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O “país” que existiu dentro do Brasil: A história da cidade no sertão que criou a própria lei, desafiou a República e foi alvo do maior exército já visto no país

Escrito por Carla Teles
Publicado em 27/10/2025 às 19:23
O "país" que existiu dentro do Brasil: A história da cidade no sertão que criou a própria lei, desafiou a República e foi alvo do maior exército já visto no país
Explore Canudos, o “país” que existiu dentro do Brasil. Descubra como Antônio Conselheiro criou uma cidade autônoma no sertão que desafiou a República e foi brutalmente aniquilada.
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Entenda a história de Belo Monte, o “país” que existiu dentro do Brasil, que criou leis próprias, prosperou no sertão e foi aniquilado pelo maior exército já visto na nação.

No final do século XIX, no coração árido do sertão baiano, uma comunidade ousou criar o “país” que existiu dentro do Brasil. Conhecido pelos seus detratores como Arraial de Canudos, e pelos seus habitantes como Belo Monte, este local não foi apenas um refúgio de fanáticos religiosos, mas um projeto social e econômico autônomo. Com leis próprias e uma economia baseada na partilha, a cidade atraiu dezenas de milhares de deserdados e prosperou à margem da recém-nascida República.

A mera existência de Belo Monte foi vista como uma ameaça intolerável pela elite agrária, pela Igreja e pelo novo governo. A resposta do Estado foi uma das campanhas militares mais brutais da história nacional, culminando em um massacre. A história de Canudos, imortalizada e ao mesmo tempo distorcida pela obra-prima “Os Sertões” (1902) de Euclides da Cunha, revela as contradições de uma nação que, em nome da “civilização”, aniquilou um modelo de existência alternativo forjado pelo abandono.

O caldeirão do sertão: por que Canudos nasceu?

A emergência de Canudos não foi um evento espontâneo; foi o resultado direto da falência sistêmica do Estado no sertão nordestino. Como detalham portais educacionais como o Mundo Educação e o Toda Matéria, a região vivia uma crise social e econômica profunda. A vida era definida por secas cíclicas, fome endêmica e um sistema político e econômico opressor dominado pelo latifúndio. A terra estava concentrada nas mãos de poucos “coronéis”, que governavam como senhores feudais.

O cenário foi drasticamente agravado por dois eventos históricos cruciais. Primeiro, a Abolição da Escravatura em 1888. Embora um marco legal, ela foi executada sem qualquer política de integração, lançando centenas de milhares de libertos ao completo desamparo, sem terra, educação ou trabalho digno. Segundo, a Proclamação da República em 1889. Para o sertanejo, o novo regime foi sentido apenas pela imposição de novos impostos e leis seculares, como o casamento civil, vistas como “leis do cão” e uma heresia. Conforme apontam diversas análises acadêmicas, foi nesse vácuo de poder, esperança e legitimidade que uma alternativa como Belo Monte pôde florescer.

Antônio Conselheiro: o arquiteto da “Terra Prometida

Antônio Vicente Mendes Maciel (1830-1897), o “Conselheiro”, foi o catalisador desse movimento. Nascido no Ceará e com uma educação formal rara para a época, ele abandonou sua vida anterior após reveses pessoais e iniciou décadas de peregrinação pelo sertão. Conforme registros biográficos de portais como o Toda Matéria, sua autoridade não vinha apenas de pregações místicas; ele era um organizador comunitário. Conselheiro liderava mutirões para construir e reparar igrejas, açudes e cemitérios, preenchendo o vácuo deixado por um Estado ausente e uma Igreja distante.

Sua ideologia era uma potente mistura de messianismo católico e uma crítica social afiada. Ele pregava o fim do mundo próximo, mas também denunciava abertamente a República como a “obra do anticristo” e seus impostos como ilegítimos. Essa mensagem encontrou eco profundo em uma massa de despossuídos: sertanejos sem terra, ex-escravizados, indígenas despojados e jagunços. A promessa de uma “terra prometida”, Belo Monte, onde haveria salvação espiritual e justiça material, tornou-se um farol de esperança contra a opressão dos coronéis e do novo governo.

Belo Monte: como funcionava o “país” autônomo?

Em 1893, Conselheiro e seus milhares de seguidores estabeleceram-se na antiga Fazenda Canudos, às margens do rio Vaza-Barris, rebatizando-a de Belo Monte. O crescimento foi explosivo. Em apenas quatro anos, a população saltou para um número estimado entre 25.000 e 30.000 habitantes, vivendo em cerca de 5.200 casas. Belo Monte tornou-se, brevemente, uma das maiores cidades da Bahia e um polo de atração para todos os marginalizados da região.

A verdadeira ameaça de Canudos, no entanto, era sua organização interna, que funcionava como o “país” que existiu dentro do Brasil. Politicamente, era uma teocracia, com Antônio Conselheiro como líder máximo, assessorado por um conselho de confiança e protegido por uma milícia, a “Guarda Católica”. Economicamente, o sistema era radical e a maior afronta à ordem vigente. Como destacam estudos acadêmicos, incluindo análises baseadas em fontes da UFMG, a economia de Belo Monte baseava-se em princípios comunitários e de ajuda mútua. O trabalho em lavouras coletivas e obras era feito por mutirão, e uma “caixa-comum” garantia o sustento de doentes e necessitados.

Este modelo social alternativo, que provava que os deserdados podiam prosperar sem a estrutura do latifúndio, teve um impacto econômico devastador para os fazendeiros locais. A migração em massa para Belo Monte causou uma grave escassez de mão de obra barata nas fazendas, atingindo diretamente os interesses dos coronéis. A existência de Canudos não era apenas uma ofensa religiosa ou um desafio político; era uma ameaça econômica direta que precisava ser eliminada.

A guerra total: as quatro expedições de extermínio

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O conflito foi desencadeado por um pretexto trivial, uma disputa comercial sobre uma remessa de madeira não entregue na cidade vizinha de Juazeiro. Contudo, as raízes da guerra eram o medo das elites. A propaganda oficial rapidamente rotulou os conselheiristas de “monarquistas fanáticos” para justificar a violência. A campanha militar, como aponta a cronologia factual de portais como Toda Matéria, desenrolou-se em quatro expedições, cada uma maior e mais brutal que a anterior.

As duas primeiras expedições, compostas por forças policiais da Bahia e tropas do Exército de menor porte, foram humilhantemente derrotadas. Os soldados subestimaram a determinação dos sertanejos, que lutavam por sua fé e sua sobrevivência, além de dominarem o terreno inóspito da caatinga. A Terceira Expedição (março de 1897), com 1.300 soldados e liderada pelo famoso Coronel Moreira César, um “herói” da República, foi um desastre ainda maior. Moreira César foi morto em combate, e suas tropas fugiram em desordem, abandonando armas modernas, como canhões e metralhadoras, para os defensores de Canudos.

A derrota de Moreira César foi uma humilhação profunda para o jovem governo e seu Exército. A guerra deixou de ser uma questão regional e tornou-se uma “questão de honra” nacional. A Quarta Expedição (junho a outubro de 1897) foi uma operação de guerra total, mobilizando cerca de 10.000 soldados de 17 estados, artilharia pesada e liderada pelo próprio Ministro da Guerra. Foi um cerco lento e metódico. Belo Monte foi bombardeada incessantemente até ser reduzida a escombros. A resistência foi heroica, mas a 5 de outubro de 1897, os últimos quatro defensores caíram. O que se seguiu, como denunciado por testemunhas, foi um massacre deliberado, com a degola sistemática de milhares de prisioneiros rendidos, incluindo mulheres, crianças e idosos.

O legado em ‘Os Sertões’: o crime visto por dentro

O cronista definitivo dessa tragédia foi Euclides da Cunha. Engenheiro militar e jornalista, ele foi enviado pelo jornal O Estado de S. Paulo para cobrir a fase final da guerra. Ele partiu do Rio de Janeiro com todos os preconceitos da elite urbana, vendo os sertanejos como “bárbaros” fanáticos que ameaçavam o “progresso” republicano. O que ele testemunhou, no entanto, transformou sua visão e chocou o país.

Publicado em 1902, “Os Sertões” tornou-se o documento central sobre o conflito. A obra, como aponta a análise de sua própria fonte (Fonte 1), é uma obra-prima contraditória. Por um lado, Euclides utiliza as teorias deterministas e abertamente racistas da época para tentar explicar o sertanejo como um produto “inferior” da miscigenação e do meio geográfico hostil. Por outro, sua honestidade intelectual como testemunha ocular o obriga a descrever a selvageria, a incompetência e a crueldade do Exército “civilizado”, contrastando-as com a coragem e a força indomável dos defensores de Canudos, a quem ele famosamente descreveu como “antes de tudo, um forte”.

Mais de um século depois, a história de Canudos permanece como uma ferida aberta, um símbolo das lutas mais profundas do Brasil: o abismo entre o litoral e o sertão, a violência da concentração de terras e a guerra histórica do Estado contra sua própria população pobre.

A história de Canudos ainda ecoa nas lutas por terra e dignidade no Brasil de hoje? Na sua opinião, o abandono estatal e a repressão violenta a movimentos sociais ainda são uma realidade no país? A tragédia de Belo Monte nos ensinou algo? Queremos saber sua perspectiva nos comentários.

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Carla Teles

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