O fim da rodoviária do Iguatemi encerra um ciclo de 50 anos, transfere o eixo de fluxos para Águas Claras, reconfigura o comércio formal e informal e abre disputa sobre o futuro do terreno e da chamada “mina” de valor imobiliário no coração da cidade
O fim da rodoviária no entorno do Iguatemi marca uma virada rara de centralidade urbana em Salvador. O equipamento inaugurado em 1974 ajudou a criar uma “cidade” própria de serviços, empregos e sociabilidade, mas a decisão de transferir embarques e desembarques para Águas Claras redesenha rotas de passageiros, logística de lojas e renda de ambulantes, além de recolocar na mesa a destinação do terreno original.
A mudança acontece enquanto o antigo terminal segue operando com alta ocupação de guichês e fluxo intenso. A transição mobiliza comerciantes que precisam investir para migrar, moradores que temem degradação do prédio vazio e autoridades que estudam a alienação da área, apontada como uma “mina” estratégica por seu potencial de adensamento, conexão viária e valor de solo.
O que acaba, o que começa
Ao longo de cinco décadas, o terminal consolidou um ecossistema com lojas, lotérica, alimentação e serviços que abasteciam não só viajantes como trabalhadores do entorno.
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Com o fim da rodoviária no Iguatemi, essa economia de proximidade perde o imã diário de passageiros e precisará testar resiliência sem o movimento do embarque e desembarque.
A nova operação em Águas Claras promete instalações mais amplas, desenho atualizado de circulação e integração com ônibus urbanos, mas exige capital de adaptação de operadores privados e ambulantes.
Parte dos lojistas declara incerteza sobre custos de remodelação e prazos de retorno, o que amplia o risco de descontinuidade de negócios na travessia.
A “cidade” invisível que nasceu no terminal
O terminal foi matriz de urbanização da borda do Iguatemi, impulsionando empregos, moradia e comércio formal e informal.
A presença contínua de passageiros criou rotina, segurança por fluxo e renda pulverizada em dezenas de microatividades, do café cedo ao conserto rápido.
Esse tecido social também abrigou populações vulneráveis que usaram o espaço como abrigo temporário.
O encerramento da operação, se não vier acompanhado de soluções de transição social, pode deslocar vulnerabilidades para áreas adjacentes sem oferecer alternativas reais.
Arquitetura, memória e risco de obsolescência
O edifício, com linguagem brutalista e elementos de concreto exposto, é parte do catálogo de obras públicas dos anos 70.
Reformas, fechamentos e acréscimos ao longo do tempo alteraram a leitura original, mas o conjunto segue reconhecível como peça de época e de forte valor de memória.
Sem plano ativo de reuso, estruturas dessa escala tendem a sofrer obsolescência rápida, com pane elétrica recorrente, infiltrações e perda de vedação.
Preservar o que for patrimônio, adaptar o que pede nova função e demolir o que não tiver viabilidade técnica é um tripé possível para evitar o espiral de degradação.
Comércio formal e ambulante na travessia
A migração demanda investimentos significativos em pontos comerciais e reposicionamento de estoques.
Para ambulantes, o desafio é ainda maior: sem garantia de realocação, a perda do fluxo pode derrubar faturamento de um dia para o outro.
Planos de convivência regulada, com zonas definidas e regras claras, são essenciais para evitar conflitos na nova área e desordem na antiga.
No Iguatemi, a permanência de parte do comércio sem o ímã do terminal tende a reduzir margens.
Em Águas Claras, a curva de maturação dependerá do cadenciamento do transporte metropolitano, da segurança e da sinalização que distribua o fluxo entre plataformas, galerias e áreas de apoio.
A “mina” em disputa e o futuro do terreno
Chamar o lote do Iguatemi de “mina” expõe o óbvio: é um ativo urbano raro por escala, localização e acessibilidade.
Leilão, concessão ou parceria para reuso exigem contrapartidas públicas objetivas, como habitação de interesse social bem inserida, calçadas amplas, mobilidade ativa e térreos comerciais abertos à rua.
Sem diretrizes urbanísticas firmes, o valor gerado tende a ser privatizado e os custos coletivos, socializados.
Vincular outorga e potencial construtivo a metas de inclusão e espaços públicos qualificados é o caminho para transformar a “mina” em capital urbano compartilhado.
Mobilidade, segurança e rotas de acesso
A realocação muda padrões de origem-destino e pressiona alças viárias, corredores de ônibus e pontos de integração.
Sinalização temporária, operação assistida e monitoramento de dados nas primeiras semanas são vitais para reduzir ocorrências e ajustar tempos de ciclo.
No antigo terminal, iluminação, presença de equipes e controle de acessos devem ser mantidos durante a transição para evitar ocupações irregulares, furto de cabos e degradação acelerada.
A segurança é condição de planejamento, não apenas reação.
Políticas públicas para evitar o vazio
O fim da rodoviária precisa vir acompanhado de um cronograma transparente de desmobilização, leilão ou reuso.
Programas de aluguel temporário subsidiado para ambulantes, linhas de crédito de capital de giro para lojistas migrantes e intermediação de mão de obra podem amortecer o impacto sobre quem vive do dia a dia do terminal.
Para o prédio, usos transitórios como centro de serviços públicos, feiras, ensino técnico e coworking popular ajudam a manter vitalidade enquanto o projeto definitivo é estruturado, evitando que a “cidade” vire ruína.
O fim da rodoviária no Iguatemi fecha um capítulo e abre outro na geografia econômica de Salvador.
Na sua opinião, qual deve ser o destino prioritário do terreno antigo para que a “mina” de valor urbano gere benefícios públicos reais: habitação bem localizada, parque e equipamentos de vizinhança ou um polo de serviços integrados ao transporte?



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