Nem carro quitado escapa da Justiça: A transferência para parentes pode ser anulada e veículo levado a leilão em caso de fraude contra credores, alerta especialista
Entre os bens mais desejados pelos brasileiros, o carro ocupa posição de destaque. Comprar um veículo à vista e ter o documento livre de financiamentos é, para muitos, símbolo de conquista e segurança. Mas essa sensação de blindagem pode ser ilusória quando se trata de execução judicial de dívidas.
A crença de que “carro quitado é intocável” caiu por terra nas últimas décadas. A Justiça tem reiterado que, em situações de fraude à execução, veículos transferidos a terceiros ou até registrados em nome de parentes podem ser penhorados e levados a leilão para quitar dívidas do verdadeiro dono.
O que diz a lei sobre fraude à execução
O artigo 792 do Código de Processo Civil (CPC) estabelece que a alienação ou oneração de bens é considerada fraude à execução quando praticada após a citação válida do devedor ou em situações que prejudiquem a satisfação de credores.
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Isso significa que, se alguém transfere um carro após já estar sendo processado por cobrança, a Justiça pode declarar a transação ineficaz e permitir a penhora, mesmo que o bem esteja formalmente em nome de outra pessoa.
Teresa Arruda Alvim (professora de Processo Civil, PUC-SP) diz: “A fraude à execução afronta o princípio da boa-fé objetiva. Se o devedor transfere bens para terceiros já em curso de processo, essa venda é ineficaz perante credores.”
No REsp 1.141.990/SP, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento de que “a alienação de bens após a citação configura fraude à execução, sendo irrelevante a boa-fé do terceiro adquirente”. Em outras palavras: quem compra ou recebe um carro de alguém já citado em ação corre o risco de perder o bem.
Como funciona a penhora de veículos no Brasil
A penhora de veículos em processos de execução é feita, em grande parte, pelo sistema Renajud, uma ferramenta eletrônica que conecta o Poder Judiciário ao Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).
Por meio do Renajud, juízes podem:
- Restringir a transferência do veículo;
- Bloquear a circulação para impedir que continue sendo usado;
- Determinar a apreensão e o leilão do bem.
Essas medidas evitam que o devedor burle o sistema transferindo o carro para familiares ou amigos. Se houver indícios de que a operação foi simulada, o juiz desconsidera o registro e trata o veículo como se ainda pertencesse ao devedor original.
Estratégias comuns de fraude
Especialistas em Direito Processual apontam que algumas estratégias são recorrentes em tentativas de fraudar execuções:
Venda simulada para familiares – o carro é registrado em nome de esposa, filhos ou parentes próximos, mas continua sendo usado pelo devedor.
Transferência fictícia a amigos – não há comprovação de pagamento real pela compra, servindo apenas para esconder o patrimônio.
Manutenção da posse – mesmo após a suposta venda, o carro permanece na garagem do devedor e usado por ele, evidenciando que não houve negócio legítimo.
Transferência após a citação – quando o processo já está em andamento, qualquer venda posterior levanta suspeita automática de fraude.
Especialistas comentam
O advogado tributarista Eduardo Sodré alerta: “Muitos acreditam que basta transferir o veículo para escapar da execução. A jurisprudência do STJ é firme em dizer que isso não funciona. O Judiciário pode anular a transferência e levar o carro a leilão.”
Para a professora Teresa Arruda Alvim, referência em Processo Civil, o princípio que orienta essas decisões é o da boa-fé objetiva: “O processo não pode ser usado como jogo de esconde-esconde. Se há dívida reconhecida, o patrimônio do devedor deve responder. Fraudes à execução são combatidas com rigor porque desrespeitam a função social do processo.”
Impactos sociais e econômicos
A possibilidade de penhora de carros registrados em nome de terceiros não é apenas uma questão jurídica: tem reflexos diretos na economia e no cotidiano dos brasileiros.
- Para os credores, garante que dívidas não fiquem sem pagamento e que manobras de ocultação não inviabilizem a execução.
- Para os devedores, reforça que tentar burlar a Justiça pode agravar a situação, já que além da perda do bem, ainda pode haver condenação em custas e honorários.
- Para o mercado, cria maior segurança jurídica, evitando que terceiros comprem veículos de devedores sem a devida cautela.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o uso do Renajud resultou em mais de 5 milhões de restrições judiciais a veículos desde sua implementação, mostrando a importância desse mecanismo no combate à inadimplência e à fraude.
Jurisprudência consolidada
Além do REsp 1.141.990/SP, outras decisões do STJ confirmam essa linha. Em 2021, a 4ª Turma reiterou que a alienação de veículo após a citação presume fraude, e que a boa-fé do terceiro não basta para afastar a penhora.
Tribunais estaduais também vêm aplicando esse entendimento de forma uniforme, reconhecendo que a transferência de bens em nome de terceiros, quando há indícios de fraude, é ineficaz perante o credor.
O recado da Justiça é claro: carro quitado não é sinônimo de proteção contra dívidas. A transferência para familiares ou terceiros, quando feita para esconder patrimônio, não resiste ao crivo judicial.
A lei, a jurisprudência e os sistemas eletrônicos de controle como o Renajud formam uma barreira contra práticas fraudulentas. No fim, prevalece a boa-fé: quem deve, deve pagar — e quem tenta enganar a Justiça corre o risco de perder o bem e ainda aumentar sua responsabilidade.