Após adquirir concessões viárias no Peru, a Brookfield Asset Management enfrenta forte crise institucional, marcada por protestos contra pedágios em Lima, disputa judicial bilionária e risco à confiança em investimentos de infraestrutura na América Latina
A Brookfield Asset Management, uma das maiores gestoras de ativos do mundo, apostou alto na América Latina ao adquirir concessões rodoviárias no Peru. O projeto, no entanto, se transformou em um exemplo claro de como a crise de investimentos e infraestrutura pode desestabilizar até os investidores mais experientes. A empresa enfrenta uma série de desafios: protestos populares, bloqueios em estradas, decisões judiciais desfavoráveis e uma disputa bilionária no Peru que já envolve um pedido de arbitragem de US$ 2,7 bilhões.
O caso lança luz sobre os riscos políticos e regulatórios de projetos de infraestrutura em países emergentes, e coloca em xeque a reputação de concessões de longo prazo em ambientes instáveis.
O que está em jogo: Brookfield compra rodovias no Peru
A Brookfield adquiriu, em 2016, o controle da concessionária Rutas de Lima, que opera três importantes vias expressas ao redor da capital peruana. A compra ocorreu por cerca de US$ 430 milhões e representava um investimento seguro, com retorno garantido por décadas via pedágios indexados.
-
China dobra presença estratégica em portos brasileiros, como Paranaguá, Itaqui e Santos, investindo em terminais de grãos e minérios para exportação direta à Ásia e reduzindo a dependência do dólar no comércio internacional
-
Serviços do Samu correm risco de suspensão após atraso de salários a motoristas — situação preocupa autoridades e pode paralisar atendimentos em Foz do Iguaçu
-
Esgotamento da infraestrutura portuária: Gargalo nos portos faz Brasil perder mais de R$ 1 bilhão em exportações de café em um único mês
-
A estrada brasileira que some no mapa: por que uma das principais rodovias (BR) nunca foi pavimentada de verdade?
Contudo, o cenário rapidamente se deteriorou. A parceria com a Odebrecht (hoje Novonor), envolvida em escândalos de corrupção, e a crescente insatisfação da população com os altos valores cobrados nos pedágios, geraram pressão sobre o contrato. A revolta popular explodiu em bloqueios e atos de vandalismo contra as cabines, forçando a prefeitura de Lima a suspender cobranças em alguns trechos.
A Brookfield considera que houve uma forma indireta de expropriação, e levou o caso a uma corte internacional com base no Acordo de Livre Comércio Canadá–Peru. O pedido de indenização é de US$ 2,7 bilhões — valor que cobre a perda estimada de receitas até o fim do contrato, originalmente previsto para 2043.
Pedágio Lima passa por protestos e gera instabilidade
Com uma renda média mensal de cerca de US$ 300, os moradores de Lima passaram a ver os pedágios como abusivos. As tarifas, reajustadas anualmente, chegaram a ser consideradas as mais altas do país para trechos urbanos. Protestos organizados por moradores e lideranças locais resultaram em depredações, paralisações do tráfego e forte desgaste político.
O prefeito da capital, Rafael López Aliaga, capitalizou o descontentamento ao prometer, ainda na campanha, o fim dos contratos com as concessionárias privadas. Já no cargo, promoveu a suspensão de cobranças e entrou com ações para anular os contratos, acusando corrupção nos termos originais do acordo com a Odebrecht.
A Brookfield Asset Management, por sua vez, alegou que agiu de boa-fé e que adquiriu sua participação anos após a assinatura dos contratos, sem qualquer envolvimento em irregularidades. A empresa venceu duas arbitragens anteriores, que lhe concederam cerca de US$ 200 milhões em compensações. Mesmo assim, novas disputas seguem em andamento.
Uma disputa bilionária no Peru: arbitragem e tensões diplomáticas
A atual arbitragem internacional movida pela Brookfield contra o Estado peruano é um dos maiores litígios já registrados no setor de infraestrutura na América Latina. A empresa alega que os atos do governo municipal violam o acordo de livre comércio entre Canadá e Peru, que protege investimentos estrangeiros contra expropriação sem compensação adequada.
A juíza federal norte-americana Ana Reyes já rejeitou tentativas da prefeitura de reverter decisões anteriores, afirmando que não havia evidências de fraude ou ilegalidade na atuação da Brookfield. A própria Justiça dos Estados Unidos afirmou que o município de Lima estava, na prática, tentando burlar decisões judiciais que já haviam transitado em julgado.
Apesar dessas vitórias, a Brookfield ainda não conseguiu restaurar a operação plena do contrato. A empresa teme que a continuidade da disputa possa prejudicar não apenas o retorno financeiro, mas também sua imagem como operadora global de infraestrutura em mercados emergentes.
Crise de investimentos e infraestrutura afeta credibilidade do Peru
Especialistas alertam que o caso Rutas de Lima pode gerar um efeito cascata na percepção de risco de investidores estrangeiros. A quebra de contratos e a interferência política em concessões estabelecidas enfraquecem o ambiente institucional e afastam novos aportes em áreas estratégicas como transporte, saneamento e energia.
O ex-ministro da Economia do Peru, Luis Miguel Castilla, declarou à imprensa que o episódio “cria um precedente muito ruim” e compromete o esforço do país em atrair capital privado. Já Gonzalo Tamayo, sócio da consultoria Macroconsult, avalia que a situação “prejudica o processo de construção de confiança em parcerias público-privadas”.
Além disso, a agência S&P Global rebaixou a nota de crédito da concessionária de “B” para “CCC‑”, citando fluxo de caixa negativo por dois anos seguidos e risco iminente de calote. A incerteza sobre a continuidade do contrato e a instabilidade política aumentaram a percepção de risco do ativo.
O papel da Brookfield Asset Management no impasse
A Brookfield afirma que foi surpreendida pela deterioração política e institucional do ambiente em Lima. A gestora contratou o ex-congressista norte-americano Connie Mack IV como representante legal no Peru e intensificou esforços diplomáticos para pressionar o governo central a intervir.
Em nota oficial, a companhia destacou que pretende “defender seus direitos de forma legal, transparente e conforme os tratados internacionais”. Ainda assim, dirigentes da empresa reconhecem que, enquanto perdurar a incerteza, será difícil manter o interesse em novos investimentos no país.
No mercado, analistas apontam que a postura da Brookfield é vista como um alerta para demais investidores institucionais, que estão reeavaliando a exposição em concessões similares no continente. A crise peruana já começa a influenciar decisões de fundos sobre projetos em países vizinhos, como Colômbia e Equador.
O que o caso revela sobre investimentos em países emergentes?
A história da Brookfield no Peru ilustra como projetos de infraestrutura, mesmo com contratos firmados, podem se tornar fontes de instabilidade em contextos frágeis. A combinação de populismo, escândalos de corrupção e pressões sociais representa um risco concreto à previsibilidade jurídica — fator essencial para investimentos de longo prazo.
Apesar de contar com decisões arbitrais favoráveis e respaldo de tratados internacionais, a Brookfield ainda luta para garantir o cumprimento do contrato original. O conflito também destaca a importância da aceitação social de grandes obras, algo que, segundo especialistas, deveria ser considerado já na fase de planejamento dos investimentos.
Em última instância, a disputa entre a gestora canadense e o governo de Lima reacende o debate sobre o equilíbrio entre interesse público e segurança jurídica. O desfecho do caso poderá moldar o futuro dos modelos de concessão em toda a América Latina e, possivelmente, redefinir o apetite de investidores institucionais por ativos em mercados emergentes.