Após monitorar a produtividade de funcionários em home office com softwares corporativos, o Itaú Unibanco ofereceu até dez salários extras como indenização a demitidos, em acordo mediado pelo Tribunal Regional do Trabalho; sindicato fala em vigilância abusiva e cobra limites para o controle digital
Cerca de mil funcionários do Itaú Unibanco demitidos por baixa produtividade durante o home office podem receber até dez salários extras como compensação. O acordo, negociado com mediação do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, inclui uma parcela fixa de R$ 9 mil, o pagamento da 13ª cesta-alimentação e indenizações variáveis conforme o tempo de casa.
O caso expõe o avanço das ferramentas de monitoramento digital no trabalho remoto, uma prática que vem se expandindo em grandes corporações e levanta questionamentos sobre privacidade, transparência e limites do controle eletrônico da produtividade.
Como o acordo foi construído
De acordo com o Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, a proposta apresentada nesta segunda-feira prevê quatro pisos salariais para quem trabalhou até 23 meses no banco e seis pisos mais meio salário por ano adicional de vínculo para quem ultrapassou dois anos de casa, com teto de dez salários.
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O TRT da 2ª Região conduziu as negociações e destacou o caráter de conciliação do processo.
O banco, em nota, afirmou que os termos finais estão sob sigilo de Justiça, a pedido do sindicato, e que a mediação buscou evitar judicialização coletiva e individual.
A decisão final será tomada em assembleia híbrida dos trabalhadores.
Sindicato vê avanço, mas mantém críticas
Para Neiva Ribeiro, presidente do sindicato e integrante do Comando Nacional dos Bancários, o resultado é “positivo”, mas não elimina a indignação com as demissões.
Segundo ela, o Itaú recusou a reintegração dos funcionários e manteve o entendimento de que não houve demissão em massa.
“Seguiremos mobilizados em defesa do futuro do home office, da privacidade e da transparência nas ferramentas de monitoramento”, afirmou Neiva, reforçando que o tema afeta não apenas o Itaú, mas toda a categoria bancária.
Monitoramento digital e critérios de demissão
O banco informou que os desligamentos não configuram corte coletivo, mas avaliações individuais de desempenho, com base em dados de aderência à jornada de trabalho e atividade digital captada por sistemas internos.
Durante quatro meses, o Itaú utilizou softwares como o xOne, que registram tempo de uso de computadores, pausas e horas de atividade.
O levantamento indicou cerca de 2.000 funcionários com baixos índices de interação digital, alguns com apenas 20% de atividade registrada no dia, mesmo apresentando horas extras em seus relatórios.
Metade dos casos foi justificada pelos gestores, com base em tarefas que não exigiam uso contínuo do notebook ou em situações de saúde.
Os demais foram dispensados mesmo após cumprirem metas e participarem de reuniões regulares.
O que dizem os funcionários afetados
Entre os demitidos, há relatos de profissionais que alegam ter sido punidos injustamente, afirmando que as métricas de produtividade não refletiam suas entregas reais.
Alguns afirmam ter passado horas em videoconferências pelo Microsoft Teams, que nem sempre eram contabilizadas pelos sistemas automáticos de registro.
Outros relataram que avisavam chefias sobre disponibilidade para novas tarefas, mas eram orientados a aguardar o fluxo interno do sistema, o que reduzia a medição de atividade.
”Se estivéssemos ociosos, haveria atrasos, o que não ocorreu”, disse um ex-funcionário ouvido sob condição de anonimato.
Legalidade e dilemas do controle remoto
Advogados trabalhistas afirmam que a fiscalização no home office é permitida, desde que esteja prevista em contrato e seja comunicada ao funcionário.
No entanto, alertam que a coleta de dados digitais exige transparência e proporcionalidade, sob pena de violar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e direitos de intimidade do trabalhador.
Especialistas apontam que, embora o home office tenha se consolidado como modelo híbrido em grandes bancos, a fronteira entre gestão e vigilância ainda é tênue.
“O desafio é medir produtividade sem transformar o trabalho remoto em um Big Brother corporativo”, resume um consultor em governança digital.
O impacto sobre o futuro do trabalho
O caso do Itaú pode se tornar referência jurídica sobre monitoramento digital e relações de trabalho à distância.
Outras empresas acompanham de perto o desfecho da negociação, já que o modelo de controle eletrônico de desempenho deve ganhar espaço em setores com metas rígidas e alta digitalização.
Para os sindicatos, a discussão vai além da indenização: trata-se de definir os limites éticos e legais do home office.
A categoria quer que as ferramentas de produtividade sejam auditáveis e negociadas coletivamente, evitando arbitrariedades.
A disputa entre controle e confiança no home office marca uma nova fronteira no mercado de trabalho.
Até que ponto empresas podem medir a produtividade digital sem invadir a privacidade dos funcionários? E será que as indenizações são suficientes para compensar os danos causados por vigilância excessiva? Deixe sua opinião nos comentários.