A engenharia que virou cultura nacional: o motor AP atravessou décadas, ganhou versões turbinadas e dominou pistas e garagens
Após a Segunda Guerra Mundial, a Volkswagen foi reestruturada pelas forças britânicas na cidade de Wolfsburg, na Baixa Saxônia, e voltou à ativa com o “carro do povo” – projeto originalmente concebido nos anos 30. O modelo, que mais tarde se tornaria o lendário Fusca, foi introduzido no Brasil no início dos anos 1950, inicialmente montado no sistema CKD pela Brasmotor.
Equipado com motor boxer traseiro, refrigerado a ar, o Fusca se destacou por sua resistência mecânica e simplicidade de manutenção. Essa fórmula de sucesso pavimentou o caminho para uma família inteira de veículos da Volkswagen movidos pelo mesmo motor, como a Kombi, o Brasília, o SP2 e a Variant.
A hora da modernização e a compra da Auto Union
Apesar do sucesso do motor boxer, a Volkswagen sabia que precisava modernizar sua linha para se manter competitiva. Em 1964, adquiriu o grupo Auto Union, proprietário das marcas DKW, NSU e Audi. A união rendeu acesso a projetos mais modernos, especialmente da Audi, que naquela época já experimentava motores refrigerados a água e com tração dianteira.
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Um desses projetos foi o sedã Audi K70, lançado em 1970 com motor dianteiro, 1.6 litro, refrigerado a água e tração nas rodas dianteiras — uma ruptura importante com a arquitetura dos VW tradicionais. Embora não tenha sido um sucesso imediato entre os fãs da marca, o K70 representou o início da virada tecnológica da Volkswagen.
O nascimento do motor EA 827 na Europa
Em 1972, a Audi apresentou o modelo 80, um sedã moderno que estrearia o motor EA 827. O nome técnico se referia à ordem interna de desenvolvimento da Audi. Era um motor de quatro cilindros em linha, bloco de ferro fundido, cabeçote de alumínio, comando simples e duas válvulas por cilindro, acionado por correia dentada. Inicialmente, estava disponível nas versões 1.3 e 1.5 litros, com potências entre 55 e 75 cv.
A origem do projeto remontava à DKW dos anos 60, com o chamado “motor México”, que visava aplicações militares. O engenheiro Ludwig Kraus, então chefe da Auto Union, foi responsável por adaptar e aperfeiçoar esse projeto para uso civil. A mecânica inspirada no Mercedes-Benz M118 foi usada exclusivamente pela Audi.
A transformação do Golf e o avanço da tração dianteira
Em 1974, a Volkswagen lançou o Golf na Europa, um hatchback compacto com tração dianteira e motor EA 827 montado transversalmente. Com motorizações entre 1.1 e 1.5 litros e peso inferior a 800 kg, o Golf se destacava pelo desempenho ágil e econômico. A consagração veio em 1976, com o Golf GTI: motor 1.6 com injeção mecânica Bosch K-Jetronic, 110 cv e velocidade máxima de 182 km/h.
Essa receita viria a inspirar uma nova geração de compactos esportivos e consolidaria o EA 827 como referência entre os motores europeus da época.
A chegada ao Brasil e a adaptação tropical
No Brasil, o Passat foi o primeiro modelo a receber o motor EA 827, ainda em 1974, nas versões 1.5 (BR) e 1.6 (BS). Além da mecânica moderna, trazia suspensão McPherson e melhor comportamento dinâmico. Em 1980, com o lançamento do Gol, ainda se utilizava o antigo motor boxer, agora dianteiro. Mas a virada veio com o Voyage, sedã derivado do Gol, que estreava motor EA 827 de 1.5 litro, com refrigeração líquida.
Em 1983, a Volkswagen do Brasil lançou o motor MD 270, uma versão nacionalizada e melhorada do EA 827, adaptada para o etanol. A principal característica era o aumento de torque em baixos giros. Em 1985, surgiu o nome que viria a se tornar lendário: AP — de “Alta Performance”. Os primeiros modelos foram:
- AP 600 (1.6 litro, 85 cv)
- AP 800 (1.8 litro, 94 cv)
- AP 800S (1.8 litro, 99 cv)
Os motores equiparam Gol, Voyage, Parati, Saveiro, Santana e Passat, com excelente desempenho e confiabilidade mecânica.
A era dos turbos e a cultura de performance
Durante os anos 1980, a Volkswagen ampliou a família EA 827 com novas versões, incluindo um motor diesel 1.6 que equipou a Kombi, com radiador frontal e grande economia (mais de 13 km/l). Mas o destaque foi o AP 2000, de 2.0 litros, lançado em 1988 e usado inicialmente no Santana.
Na Europa, a Audi criou o EA 828, versão de cinco cilindros do EA 827, que se tornou célebre nas competições de rali, como o lendário Audi Quattro S1 do Grupo B. Equipado com motor 2.1 litros turbo, chegou a 600 cv e venceu a mítica subida de Pikes Peak com Walter Röhrl e Michèle Mouton.
No Brasil, empresas como Larus Turbo popularizaram o uso de turbocompressores no motor AP, atingindo potências de até 1000 cv em preparações extremas. Veículos esportivos raros, como o Hofstetter Turbo, também adotaram o AP 2.0 com turbo de fábrica.
Fase Autolatina e novos horizontes técnicos
Com a formação do grupo Autolatina, em 1987, a Volkswagen e a Ford passaram a compartilhar motores e plataformas. O motor AP foi usado em modelos Ford como Verona, Escort e Versailles. Em contrapartida, a Volkswagen adotou o motor CHT da Ford em alguns de seus carros de entrada.
Em 1994, o grupo foi desfeito, mas os motores continuaram a ser utilizados por ambas as montadoras por algum tempo. No fim dos anos 1990, a Volkswagen introduziu o motor AT 1000, derivado europeu do EA 827 em versão 1.0, com cabeçote OHC, fluxo cruzado e injeção eletrônica multiponto. Também surgiu a versão 16 válvulas, a primeira nacional com quatro válvulas por cilindro num motor 1.0.
Flexibilidade, inovações e o fim de uma era
Em 2000, a Volkswagen lançou o motor 1.0 16V Turbo com 112 cv, disponível no Gol e na Parati, com desempenho semelhante ao do AP 2.0 aspirado. No entanto, o mercado ainda via com desconfiança carros turbinados de fábrica, e a produção foi encerrada em 2003.
O mesmo ano marcou a chegada do primeiro motor AP Total Flex, no Gol Power 1.6, capaz de rodar com gasolina ou etanol — um marco tecnológico no Brasil e salvação para o etanol, então em queda.
A produção do Santana foi encerrada em 2006, após mais de 548 mil unidades. O AP 2.0 saiu de cena em 2009, e o 1.6, em 2013, junto com a Parati.
Um motor eterno
Mesmo fora de linha, o legado do motor AP permanece vivo. Seja pelo fácil acesso a peças, pela robustez, ou pela cultura automotiva que se formou em torno dele, o AP continua sendo preparado em oficinas, disputando rachas, trilhas e servindo de base para projetos que ultrapassam os 1000 cv.
Seus méritos são reconhecidos até hoje por mecânicos, entusiastas e engenheiros. Muitos afirmam que foi o motor mais confiável e versátil já produzido no Brasil — e não é exagero. O EA 827/AP atravessou gerações, cenários econômicos, crises e modas, sempre mantendo sua essência: um motor simples, robusto e com um enorme potencial.
E você?
Já teve um carro com motor AP? Fez preparação, modificou, ou simplesmente rodou milhares de quilômetros sem problemas? Conte sua história nos comentários e ajude a manter viva a memória de um dos maiores ícones da engenharia automotiva brasileira.
Eu tenho um na garagem todo zerado, na carroceria de um Santana 2000 MI 2.0, totalmente standart, obviamente retificado cabeçote e feito toda manutenção necessária
Motor AP/ 827 simplesmente FENOMENAL eu tive um AP 2.0 um ” canhão”, porém somente um detalhe; as paredes das galerias do cabeçote eram um pouco finas, exigindo muito cuidado no sistema de arrefecimento.
Tive um gol, motor ap 1.8. O acelerador parece que não tinha fim e não baixava óleo!