Jovens trabalhadores enfrentam longas jornadas e múltiplos empregos diante dos baixos salários pagos por grandes montadoras, cenário que levou a Ford a adotar mudanças internas e reacender debates sobre remuneração e qualidade de vida no setor industrial.
A dificuldade para atrair jovens trabalhadores e a busca por condições mais dignas nos empregos industriais nos Estados Unidos voltaram ao centro do debate corporativo em 2025, especialmente após relatos envolvendo a Ford Motor Company.
O cenário ganhou destaque depois que Jim Farley, atual CEO da Ford, revelou uma série de mudanças internas que têm como objetivo transformar a relação da empresa com sua força de trabalho, especialmente com as gerações mais novas, diante de salários considerados insuficientes para garantir o bem-estar dos funcionários.
O tema remete a uma tradição histórica.
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Em 1914, Henry Ford, fundador da montadora, ficou mundialmente conhecido ao anunciar um aumento significativo dos salários pagos na empresa, mais do que dobrando o valor diário para 5 dólares e reduzindo a jornada para oito horas.
A decisão, que marcou o início de uma nova era para o mercado de trabalho norte-americano, visava garantir estabilidade, produtividade e até criar consumidores para os próprios veículos produzidos nas linhas de montagem da companhia.
Desafios para jovens trabalhadores na Ford
Mais de um século depois, o desafio da retenção de trabalhadores reapareceu, mas agora sob uma nova perspectiva.
Durante negociações com o sindicato United Auto Workers (UAW), que representa os empregados do setor automotivo, Jim Farley ouviu relatos preocupantes: muitos jovens contratados pela Ford trabalhavam em dois empregos para complementar a renda, chegando a enfrentar jornadas exaustivas e períodos mínimos de descanso.
Conforme o próprio executivo relatou em entrevista ao jornalista Walter Isaacson no Aspen Ideas Festival, funcionários relataram situações em que passavam até oito horas em funções na Amazon antes de iniciar turnos de mais sete horas nas fábricas da Ford, dormindo apenas três ou quatro horas por dia.
Esse contexto de salários-base de US$ 17 por hora, considerados insuficientes para cobrir o custo de vida em diversas regiões dos Estados Unidos, contribuiu para o aumento da rotatividade de mão de obra e para a dificuldade da Ford em preencher vagas destinadas a jovens profissionais.
“Nenhum dos jovens quer trabalhar aqui. Jim, você paga 17 dólares por hora, e eles estão muito estressados”, teria dito um funcionário veterano durante as conversas com o CEO.
Mudanças na política de remuneração na Ford
A reação da empresa foi transformar contratos temporários em posições de tempo integral, o que garantiu não apenas salários mais altos, mas também a possibilidade de participação nos lucros e acesso a planos de saúde mais abrangentes.
As mudanças foram detalhadas no acordo coletivo negociado entre a Ford e o UAW em 2019, que estabeleceu o direito de trabalhadores temporários tornarem-se efetivos após dois anos de trabalho contínuo na montadora.
Com a reestruturação, a Ford buscou reverter o cenário de insatisfação interna, oferecendo perspectivas melhores de carreira e qualidade de vida aos funcionários.
Impactos das decisões para salários Ford
De acordo com Farley, a iniciativa representa uma tentativa de criar um ciclo positivo de desenvolvimento industrial, inspirado nas ideias de Henry Ford do início do século 20.
O CEO afirma que, ao garantir melhores salários e benefícios, a própria empresa contribui para o fortalecimento do poder de compra dos trabalhadores, o que pode resultar no aumento da demanda pelos próprios veículos fabricados pela Ford.
“Faço isso porque quero que meus trabalhadores de fábrica comprem meus carros. Se ganharem dinheiro suficiente, comprarão meu próprio produto. É uma profecia autorrealizável, de certa forma”, explicou.
O problema, entretanto, não se restringe à Ford ou ao setor automotivo.
A escassez de jovens interessados em empregos industriais reflete uma mudança estrutural no mercado de trabalho norte-americano e global, marcada por transformações tecnológicas, busca por qualidade de vida e alterações nas expectativas das novas gerações.
O papel da formação técnica e da indústria
Além da questão salarial, Farley destaca a importância do investimento em educação técnica e formação profissional, algo que, segundo ele, é tratado com mais seriedade em países como a Alemanha.
Lá, cada trabalhador de fábrica normalmente recebe um aprendiz já durante o ensino médio, com um sistema de formação que pode durar até oito anos, garantindo mão de obra qualificada e motivada.
O executivo também reconhece a necessidade de políticas públicas mais robustas para incentivar a formação e a valorização de profissões técnicas nos Estados Unidos, apontando que a solução para os desafios atuais exige cooperação entre empresas, governos e instituições de ensino.
“Nossos governos precisam levar muito a sério o investimento em escolas técnicas e em profissões especializadas. Não vamos ficar apenas esperando que melhore. Depois de 120 anos, temos os recursos e a experiência para resolver esses problemas, mas precisamos de mais ajuda dos outros”, declarou Farley durante o evento.
Salários Ford e tendências da indústria automotiva
Dados recentes da indústria reforçam o tamanho do desafio enfrentado pelas montadoras.
Segundo o Bureau of Labor Statistics (Departamento de Estatísticas do Trabalho dos EUA), o salário médio por hora na indústria automotiva ficou em torno de US$ 25 em 2024, mas grande parte dos novos contratados ainda começa recebendo valores próximos aos 17 dólares.
O custo de vida, principalmente em grandes centros urbanos, pressiona ainda mais trabalhadores jovens a buscar alternativas para complementar a renda, o que acaba impactando a saúde física e mental de toda uma geração de operários.
Nesse contexto, as mudanças implementadas pela Ford passaram a ser acompanhadas de perto por outras grandes empresas do setor, que buscam evitar uma crise de mão de obra similar.
O aumento do interesse por empregos em tecnologia, o avanço da automação e o envelhecimento dos trabalhadores industriais tradicionais colocam pressão extra sobre as montadoras para encontrar soluções duradouras, mantendo a competitividade e atendendo às novas demandas do mercado de trabalho.
Desafios futuros e a busca por novos talentos
Diante desse cenário, a experiência recente da Ford pode servir como exemplo para outras corporações norte-americanas e globais sobre a importância de equilibrar remuneração justa, benefícios atraentes e investimento em formação técnica.
Afinal, até que ponto as empresas devem assumir a responsabilidade pelo bem-estar dos funcionários para garantir produtividade e inovação no século 21?
O que pode ser feito para tornar a indústria automotiva novamente um destino atrativo para os jovens que estão ingressando no mercado de trabalho?