Estratégia de criar filas artificiais e lotes limitados pode afastar consumidores cansados de preços abusivos e exclusividade encenada.
O uso do marketing de escassez pelas montadoras no Brasil ganhou destaque nos últimos meses e vem levantando questionamentos sobre a real intenção por trás de filas intermináveis e lotes supostamente limitados. Segundo análise de Fernando Dupas, essa estratégia, que transforma reservas em “vendas” e simula raridade, ameaça diretamente a credibilidade das marcas e pode afastar consumidores que não aceitam mais pagar caro por exclusividade inventada.
O caso do Golf GTI, com 350 unidades “reservadas” em tempo recorde, ilustra bem a tática. Não se trata de vender todo o estoque, mas de criar uma aura de escassez para sustentar preços acima da média de mercado.
O consumidor não compra apenas um carro: compra a sensação de status ao fazer parte de um grupo restrito que teria acesso ao “raro”.
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Como funciona o marketing de escassez
O marketing de escassez explora a ideia de exclusividade. Ao chamar reserva de venda e promover lotes mínimos como se fossem produtos únicos, as montadoras no Brasil estimulam o senso de urgência do consumidor.
A estratégia cria a impressão de que quem não entrar rápido ficará de fora.
Essa prática não é nova no setor automotivo global. Marcas de luxo como Ferrari consolidaram o método, escolhendo quem “merece” comprar determinados modelos.
No entanto, a novidade no Brasil é a migração dessa lógica para carros de grande volume. O que antes era estratégia de nicho virou padrão até em veículos populares.
Exemplos recentes no mercado brasileiro
Segundo Fernando Dupas, o Volkswagen Tera foi lançado com promessa de 12 mil carros, mas rapidamente desapareceu do mercado. Já o Basalt teria filas de espera apesar de não passar de 1.500 unidades mensais.
A pergunta que surge é simples: se há tanta demanda, por que a produção não acompanha?
Durante a crise dos semicondutores, justificativas como falta de peças e problemas de fornecimento faziam sentido.
Porém, com a normalização da cadeia, as filas constantes começam a parecer menos problema industrial e mais decisão deliberada de manter a oferta artificialmente baixa.
O impacto dos preços fora da realidade
Outro efeito do marketing de escassez das montadoras no Brasil é a legitimação de preços inflados. Reservas se transformam em manchetes: “esgotou”.
Mas, na prática, o produto não acabou apenas foi disponibilizado em pequena quantidade. Essa manipulação desloca a conversa do custo-benefício para o status de possuir algo “inacessível”.
No curto prazo, a estratégia gera ganhos de imagem e margens mais altas. Mas, no longo prazo, o risco é a perda de confiança do consumidor, que percebe quando a fila é encenação.
O risco para a credibilidade das marcas
A confiança do cliente é um dos ativos mais importantes para qualquer montadora. Consumidores lembram que marcas como Toyota ganharam espaço justamente por entregarem veículos disponíveis sem enrolação. Já quando filas artificiais viram regra, a paciência se esgota.
Esse desgaste pode afastar clientes que precisam do carro para trabalhar, viajar ou se deslocar diariamente.
Para esse público, a disponibilidade imediata vale mais que o “teatro” da exclusividade. Se o consumidor conclui que a fila é inventada, o marketing de escassez se transforma em antipatia, corroendo a reputação da marca.
Por que a tática persiste
Ainda assim, o método segue atraente para montadoras no Brasil porque há mercado para isso. Em bairros de alta renda, 350 unidades de um esportivo como o Golf GTI se esgotam facilmente.
O problema é quando a prática se espalha para segmentos populares, onde a percepção de manipulação é muito maior.
A dúvida que permanece é tripla:
- Quantas reservas são de fato vendas firmes?
- Quais filas refletem gargalos reais de produção e quais são criadas artificialmente?
- Até quando o consumidor aceitará pagar mais por menos disponibilidade?
Vale a pena manter a estratégia?
Especialistas apontam que o marketing de escassez pode até gerar manchetes positivas e criar “hype” de lançamento. Mas ganho rápido não compensa desgaste de credibilidade.
Quando o público percebe que a raridade é encenada, a marca perde relevância no médio prazo.
No fim, o consumidor brasileiro já viu épocas em que modelos vendiam 20 mil unidades por mês sem filas inventadas. Isso mostra que a limitação atual não reflete demanda explosiva, mas sim uma gestão comercial que privilegia narrativa em vez de produção eficiente.
O marketing de escassez das montadoras no Brasil pode inflar preços e gerar sensação de exclusividade no curto prazo, mas coloca em risco a confiança construída ao longo de décadas.
Ao transformar reserva em venda e normalizar filas artificiais, as marcas correm o risco de afastar exatamente quem sustenta o volume de mercado.
E você, já se deparou com uma fila “inventada” para comprar um carro? Acredita que essa prática valoriza o produto ou apenas engana o consumidor?
Deixe sua opinião nos comentários queremos ouvir relatos reais de quem vive essa experiência no Brasil.