Jovens da geração Z estão transformando o crime no Brasil com comportamentos típicos das redes sociais, desafiando regras antigas e exibindo armas e rotinas criminosas como influenciadores digitais.
A nova geração do crime no Brasil tem causado preocupação até entre os próprios chefes das facções.
Jovens da chamada geração Z, nascidos entre o fim dos anos 1990 e a primeira década dos 2000, estão levando para dentro das organizações criminosas comportamentos típicos das redes sociais — como o exibicionismo e a busca por fama instantânea.
A avaliação é do especialista em segurança pública Joel Paviotti, em entrevista ao Podcast Edson Castro Show.
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Segundo Paviotti, o fenômeno representa uma mudança geracional inédita no crime organizado brasileiro.
Ele explica que, enquanto os criminosos das décadas anteriores valorizavam a hierarquia e o sigilo, os mais jovens agem com impulsividade, registram tudo no celular e compartilham vídeos e fotos armados em plataformas como TikTok e Instagram.
“Até os líderes mais antigos estão exaustos dessa molecada”, relatou o especialista.
A desordem no crime e a ruptura com o “código” das antigas
De acordo com Paviotti, os próprios chefes de facções têm reclamado do comportamento dos novatos.
Ele citou o relato de um ex-criminoso que vive em uma periferia e contou ter sido assaltado na porta de casa por dois adolescentes armados.
Quando o homem procurou o líder local para reclamar, ouviu dele uma frase que resume o momento atual: “Nem o PCC aguenta mais essa geração”.
O especialista destacou que, no passado, o crime era mais estruturado e disciplinado, com regras claras de convivência e respeito aos moradores das comunidades.
Hoje, diz ele, prevalece a desorganização.
“Essa juventude trata facção como se fosse time de futebol. Se não gosta de uma, muda para outra”, afirmou, referindo-se à facilidade com que jovens trocam de organização — algo impensável em décadas anteriores.
Redes sociais e a cultura do “influencer do crime”
Entre os exemplos mais emblemáticos, Paviotti citou o caso de “Gotinha”, jovem integrante de uma facção no Rio de Janeiro que acumulava centenas de milhares de seguidores no Instagram.
Conforme o especialista, ele publicava vídeos mostrando armas de grosso calibre e até fazia “unboxing” de fuzis, uma prática semelhante à de influenciadores digitais que apresentam produtos para o público.
“Ele fazia com fuzis o que muita gente faz com tênis”, comentou Paviotti, explicando que o criminoso chegou a divulgar apostas ilegais enquanto posava com carros de luxo e cordões de ouro.
Gotinha foi morto a tiros, mas, segundo o especialista, as publicações continuaram a ser feitas em seu perfil, possivelmente por pessoas próximas que mantinham contratos de divulgação.
A banalização da violência e o “status” digital
O comportamento midiático desses jovens, observa Paviotti, reflete a busca por reconhecimento imediato e status digital, valores típicos da geração Z.
Ele relatou que muitos criminosos realizam transmissões ao vivo após ações violentas, comemorando invasões e confrontos como se fossem conquistas esportivas.
“Eles fazem vídeos após tiroteios e publicam como se fosse troféu. É a lógica das redes aplicada ao crime”, explicou.
Essa exposição pública contrasta com a antiga cultura de discrição entre criminosos.
Paviotti afirmou que, enquanto líderes mais velhos mantinham o sigilo como forma de autopreservação, os novos membros preferem se destacar.
“Antes, o respeito vinha do silêncio. Agora, vem da curtida e do seguidor”, resumiu.
Facções sem controle e aumento da violência gratuita
Outro ponto levantado pelo especialista é o enfraquecimento da autoridade interna das facções.
Ele observa que, com muitos chefes presos ou migrando para atividades de maior lucro, como o tráfico internacional, a base do crime ficou nas mãos de adolescentes.
“Essa molecada age por impulso e com pouca noção de consequência. Matam por motivos banais, por uma ofensa, por um olhar ou até por uma roupa”, alertou.
Casos recentes reforçam essa avaliação.
Paviotti citou relatos de jovens executados por motivos fúteis, como pisar no pé de alguém em um baile ou usar roupas associadas a símbolos rivais.
Em alguns episódios, até animais de estimação foram mortos em conflitos locais, demonstrando o nível de descontrole.
A nova identidade criminosa
De acordo com o especialista, há também uma mudança simbólica na forma como esses jovens se identificam com o crime.
Antes, ser “do morro” ou “da quebrada” fazia parte de uma construção comunitária, ligada ao território.
Hoje, a filiação se dá mais pela estética e pelos códigos de grupo nas redes sociais, como gestos, gírias, emojis e músicas.
“Ser do PCC ou do Comando Vermelho já não é mais identidade suficiente para eles”, explicou Paviotti.
“Eles criam símbolos próprios, proíbem marcas de roupa específicas, definem estilos de cabelo ou modos de se vestir. É uma identidade mais visual e instantânea, que muda a todo momento.”
Essa transformação, segundo ele, tem impacto direto na segurança pública.
“Quando o crime se torna uma performance digital, a violência ganha uma vitrine. Isso atrai mais jovens e torna o controle mais difícil”, avaliou.
Entre o entretenimento e a tragédia
Durante a conversa com o apresentador Edson Castro, Joel Paviotti observou que o tema, apesar de grave, acaba sendo tratado com certa naturalidade nas redes e nos podcasts.
“É assustador como conseguimos falar de guerra urbana com leveza. Isso mostra o quanto o brasileiro se acostumou à tragédia”, comentou.
Ele destacou que o humor, muitas vezes presente nessas conversas, funciona como uma forma de defesa diante de uma realidade brutal.
“A gente brinca com o absurdo porque, se levar a sério o tempo todo, enlouquece”, disse.
Desconexão com a comunidade e o colapso da “ordem” nas periferias
Paviotti lembrou ainda que, no passado, criminosos mantinham certo “código de convivência” com os moradores das comunidades, evitando roubos e conflitos internos.
Essa lógica, segundo ele, desapareceu com o avanço das grandes facções e a entrada da geração Z no comando.
“Antigamente, se alguém era roubado, sabia a quem recorrer. Hoje, nem os líderes locais têm mais controle sobre quem está cometendo os crimes”, relatou.
Essa perda de referência cria um cenário de insegurança generalizada nas periferias e afasta ainda mais a população da polícia e das instituições públicas.
Um retrato de um país em transformação
O especialista em segurança pública defende que compreender essa nova geração criminosa é essencial para pensar políticas públicas eficazes.
Ele argumenta que o crime se adaptou à lógica digital, e o poder público precisa fazer o mesmo.
“Não dá para combater um fenômeno de rede com ferramentas do século passado”, concluiu Paviotti.
A fala do especialista no Podcast Edson Castro Show expõe um retrato inquietante do Brasil contemporâneo: um país onde a cultura das redes sociais molda até mesmo a criminalidade e onde a violência se tornou conteúdo de entretenimento.
Em meio a essa nova realidade, a pergunta que fica é: como enfrentar um crime que, além de armado, busca curtidas?



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