Estudo publicado na revista Nature propõe que os períodos de água líquida em Marte foram raros e que o planeta se autorregula como um deserto.
Marte já teve rios e lagos. Essa afirmação, que antes parecia improvável, é hoje uma certeza científica.
Os cânions escavados por cursos de água em sua superfície revelam um passado úmido. Mas se isso é verdade, por que o planeta é, hoje, um deserto árido e gelado?
Um novo estudo oferece uma resposta surpreendente: talvez Marte sempre tenha estado condenado.
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Uma resposta para o maior mistério de Marte
A pesquisa foi conduzida por Edwin Kite, cientista planetário da Universidade de Chicago e membro da missão Curiosity.
Publicado na revista Nature, o estudo propõe que os períodos em que houve água líquida em Marte foram apenas breves exceções.
Segundo os autores, o planeta tende a retornar ao estado desértico por conta própria, num processo de autorregulação contrário ao da Terra.
A base dessa hipótese são dados recentes da missão Curiosity, da NASA. Em abril, o rover encontrou, pela primeira vez, rochas ricas em carbonato.
Esse tipo de material pode explicar para onde foi parar a antiga atmosfera marciana, composta principalmente por dióxido de carbono.
“Por anos, tivemos essa enorme questão sem resposta sobre por que a Terra conseguiu manter sua habitabilidade enquanto Marte a perdeu”, afirmou Kite. “Nossos modelos sugerem que os períodos de habitabilidade em Marte foram a exceção, e não a regra.”
Marte preserva as marcas da própria catástrofe
A diferença entre os dois planetas não está apenas na posição em relação ao Sol ou na composição.
Segundo Kite, Marte chegou a reunir todos os ingredientes para ser um mundo habitável: rochas, carbono, água e distância adequada do Sol. Mesmo assim, se tornou um deserto congelado.
O que aconteceu de errado? A pista está na superfície do planeta vermelho.
Os vales e leitos secos mostram que, em algum momento, Marte teve água corrente. E as rochas guardam pistas do que ocorreu depois.
“Felizmente, Marte preserva um traço dessa catástrofe ambiental nas rochas de sua superfície”, disse Kite. Ele destaca que estamos vivendo uma “era de ouro” da ciência planetária, com robôs na superfície e satélites em órbita dedicados a entender o planeta.
A Terra tem um sistema de equilíbrio. Marte, não
Na Terra, o dióxido de carbono age como regulador climático. Quando a temperatura sobe, reações químicas o fixam nas rochas, esfriando o planeta.
Com o tempo, o carbono volta à atmosfera por meio de erupções vulcânicas. Esse ciclo mantém o planeta relativamente estável.
Em Marte, o estudo sugere que algo semelhante pode ocorrer — mas de forma limitada. À medida que o Sol vai ficando mais brilhante, ocorre um leve aquecimento.
Isso faz surgir água líquida, por um curto período. Essa água, por sua vez, retira o dióxido de carbono da atmosfera, fixando-o nas rochas.
Com menos gás estufa, o planeta esfria novamente e a água desaparece.
Na Terra, os vulcões repõem o carbono na atmosfera. Em Marte, não. “Ao contrário da Terra, onde sempre há alguns vulcões em erupção, Marte está atualmente vulcanicamente adormecido”, explicou Kite.
Esse desequilíbrio cria um ciclo que se quebra sozinho. Basta um pouco de água para prender o dióxido de carbono nas rochas. E sem carbono na atmosfera, Marte volta a congelar.
Ciclos curtos de água, seguidos por desertos de 100 milhões de anos
O estudo liderado por Kite criou modelos computacionais para simular essas oscilações. O resultado aponta para um planeta que passa por curtos períodos de água líquida, seguidos por intervalos áridos de até 100 milhões de anos.
Esses intervalos longos tornam a presença contínua de vida praticamente impossível. Segundo os cientistas, mesmo que tenha havido condições adequadas por um tempo, elas não duraram o suficiente para que formas complexas de vida se desenvolvessem ou sobrevivessem.
Carbonatos eram a peça que faltava
A chave para essa nova hipótese foi a descoberta de rochas com carbonato pela sonda Curiosity. Essa substância mostra onde foi parar o dióxido de carbono que um dia aqueceu o planeta.
Desde que se detectou a falta de uma atmosfera espessa em Marte, cientistas se perguntam para onde teria ido esse carbono.
A resposta mais simples seria: para dentro das rochas, como na Terra. Mas, durante anos, nenhuma evidência concreta havia sido encontrada.
A Curiosity precisou subir o Monte Sharp para enfim localizar essas rochas. A descoberta representa um avanço importante e poderá ser ampliada com novos testes.
“É algo que você realmente não pode saber até ter um rover na superfície”, disse Benjamin Tutolo, coautor do estudo e professor da Universidade de Calgary. “As medições químicas e mineralógicas que eles fornecem são realmente essenciais em nossa busca contínua para entender como e por que os planetas permanecem habitáveis.”
Novas pistas podem surgir
Os autores esperam que, à medida que a Curiosity avance em suas coletas, seja possível confirmar se o carbonato está disseminado por grandes áreas ou se é um fenômeno localizado. Essa informação será decisiva para validar ou ajustar o modelo apresentado.
Além de Kite e Tutolo, participaram do estudo a pesquisadora Madison L. Turner, da Universidade de Chicago, além de cientistas da NASA, Universidade Brown, Caltech e do Laboratório de Propulsão a Jato.
O trabalho contribui para responder uma das perguntas mais antigas da astronomia moderna: o que aconteceu com Marte? Se as hipóteses estiverem corretas, a resposta pode ser: nada demais. O planeta apenas seguiu o rumo que estava traçado desde o começo.
A Curiosity continua ativa em solo marciano e novas análises do Monte Sharp podem confirmar se os depósitos de carbonato são comuns no planeta.
Isso pode reforçar a ideia de que Marte sempre teve uma tendência natural a perder sua habitabilidade, mesmo quando reunia todos os ingredientes para ser um mundo como o nosso