Proposta de atualização do Código Civil brasileiro, cuja base foi concebida nos anos 70, inclui herança digital, divórcio unilateral e reconhece animais como seres sencientes, buscando adaptar a lei à sociedade do século 21.
Uma abrangente proposta de reforma do Código Civil brasileiro foi entregue ao Senado Federal, marcando o início de uma das mais significativas atualizações legislativas das últimas décadas. O texto atual, que entrou em vigor em 2002, foi largamente baseado em um projeto da década de 1970, refletindo uma realidade social e tecnológica completamente defasada. A modernização visa incorporar temas que se tornaram centrais no dia a dia e fechar o abismo entre a lei escrita e a vida prática dos cidadãos.
Elaborado por uma comissão de juristas de renome, presidida pelo Ministro Luis Felipe Salomão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o anteprojeto busca dar segurança jurídica a situações que hoje dependem de interpretações judiciais, muitas vezes lentas e inconsistentes. Se aprovada, a reforma não apenas atualizará a lei, mas também simplificará processos, como divórcios e inventários, alinhando o Código Civil brasileiro à forma como as pessoas vivem, se relacionam e fazem negócios hoje.
A vida digital finalmente entra na lei
A ausência de regras claras para o ambiente digital é um dos pontos mais críticos do código atual, forçando juízes a decidirem sobre temas complexos sem um amparo legal explícito.
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A reforma propõe a criação de um capítulo inteiro dedicado ao tema, com destaque para a herança digital.
A proposta estabelece o que acontece com o patrimônio online de uma pessoa após a morte, diferenciando bens de valor econômico, como criptomoedas, milhas aéreas e canais monetizados, daqueles de valor puramente afetivo, como contas em redes sociais e e-mails pessoais.
Pela nova regra, os ativos financeiros seriam transmitidos aos herdeiros, enquanto o acesso a conteúdos privados seria, em regra, extinto para proteger a privacidade do falecido.
Além da herança, a proposta valida expressamente os contratos celebrados por meios eletrônicos, incluindo os chamados “smart contracts”, que são autoexecutáveis em plataformas como blockchain.
Na prática, isso significa que um “clique” ou outra forma de aceite digital terá reconhecimento legal inequívoco, oferecendo maior segurança jurídica para o comércio eletrônico e transações digitais.
A medida é vista como essencial para acompanhar a evolução da economia e das relações comerciais, que migraram massivamente para o ambiente online, garantindo que a inovação tecnológica não opere em um vácuo legal.
Novas famílias e relações no Código Civil brasileiro
Talvez a modernização mais profunda da reforma esteja no Direito de Família.
O texto abandona o modelo “casamentocêntrico”, que historicamente colocou o casamento como a estrutura familiar principal e superior às demais.
Agora, passa a reconhecer o vínculo afetivo como o elemento central para a constituição de uma família.
A proposta formaliza em lei o reconhecimento da união homoafetiva e da união estável em pé de igualdade com o casamento para todos os fins, consolidando um entendimento que o STF já havia firmado em 2011.
A terminologia também é atualizada, substituindo a expressão “poder familiar”, que remete a uma ideia de posse, por “autoridade parental”, focada nos deveres de cuidado e educação.
Outra mudança de grande impacto prático é a instituição do divórcio unilateral ou impositivo.
A proposta permite que uma pessoa solicite o divórcio diretamente no cartório, sem a necessidade do consentimento do parceiro, que seria apenas notificado da decisão.
O objetivo é desburocratizar o fim do vínculo matrimonial e impedir que uma das partes use o processo para prolongar o sofrimento ou chantagear a outra, configurando uma forma de violência processual.
Questões como a partilha de bens e a guarda dos filhos continuariam a ser discutidas separadamente, mas o fim do casamento seria imediato, garantindo autonomia e dignidade aos envolvidos.
Animais deixam de ser “coisas” perante a lei
Em uma das alterações mais revolucionárias, a reforma propõe mudar radicalmente o status jurídico dos animais no Código Civil brasileiro.
Atualmente, eles são tratados como “bens móveis”, ou seja, coisas, objetos.
Essa classificação gera situações problemáticas, como em casos de acidentes, onde a indenização por dano a um animal de estimação pode ser limitada ao seu “valor de mercado”.
O novo texto os reconhece como “seres vivos sencientes”, dotados de natureza especial e de proteção jurídica própria, que deve considerar seus direitos fundamentais. Essa mudança conceitual tem consequências práticas imediatas e profundas.
Em uma disputa de divórcio, por exemplo, um animal de estimação não será mais partilhado como um móvel ou um carro.
Em vez disso, um juiz poderá definir regras de guarda e um regime de convivência, levando em conta o bem-estar do animal e os laços afetivos que ele possui com cada um dos donos, de forma similar ao que acontece com os filhos.
A medida também fortalece a responsabilização civil por maus-tratos, pois o dano causado não é mais a um “objeto”, mas a um ser capaz de sentir dor e sofrimento, abrindo caminho para reparações mais justas.
A proposta de reforma do Código Civil brasileiro representa um esforço monumental para sincronizar a principal lei da vida privada no país com os avanços sociais e tecnológicos das últimas cinco décadas.
As mudanças, que vão da herança de criptomoedas à guarda de animais de estimação, refletem uma sociedade mais complexa, digital e diversa, buscando fazer com que a lei seja um retrato fiel da realidade, e não uma relíquia do passado.
O caminho no Congresso Nacional, no entanto, será longo e sujeito a intensos debates.
Qual das mudanças propostas você considera a mais urgente para o Brasil de hoje: a regulamentação da vida digital, o reconhecimento de todas as formas de família ou a nova proteção aos animais? Deixe sua opinião nos comentários — queremos saber como essa reforma poderia impactar sua vida na prática.