silêncio que dificulta a preparação emocional e prática para a perda.
Para Jong-Fast, existe também um componente de vergonha que impede famílias de discutir não só a velhice, mas questões associadas, como doenças crônicas e dependência química.
“Eu quero tirar o estigma do alcoolismo,” diz a especialista, referindo-se à importância de abordar abertamente problemas de saúde mental na terceira idade.
Ela compara o silêncio sobre envelhecer ao tabu em torno de doenças como o alcoolismo, defendendo que só a conversa aberta pode preparar emocionalmente as famílias para o que está por vir.
Reflexões existenciais e sentido da vida
A proximidade da morte de um ente querido costuma suscitar questões sobre o sentido da existência e sobre o próprio ciclo da vida.
“Por que estamos aqui? Qual o sentido de tudo isso? Por que estamos neste planeta e o que deveríamos tentar tirar dessa experiência humana antes que seja tarde demais?” questiona Molly Jong-Fast ao relatar seu processo pessoal de luto e autodescoberta.
Especialistas apontam que tais questionamentos são comuns durante o acompanhamento do fim da vida, e podem contribuir para o amadurecimento emocional dos filhos.
Lições práticas e compartilhamento de experiências
Além das reflexões existenciais, a vivência da perda trouxe aprendizados práticos para a especialista.
“Percebi que, se você passa por algo e compartilha a experiência com alguém, você pode ajudá-lo,” comenta, destacando o valor da troca de experiências para amenizar o sofrimento coletivo.
Conforme Jong-Fast, encarar o luto sem se autocriticar é um dos pontos essenciais para atravessar esse período com menos sofrimento.
“O resto do mundo pode fazer você se sentir mal, ok? Mas não faça isso com você mesmo,” ensina.
Outra recomendação é aceitar que nem sempre tudo ocorre como planejado.
“Só porque as coisas não saíram como você queria não significa que não seja exatamente como deveriam ser,” afirma.
A especialista ressalta que o processo de luto é individual e não deve ser motivo de culpa ou autocobrança excessiva.
Rotina e cuidado durante o luto
Apesar do peso emocional, a vida segue seu curso cotidiano, mesmo diante da perda dos pais.
A necessidade de manter a rotina, cuidar de filhos e resolver questões do dia a dia se sobrepõe ao luto, criando momentos de alívio e até de humor.
Molly Jong-Fast lembra de um episódio em que, após duas perdas familiares consecutivas, precisou comparecer a dois velórios em sequência, ambos na mesma casa funerária.
“A gente sabia que aquilo era muito pesado, não foi um bom ano, mas enxergamos humor naquela situação,” relata, mostrando como a capacidade de resiliência pode surgir em meio à dor.
A especialista destaca que, em situações extremas, como guerras ou desastres, o foco das pessoas tende a se estreitar para decisões essenciais.
“Ou você pode fazer isso ou pode fazer aquilo. E há algo muito esclarecedor no binário, que eu não acho que seja uma coisa ruim,” diz, apontando como a simplicidade nas escolhas pode trazer clareza durante crises emocionais.
Relações familiares, culpa e complexidade no luto
Nem todas as famílias vivem relações harmoniosas e afetuosas, especialmente com os pais.
Para muitas pessoas, o momento da perda pode ser agravado por sentimentos de culpa ou mágoas acumuladas.
Molly Jong-Fast aborda essa realidade em seu livro, ao relatar uma relação marcada por conflitos e comportamentos narcisistas maternos durante a infância.
“Eu arriscaria dizer que, no geral, as pessoas têm relações mais difíceis com os pais do que a gente imagina,” destaca.
De acordo com profissionais de saúde mental, esse contexto pode tornar o luto mais doloroso, já que sentimentos ambíguos se misturam à perda.
Segundo Jong-Fast, é fundamental que filhos compreendam que não precisam carregar o peso da culpa por relações que não corresponderam às expectativas.
Ela cita o terapeuta do marido, que afirma:
“Às vezes, quando você tem pais narcisistas, você se sente pior por não ter dado certo por qualquer razão que seja.”
Tomada de decisões difíceis no fim da vida
A decisão de levar um dos pais para uma casa de repouso, por exemplo, costuma ser carregada de culpa, especialmente para quem imaginava um cuidado diferente.
“Eu definitivamente nunca pensei que a colocaria em uma casa de repouso. No meu mundo ideal, minha mãe não seria uma alcoólatra e eu a traria para morar na minha casa,” relata a autora, explicando que a realidade nem sempre permite concretizar planos idealizados.
Molly Jong-Fast defende que é preciso compartilhar experiências reais, inclusive as dores e limitações, para ajudar outras pessoas a compreenderem que nem sempre é possível atender a todas as expectativas.
“Quando você tem um relacionamento que não é o que você quer, e isso te faz sofrer, você não precisa carregar isso,” ressalta.
A experiência de perder os pais, segundo especialistas e relatos de quem viveu essa situação, revela que o preparo emocional é limitado e que a sociedade, em geral, evita o debate sobre o envelhecimento.
No entanto, compartilhar vivências, buscar apoio e aceitar imperfeições são atitudes fundamentais para atravessar essa fase da vida com mais compreensão e menos sofrimento.
E você, já pensou em como gostaria de lidar com a perda dos seus pais ou prefere não falar sobre o assunto? De que forma o silêncio impacta sua preparação emocional para momentos difíceis?