Por 50 anos, uma aliança sobre a entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita garantiu que o dólar americano funcionasse como a moeda oficial do petróleo
Por cinco décadas, um acordo estratégico entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita definiu as regras da economia global, estabelecendo o dólar americano como a moeda oficial do petróleo. Este sistema, conhecido como “petrodólar”, não só garantiu a supremacia financeira americana, mas também nasceu de uma crise que redefiniu o poder mundial no início dos anos 70.
Hoje, em 2025, esta ordem de 50 anos enfrenta sua maior ameaça. A ascensão da China como potência econômica, a união de países no bloco BRICS+ e o desenvolvimento de novas tecnologias financeiras estão, pela primeira vez, desafiando seriamente a dominância do dólar. A grande questão é se estamos vendo o desmantelamento do sistema que sustentou a economia moderna ou apenas sua adaptação a uma nova realidade multipolar.
A origem de tudo, o fim do padrão-ouro em 1971 e a crise do petróleo de 1973
A história do petrodólar começa em 15 de agosto de 1971. Nesse dia, o presidente americano Richard Nixon chocou o mundo ao suspender a conversibilidade do dólar em ouro. Esta decisão, conhecida como “Choque Nixon”, acabou com o sistema de Bretton Woods e transformou o dólar em uma moeda fiduciária, sem lastro físico. Os EUA precisavam urgentemente de uma nova forma de garantir a demanda global por sua moeda.
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A oportunidade surgiu de uma crise. Em 6 de outubro de 1973, a Guerra do Yom Kippur eclodiu. Em retaliação ao apoio americano a Israel, as nações árabes produtoras de petróleo impuseram um embargo. O preço do barril quadruplicou, saltando de US$ 3 para quase US$ 12 em janeiro de 1974. Isso gerou uma crise energética no Ocidente e uma inundação de dólares — os “petrodólares” — nos cofres dos países da OPEP.
Desvendando o pacto EUA-Arábia Saudita de 1974
Ao contrário do mito popular, nunca existiu um tratado secreto que obrigava a Arábia Saudita a vender seu petróleo exclusivamente em dólares. Essa já era a prática do mercado. O verdadeiro acordo foi mais sutil e estratégico.
Em 8 de junho de 1974, os EUA e a Arábia Saudita estabeleceram a “Comissão Mista para Cooperação Econômica”. Oficialmente, o pacto era para fornecer ajuda técnica e militar ao reino saudita. Nos bastidores, o acordo estabeleceu o mecanismo de “reciclagem de petrodólares”. Em troca de segurança militar, a Arábia Saudita concordou em investir suas vastas receitas de petróleo em títulos da dívida do governo americano. Isso criou um ciclo perfeito para os EUA.
As consequências da moeda oficial do petróleo, 50 anos de hegemonia americana
A reciclagem de petrodólares deu aos Estados Unidos o que foi chamado de “privilégio exorbitante”. A demanda constante por títulos do Tesouro permitiu que o país mantivesse déficits orçamentários e comerciais gigantescos, ano após ano, sem sofrer as consequências que quebrariam outras economias. Essencialmente, o resto do mundo financiava o estilo de vida e os gastos militares americanos.
Com o sistema financeiro global dependente do dólar, os EUA também ganharam uma arma poderosa. A capacidade de impor sanções, cortando o acesso de países ao sistema, tornou-se uma ferramenta de política externa sem igual. No entanto, o sistema também teve efeitos colaterais globais, como uma corrida armamentista no Oriente Médio e a crise da dívida dos anos 80 na América Latina, causada por empréstimos de petrodólares reciclados.
A ascensão da China e o “petroyuan”
O primeiro grande desafio a esse sistema vem da China. Como maior importador de petróleo do mundo, Pequim vê como uma vulnerabilidade estratégica ter que usar a moeda de seu principal rival para comprar seu recurso mais vital. Por isso, o país busca estabelecer o “petroyuan”.
Em março de 2018, a China lançou a Shanghai International Energy Exchange, uma bolsa que permite a negociação de contratos futuros de petróleo em sua própria moeda. Além disso, o país tem fechado acordos bilaterais com nações como a Rússia para o comércio em moedas locais. Apesar dos esforços, o yuan ainda enfrenta grandes obstáculos, como os rígidos controles de capital do governo chinês, que diminuem a confiança de investidores internacionais.
Um mundo multipolar e o declínio gradual do dólar
Hoje, o desafio ao dólar como moeda oficial do petróleo é mais amplo. A expansão do bloco BRICS+ em 2024, que incluiu grandes produtores como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes, criou um fórum poderoso para acelerar a desdolarização.
A ameaça mais concreta, no entanto, é tecnológica. O Projeto mBridge, uma plataforma de moedas digitais de bancos centrais da qual a Arábia Saudita se tornou membro em junho de 2024, permite pagamentos internacionais instantâneos que contornam completamente o sistema do dólar.
Os números já mostram essa tendência. Dados do FMI revelam que a participação do dólar nas reservas cambiais globais caiu de 72% em 2000 para cerca de 58% no final de 2024. O colapso do dólar não parece iminente, pois nenhum rival tem a força do seu ecossistema financeiro. O mais provável é uma transição lenta para um mundo monetário mais fragmentado e multipolar.