Em setembro de 2023, a Marinha do Brasil comprou dez transceptores VHF marítimos portáteis IC-M25 por R$ 10.200,00; em novembro, técnicos do Navio Hidroceanográfico Amorim do Valle detectaram falsificações sem canal “Mike”, com plugs de áudio falhando e sem número de homologação da Anatel, fato que levou o Superior Tribunal Militar a condenar a fornecedora por fraude em licitação, acendendo um alerta sobre vulnerabilidades de compras públicas e a segurança das comunicações navais.
A história começou em setembro de 2023, quando a Marinha lançou dispensa eletrônica para adquirir 10 transceptores VHF marítimos portáteis IC-M25 (ICOM), padrão em comunicações de curto alcance em embarcações militares. A proposta vencedora, de R$ 10.200,00, prometia equipamentos originais e homologados pela Anatel, garantindo interoperabilidade e segurança operacional.
Contudo, ao chegar ao Navio Hidroceanográfico Amorim do Valle em novembro de 2023, os rádios levantaram suspeitas. A informação foi divulgada pela Sociedade Militar, que detalhou a apuração técnica conduzida pela própria Força. Logo na triagem, peritos verificaram incompatibilidade de componentes internos, falhas nos plugs de áudio, ausência do canal “Mike” (usado em comunicações militares) e falta do número de homologação e do selo da Anatel. Em suma: não eram ICOM.
Como agravante, o prejuízo estimado chegou a R$ 16.680,00 — valor que não pôde ser reaplicado por causa do encerramento do exercício financeiro, deixando o navio sem os transceptores necessários para cumprir a rotina de missões hidrográficas.
A confissão que virou o processo: compra no AliExpress e mudança do rumo no STM
Durante o interrogatório, a representante admitiu ter adquirido os produtos no site chinês AliExpress, reconhecendo a origem não autorizada. A confissão pesou: o Ministério Público Militar (MPM) recorreu da absolvição inicial e levou o caso ao Superior Tribunal Militar (STM).
No julgamento, o ministro-relator Odilson Sampaio Benzi sustentou que faltavam provas de dolo, ou seja, de intenção deliberada de enganar a Administração. Porém, o ministro-revisor Péricles Aurélio Lima de Queiroz divergiu, apontando que a manutenção do contrato mesmo após questionamentos, a recusa em substituir os equipamentos e a consciência sobre a não originalidade configuraram dolo claro.
A divergência foi decisiva: a maioria dos ministros acompanhou o voto do revisor, resultando na condenação da fornecedora por fraude em licitação. O acórdão também menciona laudos que destacam incompatibilidade com transceptores já em uso no navio, ausência dos canais MIKE, plugs de áudio que não funcionavam e falta de homologação Anatel (EVENTO16-INQ1, fls. 10/17), reforçando tratar-se de mercadoria falsificada.
A pena, o enquadramento jurídico e o efeito pedagógico da condenação
Na dosimetria, o voto revisor fixou quatro anos de reclusão, reduzidos pela tentativa de fraude — entendimento alinhado ao STJ, pois o pagamento foi suspenso antes da consumação. O resultado final: 1 ano e 4 meses de reclusão, em regime aberto, com sursis e direito de recorrer em liberdade.
Embora branda em termos numéricos, a pena é simbólica e preventiva: sinaliza que crimes contra a Administração Militar terão reprimenda, mesmo quando envolvem valores modestos. Para o MPM, o episódio alerta para o uso de plataformas estrangeiras na aquisição de insumos estratégicos. Como resumiu um procurador ouvido na reportagem, “fornecimento irregular compromete o erário e a segurança das comunicações navais.”
Além do caso concreto, o STM reforça um ponto sensível: licitações militares são vulneráveis a fraudes com produtos importados sem certificação, sobretudo quando há excesso de confiança em declarações de fornecedores e insuficiência de verificação prévia.
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O que está em jogo: segurança, interoperabilidade e credibilidade
Mais que o prejuízo de R$ 16.680,00, o caso expõe riscos estratégicos em um tempo de guerra eletrônica e comunicações criptografadas. Um único transceptor VHF marítimo portátil não homologado pode abrir falhas críticas — de interceptação a interferências, passando por quebras de interoperabilidade entre embarcações, centros de comando e outros sistemas.
Por consequência, a decisão do STM tende a reverberar em protocolos de aquisição: checagem documental rigorosa, exigência de certificados de origem e conformidade, verificação de homologação Anatel, testes técnicos de compatibilidade e auditorias de cadeia de suprimentos. Em paralelo, cláusulas contratuais mais duras podem reduzir incentivos à fraude e agilizar substituições quando a originalidade for contestada.
Por fim, o episódio coloca a credibilidade em pauta. Em comunicações navais, confiança é um ativo operacional: equipamento falso é brecha, e brecha é risco. Para o Brasil, o caso serve de exemplo concreto de como brechas administrativas viram ameaças estratégicas — exatamente quando comunicações seguras são vitais para a defesa nacional.
Do edital à condenação: os pontos cruciais
- Set/2023: abertura da dispensa eletrônica para 10 IC-M25 (ICOM).
- Valor da proposta vencedora: R$ 10.200,00 (originais e homologados pela Anatel).
- Nov/2023: chegada ao Amorim do Valle e suspeitas de falsificação.
- Achados técnicos: incompatibilidade interna, plugs de áudio com falhas, ausência do canal “Mike”, sem homologação/número Anatel.
- Prejuízo estimado: R$ 16.680,00 (sem reaplicação por encerramento do exercício financeiro).
- Confissão: compra no AliExpress.
- Julgamento no STM: relator Odilson Sampaio Benzi (sem dolo) × revisor Péricles Aurélio Lima de Queiroz (dolo presente).
- Resultado: condenação por fraude em licitação.
- Pena final: 1 ano e 4 meses, regime aberto, sursis, recurso em liberdade — redução por tentativa (pagamento suspenso), em linha com o STJ.
- Efeito sistêmico: alerta para compras públicas militares e segurança de comunicações.
No conjunto, os fatos descrevem fraude em licitação, entrega de mercadoria diversa, equipamentos não produzidos pela ICOM, sem homologação Anatel, e impacto operacional direto em um navio em atividade. Conforme o artigo publicado pela Sociedade Militar, a condenação funciona como freio a fornecedores que apostam em falsificações, além de estimular governança nas compras de defesa.