Nobel de Economia detalha à Bloomberg Television por que as tarifas de Trump reduzem o padrão de vida e como a “incerteza” é o maior dano econômico.
O economista Paul Krugman, laureado com o Nobel, alertou que o impacto de longo prazo das tarifas de Trump reduzirá o PIB dos Estados Unidos em aproximadamente meio ponto percentual (0,5%). Em uma análise detalhada para a Bloomberg Television, Krugman, conhecido por seu trabalho sobre padrões comerciais, classificou a política como “claramente negativa” para o padrão de vida americano, forçando o país a produzir internamente bens que são feitos de forma mais eficiente no exterior, o que inevitavelmente aumenta os custos para os consumidores.
Embora o economista considere esse impacto direto “ruim” e prejudicial à credibilidade dos EUA por quebrar acordos internacionais, ele enfatizou que o dano mais profundo não é o percentual em si. Segundo Krugman, o verdadeiro problema é o “caos total e completo” gerado pela imprevisibilidade, onde as regras mudam ao “capricho do presidente”. Esta instabilidade, segundo ele, paralisa investimentos empresariais, que temem aplicar capital sem saber quais serão as regras comerciais nos próximos meses.
Por que as tarifas falham em proteger empregos?
Krugman confrontou diretamente o objetivo declarado de Donald Trump de usar as barreiras comerciais para trazer de volta os empregos na indústria. O economista explicou na Bloomberg Television que a estratégia é falha, usando a indústria automobilística como o principal exemplo. Ele argumenta que não existe uma “indústria automobilística dos EUA” isolada; o setor é uma complexa indústria norte-americana, profundamente integrada com o Canadá e o México.
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Componentes de um único veículo, segundo a análise, podem cruzar as fronteiras “sete ou oito vezes” antes de o carro ficar pronto. As tarifas sobre aço e alumínio, insumos essenciais para carros, acabam, portanto, aumentando os custos dos próprios fabricantes americanos. Krugman destacou a ironia de que, ao pressionar os custos, a política pode acelerar a automação. As empresas podem ser forçadas a investir mais em robôs para compensar os custos, criando “mais empregos para robôs”, mas não para trabalhadores humanos.
O verdadeiro custo: caos e a quebra das cadeias de suprimentos
O Nobel foi enfático ao diferenciar o impacto de uma tarifa consistente da atual política. “Tarifas consistentes são ruins, mas não tão ruins quanto a lenda diz”, afirmou à Bloomberg Television, descartando a ideia de que elas, sozinhas, causem depressões. O cálculo de 0,5% do PIB seria o dano de uma taxa estável. No entanto, Krugman foi duro ao criticar o método: “O que nunca tivemos antes são tarifas onde ninguém sabe quais serão as tarifas no próximo mês… É um caos total e completo.”
Esse ambiente de imprevisibilidade, segundo o economista, “causa estragos nos negócios”. Ele explica que qualquer investimento que uma empresa faz agora tem uma “boa chance de se tornar um investimento realmente ruim” se as regras tarifárias mudarem subitamente. O mundo atual não é o de 100 anos atrás, mas sim um “mundo de cadeias de suprimentos complicadas”. Muitas das tarifas de Trump estão, na verdade, sendo cobradas sobre insumos (inputs) que a própria indústria dos EUA precisa para fabricar seus produtos, aumentando seus custos operacionais.
Quem realmente paga a conta da tarifa?
Durante a entrevista à Bloomberg Television, Krugman desmentiu a noção de que os exportadores estrangeiros estariam absorvendo o custo das tarifas. “Temos dados independentes sobre os preços realmente cobrados por países estrangeiros… e eles não caíram“, disse ele. A maior parte do custo imediato, até agora, parece estar sendo absorvida pelas próprias empresas dos EUA, que tentam não alienar os consumidores.
Contudo, essa absorção é temporária. Krugman observou que muitas empresas se anteciparam e “apressaram as importações” antes que as taxas entrassem em vigor, e outras hesitam em repassar os preços por não saberem se as tarifas são permanentes. No final, ele adverte, as empresas não serão capazes de absorver esses custos: “No final, [a conta] vai para os consumidores”.
O dano de longo prazo à credibilidade dos EUA
Além do impacto imediato no PIB e nos preços, Krugman demonstrou maior preocupação com os “efeitos permanentes de longo prazo”. Ele lembrou que os Estados Unidos construíram o sistema de comércio global baseado em regras e leis (como o GATT, Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) ao longo dos últimos 90 anos, desde a era Roosevelt. “Acabamos de rasgar todo um sistema de acordos comerciais”, lamentou.
O economista destacou que, mesmo que um próximo presidente reverta todas as tarifas de Trump em seu primeiro dia, o dano à reputação já está feito. “Os Estados Unidos nunca mais serão confiáveis”, afirmou. Ele relembrou que, em administrações passadas (como a de Reagan, na qual trabalhou), se uma proposta violasse acordos internacionais, ela era simplesmente descartada. “Esta administração não se importa”, concluiu.
A análise de Paul Krugman na Bloomberg Television desenha um cenário onde as tarifas de Trump, embora com um impacto direto no PIB estimado em 0,5%, causam um dano muito maior pela instabilidade, quebra de confiança internacional e pelo aumento de custos que, inevitavelmente, chegará ao consumidor.