Demissões em massa no Itaú expõem vigilância digital de funcionários em home office após recorde de lucros e distribuição de bônus, levantando dúvidas sobre privacidade, legalidade e critérios de produtividade.
O Itaú Unibanco dispensou cerca de mil funcionários em regime de home office por suposta “baixa produtividade” aferida por softwares que mensuram uso de teclado, mouse e navegação.
A medida ocorreu após a divulgação de lucro líquido recorde de R$ 40,2 bilhões em 2024 e da distribuição de bônus de desempenho.
Especialistas ouvidos apontam possível violação à LGPD e à legislação trabalhista, enquanto o sindicato fala em mais de mil cortes de uma só vez e o banco evita confirmar o número.
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Em fevereiro de 2025, o Itaú reportou aos acionistas o resultado de 2024, com lucro histórico.
Apesar do cenário favorável, o ano seguinte trouxe a demissão em massa de profissionais do teletrabalho.
Segundo reportagem publicada pelo site The Intercept Brasil, os desligamentos atingiram equipes inteiras e tiveram como base a chamada “atividade digital”, métrica registrada por softwares de monitoramento.
No primeiro trimestre de 2025, o banco registrou R$ 11,1 bilhões de lucro; no segundo, R$ 11,5 bilhões, altas de dois dígitos na comparação anual.
Ainda assim, relatos de funcionários indicam que a “atividade digital” tornou-se o principal critério de avaliação nas equipes remotas.
Segundo o Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, mais de mil pessoas foram desligadas na mesma leva.
O Itaú, questionado, não confirmou o total.
Entre os dispensados, havia trabalhadores que haviam sido premiados meses antes pelo Programa de Remuneração por Alto Desempenho, o Prad.
Um comunicado interno enviado aos contemplados dizia: “Ituber, parabéns pelo PRAD! Esse reconhecimento é pelo seu alto desempenho”.
Monitoramento oculto e métrica de “atividade digital”
Os profissionais em teletrabalho recebem notebooks corporativos com softwares pré-instalados.
De acordo com ex-funcionários ouvidos, novas aplicações foram adicionadas ao longo do tempo sem explicações detalhadas.
De acordo com apuração do The Intercept Brasil, o banco adotou o xOne, da empresa Arctica, e o sistema acompanhava tempo de tela ativa, interações de teclado e mouse e informações sobre abas abertas durante o expediente.
A percepção predominante entre os entrevistados é que não houve aviso claro sobre o nível de detalhamento do monitoramento.
Um contrato obtido pela reportagem afirma que as “ferramentas de trabalho são monitoradas” e fixa a obrigação de manter o Teams aberto durante a jornada, mas não explicita coleta de cliques, teclas ou histórico de navegação.
O Itaú informou, em nota, que o acompanhamento não considera exclusivamente o uso de mouse e teclado e disse não capturar telas, áudios ou vídeos.
Linha do tempo: quatro ou seis meses?
No momento das dispensas, gestores mencionaram aos demitidos que o acompanhamento minucioso vinha ocorrendo havia cerca de seis meses.
Oficialmente, o banco afirma que a análise por softwares se deu por quatro meses.
Nessa janela, diz a instituição, foram identificados casos “sistemáticos” de apenas 20% de atividade digital no dia, inclusive com registro de horas extras nos mesmos períodos.
Já a média geral seria de 75%, patamar que o Itaú considera adequado por incluir intervalos e sazonalidades.
O que dizem os trabalhadores e o sindicato
Dez profissionais do Itaú, nove demitidos e um ainda na empresa, relataram sob anonimato que não receberam feedbacks prévios sobre “baixa atividade” nem chance de justificar eventuais quedas.
Em entrevista concedida ao The Intercept Brasil, um deles afirmou que o sistema apontou 60% de “ócio”, definido como computador ligado sem interação.
Outro, identificado apenas como Rodrigo, declarou que preferia programar no computador pessoal porque o corporativo era lento: “Tenho a sensação de que, se eu passasse o dia vendo vídeo no YouTube, não seria demitido”.
Um áudio compartilhado internamente por um colega que permaneceu no banco reforça a tese de que o indicador central não media entrega de trabalho: “o indicador que avaliou as pessoas não é um indicador de produtividade, ele é um indicador de uso de máquina. Pura e simplesmente”.
A presidente do sindicato, Neiva Ribeiro, afirmou que a entidade não foi informada sobre o grau de detalhamento do monitoramento.
Havia ciência de controle de jornada, mas não de métricas como contagem de cliques ou telas acessadas.
O Itaú sustenta que tudo está previsto em políticas internas assinadas pelos colaboradores e acordado com os sindicatos.
Resultados robustos e remuneração no topo
O contraste entre os resultados e as demissões acentuou a repercussão do caso.
Além dos lucros, o CEO Milton Maluhy Filho aparece em levantamento da imprensa como um dos executivos de maior remuneração da bolsa brasileira, com quase R$ 68 milhões por ano.
Enquanto isso, mais de mil trabalhadores da “linha de frente”, segundo o sindicato, foram desligados com base em um indicador automatizado.
O The Intercept também apontou que parte dos demitidos havia sido reconhecida meses antes pelo programa de bônus por performance.
Base legal em disputa: LGPD e direito do trabalho
Para Filipe Medon, professor de direito da FGV Rio e pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade, a LGPD exige finalidade clara e informada para o tratamento de dados pessoais, não sendo suficiente uma referência genérica.
O funcionário precisa saber exatamente que dados são coletados e para que.
A Fabíola Marques, professora de direito do trabalho da PUC-SP, avalia que a fiscalização do teletrabalho é legítima, sobretudo por ser modalidade relativamente recente no país.
Porém, ressalta a necessidade de transparência: o uso de softwares deve ser comunicado de forma clara e, preferencialmente, previsto em política interna acessível aos empregados.
O professor Alexandre Pacheco, da FGV São Paulo, explica que programas de monitoramento podem capturar padrões de digitação sem registrar conteúdo ou, em versões mais intrusivas, atuar como keyloggers.
No caso do mouse, medem tempos de inatividade, que podem ser interpretados como ócio ainda que o trabalhador esteja lendo documentos ou analisando código sem mover o cursor.
O ponto central, diz ele, é como interpretar os dados coletados.
Bônus, performance e o novo filtro digital
Em março, o banco pagou o Prad, sua premiação anual, reconhecendo parte do quadro por alto desempenho.
Para alguns desses profissionais, a celebração foi seguida, meses depois, de dispensa por “baixa atividade digital”.
O Itaú justificou as demissões por um padrão de comportamento de baixa atividade nas jornadas remotas.
E acrescentou que, por esse motivo, houve desligamento mesmo de pessoas com boa avaliação de performance.
Os relatos de ex-funcionários convergem para um mesmo ponto: a entrega e os resultados perderam peso diante da métrica de uso de máquina.
Houve quem dissesse que não teria sido questionado se passasse o expediente com entretenimento aberto no navegador, desde que houvesse movimento constante de mouse e teclado.
Tecnologia e responsabilidade sobre a transparência
A Arctica, responsável pelo xOne, confirmou a venda do serviço ao Itaú.
Felipe Oliveira, diretor comercial da empresa, afirmou que a comunicação sobre o monitoramento é exclusiva de cada contratante: “Cada organização define como e quando informa seus funcionários”.
Em outras palavras, a obrigação de informar recai sobre o empregador.
Enquanto isso, o banco sustenta que não captura telas, áudios ou vídeos e que não se baseia apenas em teclado e mouse.
Ainda assim, ex-funcionários dizem que não sabiam do nível de rastreio, que inclui tempo de tela ativa e abas abertas.
Segundo eles, não houve oportunidade de apresentar justificativas técnicas — por exemplo, períodos de leitura ou compilações longas, comuns em rotinas de desenvolvimento de software.