Política industrial ousada transformou a Coreia do Sul em líder global na construção de navios, com avanços em tecnologia, exportações e contratos militares.
Em 2025, a Coreia do Sul recuperou parte de uma coroa que por anos disputou acirradamente com a China: a liderança mundial na construção de navios de alto valor agregado. No primeiro semestre do ano, os estaleiros sul-coreanos conquistaram 25,1% de participação global em pedidos, um salto expressivo em relação aos 15% do mesmo período de 2024 — o menor nível em oito anos. Essa recuperação ocorreu em um cenário desafiador, com queda de mais de 50% nos pedidos mundiais de novas embarcações, mostrando que o país não apenas resistiu à retração, como também atraiu encomendas de clientes estratégicos.
O destaque fica para os armadores gregos, que responderam por 65% dos novos contratos firmados com estaleiros coreanos, incluindo 72% dos pedidos de petroleiros, 61% de navios porta-contêineres e 80% dos transportadores de gás natural liquefeito (GNL). É um resultado que reforça a imagem da Coreia como fornecedora de embarcações complexas, seguras e tecnologicamente avançadas.
Políticas industriais e estaleiros de alta tecnologia
O salto da indústria naval coreana não é obra do acaso. Desde os anos 1970, o governo sul-coreano adota políticas industriais direcionadas ao setor, com incentivos fiscais, financiamentos estratégicos e planos de longo prazo para modernização da frota.
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Hoje, gigantes como HD Hyundai Heavy Industries, Samsung Heavy Industries e Hanwha Ocean formam a espinha dorsal dessa estratégia, operando estaleiros com alto nível de automação, produção modular e digitalização avançada.
Essas empresas não competem apenas pelo preço, mas pelo domínio em segmentos de alto valor, como petroleiros de última geração, porta-contêineres de grande porte e navios especializados para transporte de GNL.
A aposta é clara: atender nichos em que a complexidade técnica e os requisitos de segurança elevam as barreiras de entrada para concorrentes, garantindo margens mais altas e clientes fidelizados.
Números que explicam a liderança da Coreia do Sul na construção naval
Os dados de 2025 mostram que os estaleiros coreanos voltaram a ocupar espaço relevante no cenário global.
O segmento de navios porta-contêineres, por exemplo, representou 53,3% do total de CGT (tonelagem compensada bruta) recebida pelo país no primeiro semestre, com cerca de 4,87 milhões de CGT em novos pedidos. No mercado de transportadores de GNL, a Coreia mantém liderança histórica, respondendo por dois terços da frota mundial construída nas últimas décadas.
Mesmo diante da retração no volume total de encomendas globais, a Coreia conseguiu capturar contratos estratégicos, beneficiando-se de fatores como a confiança internacional na qualidade de suas embarcações e o deslocamento de pedidos antes feitos na China, afetada por tarifas, sanções e tensões comerciais.
Exportações de navios e a parceria estratégica com os Estados Unidos
O alcance da indústria naval sul-coreana não se limita ao comércio marítimo. O setor também se tornou peça importante em contratos militares e acordos estratégicos. Um marco recente foi a conclusão, pela Hanwha Ocean, do reparo do USNS Wally Schirra, navio da Marinha dos EUA — a primeira vez que um estaleiro coreano recebeu e executou esse tipo de serviço para a frota norte-americana.
Em 2025, a parceria avançou com a escolha da HD Hyundai para realizar manutenção no USNS Alan Shepard, sob a iniciativa “Make American Shipbuilding Great Again” (MASGA), do governo norte-americano.
Essa cooperação reforça a confiança dos EUA na capacidade técnica da Coreia, ao mesmo tempo que evidencia a escassez de capacidade produtiva nos próprios estaleiros americanos, pressionados pela competição com a China.
Além das relações com os EUA, a Coreia do Sul mantém contratos de exportação de fragatas, corvetas e submarinos para países como Filipinas, Indonésia e Noruega, consolidando sua posição como fornecedor confiável de embarcações militares de alto desempenho.
Forças que sustentam a competitividade sul-coreana
O sucesso da Coreia do Sul na construção naval está apoiado em três pilares fundamentais:
- Tecnologia e inovação — Digitalização de processos, uso intensivo de inteligência artificial para gerenciamento de produção e construção modular que reduz prazos de entrega.
- Especialização em nichos lucrativos — Foco em embarcações de alto valor agregado, menos suscetíveis à concorrência de estaleiros de baixo custo.
- Integração entre governo e indústria — Planos industriais de longo prazo, suporte financeiro e diplomático na abertura de mercados.
Essas vantagens permitem que os estaleiros coreanos não apenas sobrevivam à competição com a China, mas também prosperem em segmentos em que a qualidade e a confiabilidade são decisivas.
Desafios e riscos para o futuro da indústria naval da Coreia do Sul
Apesar dos avanços, a Coreia enfrenta desafios significativos. A capacidade produtiva é limitada e não permite atender rapidamente a grandes expansões de demanda, como a que os EUA poderiam transferir em caso de restrições à China. Além disso, o setor está sujeito à volatilidade do mercado global, que pode reduzir drasticamente o número de encomendas em períodos de crise econômica.
Outro ponto sensível é a dependência de fatores externos, como tarifas, sanções e acordos comerciais, que influenciam a competitividade frente a rivais asiáticos.
Há ainda o risco ambiental e regulatório: as novas exigências internacionais de descarbonização da frota obrigam os estaleiros a investirem continuamente em tecnologias de propulsão limpa e eficiência energética.
Uma potência naval no século XXI
A trajetória da Coreia do Sul na construção naval é um exemplo de como planejamento industrial, inovação tecnológica e alianças estratégicas podem transformar um país em líder global de um setor altamente competitivo.
Com contratos bilionários, liderança em nichos especializados e presença crescente no mercado militar, a Coreia não apenas constrói navios, mas projeta sua influência no tabuleiro geopolítico.
A grande questão é: será que esse modelo é sustentável nas próximas décadas, diante da ascensão chinesa, das mudanças regulatórias e da crescente pressão por embarcações mais verdes? Ou estamos assistindo a um ciclo de ouro que pode perder força caso o mercado global mude de rota?