Disputa internacional pelo níquel brasileiro coloca Brasil, China e Estados Unidos no centro de um embate estratégico que envolve aço inoxidável, baterias de veículos elétricos e o controle de cadeias globais de suprimento.
O principal lobby do aço dos Estados Unidos pediu ao governo Donald Trump que atue para evitar que a MMG Limited, controlada pelo conglomerado estatal chinês China Minmetals, conclua a compra do negócio de níquel da Anglo American no Brasil.
Na semana passada, o American Iron and Steel Institute (AISI) enviou ofício ao Representante de Comércio dos EUA solicitando que o tema seja levado ao governo brasileiro.
Segundo matéria publicada nesta quarta-feira (27) pelo jornal Folha de S. Paulo, o argumento foi de que a transação ampliaria o controle da China sobre cadeias globais de suprimento do mineral.
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Pedido formal ao governo Trump
No documento, assinado por Kevin M. Dempsey, o AISI afirma que a aquisição “é esperada para o 3º trimestre deste ano” e que, se efetivada, daria a Pequim influência direta sobre parte relevante das reservas brasileiras, somando-se à sua posição dominante na Indonésia.
O instituto solicita que Washington “leve essas preocupações ao governo do Brasil” e defende que o país preserve a propriedade orientada pelo mercado desses ativos e garanta acesso aberto e justo ao níquel no futuro, segundo a Folha de S. Paulo.
Ainda de acordo com a entidade, 65% da demanda global de níquel está vinculada ao aço inoxidável, o que torna o insumo estratégico para a siderurgia norte-americana.
O AISI diz que reservas estão concentradas em poucos países e reforça que, com a soma de Brasil e Indonésia, os recursos do mineral chegam a quase metade do total mundial, cenário que ampliaria vulnerabilidades de suprimento, conforme noticiado pela Folha de S. Paulo.
O que está em jogo no Brasil
A transação envolve as operações da Anglo American no país, com produção anual próxima de 40 mil toneladas de níquel em ferroníquel.
O pacote inclui duas unidades industriais em Goiás — Barro Alto e Codemin (Niquelândia) — e projetos de crescimento como Jacaré e Morro Sem Boné.
O acordo anunciado em 18 de fevereiro de 2025 prevê até US$ 500 milhões em pagamento, sendo US$ 350 milhões à vista e parcelas condicionais adicionais.
A conclusão é esperada para o 3º trimestre de 2025, sujeita a aprovações regulatórias.
A compradora, MMG Limited, tem sede em Melbourne e Hong Kong e é controlada pela China Minmetals, por meio da Minmetals HK, que detém cerca de 67,5% do capital. A China Minmetals é uma estatal supervisionada pela SASAC, órgão do Conselho de Estado chinês.
Por que a China preocupa o setor
O receio exposto pela indústria norte-americana se ancora em dois movimentos paralelos.
De um lado, investimentos chineses na Indonésia ampliaram a produção local e consolidaram o país como o maior produtor e detentor das maiores reservas de níquel do mundo.
De outro, a aquisição de ativos no Brasil aumentaria a exposição da China a outra frente relevante de recursos.
Dados públicos indicam que as reservas globais se concentram em Indonésia, Austrália e Brasil, com participação combinada de Indonésia e Brasil próxima a 54% do total.
Regras brasileiras: o que muda (e o que não muda)
No Brasil, jazidas e recursos minerais pertencem à União, e a exploração ocorre por autorização ou concessão.
A transferência de direitos minerais depende de anuência prévia do poder público.
Em operações como a venda da Anglo para a MMG, portanto, muda o titular da concessão — não a propriedade do minério em si.
Esse arranjo constitucional preserva a capacidade do Estado de impor condições e fiscalizar o uso do recurso.
Relações comerciais e pano de fundo geopolítico
O envio do ofício ocorreu dentro da consulta pública aberta pelo USTR em investigação Seção 301 sobre atos e políticas do Brasil em temas como comércio digital, meios de pagamento, tarifas e etanol.
O processo foi instaurado em 15 de julho de 2025 e aceita manifestações de partes interessadas, como o AISI.
O governo brasileiro já apresentou contestação, defendendo a legalidade de suas práticas e questionando a via escolhida por Washington.
Paralelamente, Anglo American vem ajustando seu portfólio global desde 2024.
Ao mesmo tempo em que decidiu sair do níquel, a mineradora firmou memorandos de entendimento na China para desenvolver o mercado de polihalita com Sinochem Fertilizer e BeiFeng AMP, com foco em pesquisas em culturas como milho, soja, batata, cítricos e maçã.
Os acordos ilustram a expansão de relações comerciais da empresa no mercado chinês, embora sem relação direta com a venda no Brasil.
Impacto potencial para a cadeia do aço inox
A preocupação dos produtores de inox dos EUA é que uma maior concentração de oferta primária sob influência chinesa possa afetar preços, condições comerciais e previsibilidade de fornecimento.
O AISI sustenta que subsídios estatais e restrições à exportação adotados por Pequim em minerais críticos já provocaram distorções nas cadeias globais, e que o níquel não deveria repetir o padrão visto em outros insumos estratégicos.
O instituto, por isso, pede que Washington atue preventivamente nesse caso brasileiro.
Próximos passos e sinais que merecem atenção
Até o momento, não há resposta oficial pública da Casa Branca ou do USTR especificamente ao pedido do AISI sobre o níquel.
O desfecho depende tanto da tramitação regulatória da compra — no Brasil e em outras jurisdições — quanto da evolução da investigação Seção 301 sobre o Brasil.
A efetivação do negócio pela MMG continua projetada para o 3º trimestre de 2025, condicionada às aprovações usuais.
Diante desse quadro, o debate central passa por equilíbrio entre segurança de suprimento, regras de mercado e soberania sobre recursos naturais.
Caberá ao Brasil arbitrar a transferência dos títulos minerários dentro de seus marcos legais e, ao mesmo tempo, aos Estados Unidos definir se e como reagirão ao avanço de empresas sob controle estatal chinês em ativos críticos no hemisfério.
Em última análise, que condições o Brasil e os EUA considerarão necessárias para garantir previsibilidade no fornecimento sem fechar portas a investimento produtivo?